sábado, 27 de outubro de 2012

CRÔNICA: O Jardim das Delícias fica no Sul

Certa vez, eu assisti á uma palestra em que o conferencista, um psicólogo e terapeuta, confessou-nos jamais ter conseguido curar uma pessoa apaixonada, devido á tamanha complexidade. Pois se paixão é um mal irremediável, eu posso-me autodiagnosticar como um doente incurável. E esse inesperado apego obsessivo teve início em minha última viagem de férias, quando fui completamente seduzido pelos encantos de uma pequena cidade... Uma cidade chamada Gramado.

E após cinco dias vivendo sob os encantos da serra gaúcha, estou de volta ao lar. Ainda com pensamentos embevecidos como os de um adolescente cismado com o primeiro amor, resolvi escrever sobre essa paixão. Afinal, é a única coisa que paira em minha mente nesse momento.
Contudo, fica uma dúvida:
Como fazer com que o leitor tenha um leve vislumbre do que foi meu testemunho do paraíso, apenas lendo esta pequena crônica?
Quem já esteve em Gramado sabe que a tarefa é simplesmente impossível. Talvez nas mãos de um grande mestre da literatura (eu poderia citar vários) este ato pudesse se aproximar um pouco do enorme êxtase que foi a experiência que vivi. No entanto, minha condição de indigno só faz com que eu sinta ainda mais a ânsia por escrever. Afinal, todo mundo sabe que não existe diploma de apaixonado, e que nossa categoria adora cometer as mais incríveis loucuras, não é mesmo?
Eu poderia começar esta inviabilidade afirmando que minha paixão por Gramado foi amor á primeira vista, mas estaria mentindo. Porque minhas primeiras impressões ao chegar á cidade, foi que ela não passava de uma mera cidadezinha... Muito doce e pacata, porém tudo o que eu encontraria ali seria um lugar aconchegante onde eu pudesse descansar sossegado.
Mas a magia me aguardava. Talvez se espreitando por entre as margens da rodovia de acesso, completamente arborizadas, num tom de verde intenso que jamais havia visto. Ou decorando as primeiras fachadas floridas que notei; todas impecavelmente belas. Não sei se minha cegueira suburbana não me permitiu ver inicialmente, mas eis que foi inevitável não notar esta magia, quando ela tomou emprestada a face do recepcionista de nossa pousada e se transformou no sorriso mais sincero e intenso que um estranho já usou para me dar as boas vindas. Sorriso este que logo percebi, era sempre vivaz, alegre e acolhedor. Eu pude revê-lo inúmeras vezes, em inúmeros lugares e rostos diferentes...
Você poderia contestar dizendo: “mas é claro que você foi muito bem recebido, Michel. Mais de oitenta por cento da cidade vive do turismo, e você é apenas mais um ganha-pão que acaba de chegar.”. Mas eu gosto de acreditar que a realidade vai além do óbvio interesse. Porque foi como se existisse um campo magnético cercando a cidade. E quando você se atreve a ultrapassar este campo, todos aqueles costumeiros pesos sociais que carregamos conosco diariamente; cansaço, estresse, ansiedade, preocupação, todos eles ficam presos ali. Como se fosse uma teia que captura os males do espírito, e só então você pode adentrar no paraíso, de alma purificada.
Eu poderia facilmente mencionar as hipnotizantes ruas floridas da cidade, limpas e infestadas de detalhes arquitetônicos. Por todos os lados, turistas caminhando descontraidamente, e que assim como eu, também olhavam para tudo, embasbacados com tamanha beleza.
Ainda consigo sentir o doce sabor da cortesia oferecida pelo povo do sul. Algo que vai desde um “bom dia” casual, até a gentileza de alguém que freia e aguarda pacientemente, quando ameaçamos pisar na faixa de pedestre.
Poderia citar os inesquecíveis passeios que a cidade proporciona; santuários naturais com paisagens riquíssimas e aparentemente inexploradas; cachoeiras, vales, lagoas, todos impecavelmente preservados por descendentes da colonização alemã e italiana. E por falar nisso, também fiquei fascinado com a intensa presença da cultura desses povos europeus, sua culinária típica e seus costumes tradicionais. E tem também o passeio na velha Maria Fumaça, com seu deslizar lento pelos trilhos e o charmoso apito fumacento, fazendo com que todos nos arredores acenem e sorriam para a pequena centopeia de metal.
Certamente qualquer mortal que teve o privilegio de visitar Gramado, quis levar um pedacinho da cidade consigo. Porque é quase impossível resistir a tentação de tantos produtos com a cara da cidade. Um mundo feito de chocolates caseiros, malhas, artesanatos, couros e produtos coloniais.
O clima é um eterno outono romântico e o famoso vento sul sempre está lá presente para nos convidar ao encontro do aconchego de uma lareira, acompanhado de uma deliciosa taça de vinho, produzido nas mais surpreendentes vinícolas do país.
Sim, Gramado é tudo isso, e sei que em meus meros cinco dias de passeio, não consegui desfrutar nem dez por cento de sua beleza aparentemente infinita.
Quero voltar em breve. Se possível para contemplar o espetáculo do Natal Luz. Mas a ocasião não importa. Porque seja na suavidade do Outono; no colorido da primavera; no aconchego do inverno; ou na energia do verão, Gramado será sempre um pequeno paraíso na Terra. E posso afirmar que me sinto muito feliz, pois mesmo que por pouquíssimo tempo, fiz parte desta magia encantada.

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