Dentro do universo literário, as biografias têm me interessado cada vez menos. Depois de ler várias, cheguei à conclusão de que a maioria diz muito pouco sobre a natureza de seu indivíduo, algumas são enviesadas, outras foram censuradas pelo próprio biografado..., também existem aquelas superestimadas pelo olhar apaixonado do biógrafo. Portanto, quando este MEMÓRIAS DE UMA MULHER IMPOSSÍVEL veio parar em minhas mãos, não achei que estivesse diante de mais uma biografia, mas de um compilados de reflexões de Rose Marie Muraro, umas das maiores intelectuais que este país já produziu. E apesar do título sugestivo, assim como há algumas reflexões textuais, esta obra é, de fato, uma autobiografia...
Mas apesar de minhas desconfianças
com biografias, a leitura se mostrou uma experiência deliciosa e imersiva. A
autora conta sua história, que se mistura com a história do Brasil e, seguimos
acompanhando o desenvolvimento de mulher e nação ao mesmo tempo, amparado por
uma linguagem simples, corajosa e agradável; a mulher impossível dentro de uma
nação igualmente impossível, seguem existindo, talvez por conta de suas
naturezas perseverantes.
Rose Marie faz uso de suas
habilidades como escritora para tornar o texto agradável, lúcido e, por meio de
linguagem simples, interpreta as lutas políticas e sociais de seu tempo, um
tempo de enorme efervescência cultural, política e social no Brasil. Por meio
de sua análise, vislumbramos as tendências culturais, os debates da emergente
classe intelectual da qual fez parte, e a influência da igreja católica em
diversos desses campos sociais.
A autora é filha de imigrantes
libaneses, que vieram para o Brasil no início do século XX. Portando apenas 5%
da visão, Rose teve uma infância muito difícil, na qual enfrentou enfermidades
severas que quase a levaram a morte. Eis aqui um dos primeiros pontos que construíram
sua concepção de mulher impossível, a perseverança de estar viva quando pela
lógica deveria ter morrido..., uma conclusão feita por ela mesma.
A família era muito rica e
poderosa, então a pequena Rose nasceu em berço de ouro. Porém, alguns motivos
como a morte do pai e a cultura patriarcal da família, tornaram-na desprovida
de recursos substanciais, como alguém que viveu dois extremos: o da abundância
e da escassez.
Resumidamente, Rose Marie foi
estudante universitária de física e matemática, escritora de poemas, figura
central no movimento editorial brasileiro, palestrante, conferencista, uma das
principais influentes dos primeiros movimentos feministas no país, militante
política, em especial na década de 80, quando foi candidata a deputada federal
pelo PDT.
Quanto a obra aqui resenhada,
foi escrita em capítulos curtos, com linguagem coloquial e recheado das
manifestações opinativas da autora, que não esconde o que pensa. Rose Marie é
uma voz forte narrativamente, conforme sua consciência exige ou as
circunstâncias permitem. Tudo isso faz com que suas 400 páginas não se tornem
cansativas.
Intercalando o miolo, há um interessante conteúdo de fotos que exibem as mais diferentes fases na vida da autora e que contribuem para elevar o charme do livro.
MEMÓRIAS DE UMA MULHER IMPOSSÍVEL é uma obra que correu o risco de não existir, pois como a própria autora revela, não possui narcisismo suficiente para escrever memórias. Mas graças a insistência de um amigo, Cândido Mendes, que manifestou o desejo de ter o relato em seu acervo, Rose Marie Muraro, rendeu-se ao pedido, brindando-nos com as memórias biográficas de uma mulher que ultrapassou os limites impositivos da vida..., as memórias de uma mulher impossível!
NOTA: 8,7
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