sábado, 13 de setembro de 2025

RESENHA DE LIVRO – DEUSAS, BRUXAS E FEITICEIRAS – histórias de quando Deus era mulher

Na história da humanidade a substituição de deusas por deuses, de sacerdotisas por padres, de curandeiras por magos, não foi por acaso e, tampouco um ato simbólico; foi um projeto de poder que moldou o mundo em que vivemos hoje. Mesmo com o vagaroso, porém, contínuo avanço de pesquisas antropológicas, a maior falácia atual que ainda sustenta o apagamento de culturas matriarcais da história, é a ideia de que o feminino estaria interessado em interpor e subjugar a cultura masculina atual.

Portanto, a própria ideia de apagamento de nossa história parece algo fora de cogitação; a sociedade como se organiza na contemporaneidade nos traz a impressão de que nossa cultura é uma consequência inevitável e singular. Só que pesquisas históricas recentes apontam que isso é um grave engano!

DEUSAS, BRUXAS E FEITICEIRAS – Histórias de quando deus era mulher, da escritora Julia Myara é uma obra que ilumina o silenciamento simbólico das mulheres ao longo da história e convida o leitor a repensar o sagrado a partir de uma tradição que teve (e ainda pode ter) o feminino no centro.

A obra busca resgatar a presença feminina sagrada em períodos antigos, tempo em que deusas, sacerdotisas, curandeiras, bruxas e feiticeiras ocupavam papéis centrais na sociedade. O escopo da autora é analisar mitos de culturas como a neolítica, suméria, babilônica, canaanita, entre outras, resgatando figuras femininas que foram silenciadas (propositalmente) e demonizadas com o advento das religiões patriarcais.

A premissa combina elementos históricos, filosofia antiga e até uma pitada de psicanálise para oferecer uma leitura rica e multifacetada sobre o apagamento simbólico do feminino sacramental. A condução se utiliza de um tom que é ao mesmo tempo livre e erudito, voltado tanto para o público geral quanto para quem se interessa por espiritualidade, história e sociologia. Obviamente, é uma obra que levanta inúmeros temas, portanto, não se esgota em seu conteúdo, mas propõe temas como itens introdutórios para quem deseja pesquisar.

Mesmo assim, aqui tudo é muito bem fundamentado. A autora não tira nada do achismo, baseia-se em análises históricas de outros autores e deixa tudo referenciado em textos de rodapé ou nas fontes finais.

Por falar na autora, Julia Myara é professora de filosofia antiga na PUC-Rio e analista junguiana. Seu trabalho acadêmico inclui pesquisas sobre gênero na antiguidade, narrativas míticas comparadas e religião. Ela também participa de palestras na Casa do Saber e de um ótimo podcast no Youtube, em canal intitulado CDH – Conhecimento da Humanidade.

O ponto forte da obra é que ela visa colocar uma interrogação nas religiões – principalmente as monoteístas – como aparelhos de legitimação. Religiões como o judaísmo, cristianismo e o islamismo, consolidam a figura do homem como imagem e semelhança de Deus, enquanto o feminino é frequentemente associado à tentação, desobediência, ao pecado e a desordem. Ao submeter o feminino, o patriarcado centralizou poder, controle social e discurso religioso. E esse modelo persistiu porque passou a ser visto como natural, muitas vezes como algo sagrado e, portanto, incontestável; quando, na verdade, foi algo construído histórico e ideologicamente.

DEUSAS, BRUXAS E FEITICEIRAS – Histórias de quando deus era mulher é um excelente trabalho que nos chama atenção para distorções quanto a substituição de deusas acolhedoras por deuses guerreiros – um projeto de poder que moldou a grande maioria das sociedades atuais. Contudo, as figuras femininas resistem até hoje, presentes em mitos ignorados, tradições populares antigas, nos rituais ancestrais, nas narrativas que agora estão sendo resgatadas, como faz Julia nesta importante obra.


NOTA: 🔟😍

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