Immanuel Kant, grande filósofo alemão, alegou que “Tudo aquilo que não puder contar como fez, não faça. Porque os motivos para não contar, são exatamente as razões para não fazer”. Pois eu resolvi compor aqui um pensamento, justamente para ir ao sentido contrário de tal afirmação, e revelar algo sobre mim que sempre julguei irrevelável; aquilo que não tenho nenhum orgulho por relatar.
Era uma tarde de quinta-feira, de um ano não muito distante. Eu
havia passado os últimos dias arquitetando aquilo que estava prestes a cometer.
Meus passos pouco firmes adentraram a recepção da Biblioteca Municipal de minha
cidade. Cumprimentei a moça do balcão e disse que iria fazer uma das coisas que
mais aprecio na vida: vasculhar com calma a seção de literatura.
Enquanto caminhava pelos corredores de enormes prateleiras,
senti o suor frio que antecede um ato ilícito, exalando de meus poros. Fui até
a seção de literatura estrangeira, passeei com os dedos através dos volumes
empoeirados, até encontrar o objeto de meu desejo. Um livro cujo título é “O Beijo”, de uma autora chamada Kathryn Harrison.
Livro em mãos, eu, no coração central da moral humana, olhei
para os dois lados. Não havia ninguém que pudesse me flagrar; olhei para o teto
e nenhuma câmera para me intimidar. Então eu levantei a camisa, enfiei o livro
por baixo, e saí apressadamente, em passadas ainda mais irresolutas.
– Ué, Michel... Não vai levar nenhum hoje? – quis saber a
moça da recepção.– Eu volto noutra hora, aconteceu um imprevisto e preciso ir – e assim eu escapei da biblioteca, levando na cintura, o fruto de minha obtenção vergonhosa.
Certamente as opiniões sociais alheias me acusarão com argumentos
do tipo: Por que você fez isso? Afinal, subtrair do patrimônio municipal um
objeto que serve para proporcionar cultura, além de ser propriamente caracterizado
como furto, também pode por puro cabimento, levar o rótulo de egoísmo. Porque
além de roubar, eu hoje sou possuidor de algo que não tenho a menor pretensão de
passar adiante. Em outras palavras, hoje sou detentor de um conteúdo cultural
que não se expandirá.
Porque eu não empresto meus livros.
Não irei tornar esta reflexão dissimulada com argumentos que
tentariam justificar este meu pequeno ato. Porque eu mesmo já o tenho como
injustificável. Mas permita-me pelo menos salientar que o ato de roubar, embora
não devesse ser algo a se cogitar por minha natureza, este foi meu último
recurso, dado que eu havia feito de tudo para conseguir aquele livro: o busquei
em diversas livrarias; procurei na internet; conversei com leitores de sites de
relacionamento, caso alguém tivesse alguma ideia que me ajudasse; vasculhei por
alguns Sebos do Estado; até mesmo liguei para a Biblioteca e perguntei se havia
alguma forma de obter o livro, e recebi um sentencioso “Não” como resposta...
Enfim, eu havia tentado de tudo para ter aquele livro e, frustrado,
acabei por concluir que não haveria um meio de adquiri-lo de forma honesta. E para
um apaixonado por literatura, feito eu, ver aquele ilustre volume, completamente
ignorado, empoeirado, esquecido em meio á tantos outros, a mercê da
deterioração do tempo, servindo apenas como lar de traças, me deixava aflito. E
justamente a dificuldade em encontrar aquele livro, foi que me fez entender a
grandeza de sua raridade. Uma raridade que corria um imenso risco de perder-se
para sempre; invisível no meio de tantos outros livros socialmente mais
notáveis e culturalmente mais aceitos.
O Beijo, e aqui não faço nenhuma resenha,
conta a história de uma mulher que teve uma relação de incesto com o pai. É um
tema forte, narrado na íntegra pela autora que alegou ser um caso baseado em
sua própria realidade. Tão intenso, que ás vezes causa certo desconforto no
leitor. Mas é uma literatura que sustenta um toque suave, de diálogos profundos
e sentimentos explicitados de maneira a tirar todo o pudor, que desnuda a alma
da autora para dentro das páginas... Algo que por si só, já tornaria esta obra
uma espécie de best seller da minha
insignificante lista de livros amados.
Se eu serei perdoado por ser o ladrão de um objeto
detentor de alta cultura, não sei dizer. Os moralistas certamente dirão que
não. E dentro dessa ideia, posso alegar que eu sou o maior desses moralistas.
Mas o objetivo desta reflexão não é o de obter redenção nenhuma, e sim, esboçar
minha sincera confissão de que sempre que eu olho para a estante, e vejo o
livro que por mim foi furtado, não sinto a menor culpa. Eu o entendo como uma
conquista, um troféu. E mesmo sua obtenção vergonhosa não consegue fazer com
que este, deixe de reluzir aos meus olhos.
kkkkkkkk... Confessando pecados!!! Então se, algum dia, ele lhe for surrupiado, pelos mesmos nobres motivos que o levaram ao crime, será o ladrão perdoado? kkkkk... Suponho que não! Ao contrário, é bem capaz que seja vítima de crime pior ou alvo de alguma maldição.
ResponderExcluirBeijo!
De um fato eu sei, querida amiga: não poderei chamar a polícia. rs. É o preço que se paga por querer bancar o "Menino que Roubava Livros", rsrs.
ExcluirBeijos!!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir