domingo, 21 de dezembro de 2014

CONTO: ELA E O TÉDIO


E quando me dei conta, estava sentado á mesa da lanchonete do trem em movimento, vendo-me ser circunstanciado pela fineza do acaso, que tão habilmente condicionou-me a um ambiente propício á reflexão. Do lado de fora, uma chuva forte salpicava a janela com pequenos cristais incolores, que escorregavam feito lágrimas pelo vidro.

Em minha frente, um casal nitidamente apaixonado trocava ternuras. Falavam baixinho ao pé do ouvido um do outro; achavam graça de quase tudo; tiravam fotos, sorridentes, aproveitando para usar como pano de fundo, o espetáculo torrencial proporcionado por uma natureza ostensiva que adora variar sua arte.
Foi como se toda essa ambientação tivesse se ajustado minuciosamente, para me instigar á pensar. E eu pensei... Trouxe a tona lembranças de algumas poucas horas atrás, quando eu conversava com Ela, na estação ferroviária.

Juro que não sei explicar, e acho que jamais saberei. Mas algo que Ela revelara sobre si mesma me deixou triste. Um desalento que me veio tardio, quando Ela já não se fazia mais presente.
Devo confessar que seu relato me foi entregue de forma refinada, numa canção da cantora Ana Carolina. Canção esta que descrevia com impecável precisão os sentimentos que acometiam sua perturbada e misteriosa mente... E Ela o cantou pra mim:

“Olho a cidade ao redor
E nada me interessa

Eu finjo ter calma
A solidão me apressa”

Só que aquele verso saiu da boca Dela carregado por uma beleza estranha e quase mórbida. Como se estivesse destinado á um fim trágico. Ela descreveu seu desinteresse total por qualquer forma de ação existencial... E com dificuldade, fez-se revelar aquele seu incômodo Tédio.
Eu me perguntei o porquê daquela minha repentina recordação. Sim, pois até aquele instante, sentado na lanchonete aguardando o meu pedido, minha mente transitava em relativa paz. Lembrei-me de Nietzsche, quando afirmou assertivamente que “Algo pensa em mim”. Pois algo estava á refletir em minha mente, e como o filósofo descreveu, eu não tinha o menor controle sobre aquilo.

Mas as dúvidas continuavam a pairar.
Por que a confissão Dela, proferida de maneira quase corriqueira enquanto esperávamos pelo atrasado trem, de repente me causou tanta perda de potência?

Com elevada facilidade, eu á trazia para meus pensamentos. Aquele ser encantador, que passara o fim de semana inteiro ao meu redor, destilando naturalmente sua inteligência, sua admirável humildade, seu jeito de me olhar afetuoso e ás vezes um pouco acanhado, sua sinceridade invejável... Dava-me de bom grado, um pouco do seu mundo, imaculado por sua simplicidade.
Mas o tempo inteiro Ela ainda sustentou algo mais na superfície de seu ser, o qual o único jeito para que eu notasse foi ter de revelar á mim... Algo que estava diante dos meus olhos o tempo todo, mas cego pelo meu egoísmo e arrogância, não pude ver. E quando eu finalmente deixei que Ela falasse, não havia mais tempo... O trem havia chegado.

Assim que embarquei, olhei pela janela, na direção da estação... Ela não estava mais lá. Perdi totalmente do meu campo de visão aquele ser portador do Tédio mais palpável que já estive perto.
E agora, olhando pela janela da lanchonete do trem, me dei conta de que estou longe demais, enquanto a paisagem lúgubre do lado de fora, me acusa impiedosamente de negligência...

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