O crítico literário José Castello escreveu que “a literatura não chega a ser o que está dentro de um livro, é mais sobre a luta que um livro esconde”. Essa ideia basicamente descortina o que não está explicitamente inserido neste A JANGADA DE PEDRA, romance do aclamado escritor português e altamente resenhado aqui no blog, José Saramago: um acidente geológico como metáfora e, por que não dizer o anseio, de um autor crítico de políticas deletérias capitalistas que dominaram a Europa, desde a época de seu lançamento.
Desse modo, na trama os
Pireneus se racham e a Península Ibérica se separa do continente Europeu. Temos
um romance pós-moderno que, pela via do ficcional problematiza a adesão de
Portugal e Espanha à comunidade Europeia. A narrativa começa com um
acontecimento insólito; uma ruptura geológica ocorre, provocando o deslocamento
da Península Ibérica, que passa a vagar pelo oceano como uma ilha em movimento.
Através desse ocorrido,
Saramago insere seus personagens e desenvolve seu universo utópico, baseado na
evidente fragilidade dos antigos laços que a região sustentava com a Europa.
Das obras do autor que li até aqui, está é, sem sombra de dúvida, sua maior
crítica política ao sistema econômico capitalista europeu (a caverna também me
parece seguir este modelo crítico, mas aqui a narrativa é mais escancarada e
subentende a vontade do autor de uma nova ordem mundial em oposição à então
comunidade europeia).
A península se liberta do
continente, como se fosse uma jangada de pedra, seria a metáfora para o
comportamento da pessoa que, esgotada pela despersonalização do mundo global,
se atreve a romper com ditames que lhe eram entendidos como definitivos,
tornando-se soberana e responsável pelo seu destino, quase como uma personagem
na obra.
E por falar em personagens,
temos aqui cinco que são o arco central, inseridos no fenômeno da ruptura, são
pessoas que, igualmente a ousadia da ilha agora guiada por vontade própria,
eles têm a possibilidade de recuperação de suas múltiplas vozes silenciadas,
talvez prontas para se tornarem sujeitos de seus destinos. Desprender-se de sua
geografia original exigirá às personagens a mudança que as levará a
redescoberta de suas identidades; as personagens, perante a inevitabilidade
natural, podem finalmente preencher suas vidas com significação. Cada um deles
enfrenta um dilema pessoal, que antes da inesperada ruptura, consideravam como
destinos inevitáveis, eles se tornam indivíduos e gestores de suas ações.
Incomodou-me um pouco a forma
com que, desconhecidos se encontram de forma efêmera e entram numa condição
nômade, juntam-se os cinco, mais um cachorro, quase como uma epopeia
justificada por suas existências sem sentido, mas rapidamente orquestram a
ruptura com o passado para aceitar o que lhes está diante dos olhos, sem nenhum
questionamento, medo ou problematização condicional, me pareceu um pouco
corrido, mas talvez até mesmo isso tenha sido proposital na trama: a inserção
em uma vida não idealizada que convida a novas experiências. Contudo, de todas
as obras que li de Saramago, as relações entre personagens aqui são as mais desinteressantes.
A JANGADA DE PEDRA é uma crítica dentro de um romance, que busca exibir o que a península tem de melhor e que recusa modelos impostos que trazem o empobrecimento daquilo que somos; tanto a ruptura da ilha, quanto o grupo de pessoas desapegadas de conceitos estabelecidos, buscam uma forma autêntica de viver.
NOTA: 6,6
Nenhum comentário:
Postar um comentário