Outro dia, em conversa com uma grande amiga, perguntei á ela
sobre um livro que estava lendo. Com certa pitada de desconforto, ela alegou
que estava lendo devagar, porque temia que a leitura terminasse. Eu ri da
situação inevitável dela, e tentei lhe confortar com o argumento de que obviamente
ela poderia voltar á ler seu delicioso livro quando quisesse.
O fato que é algumas semanas após a corriqueira conversa com
minha amiga, eis que me deparei fazendo exatamente a mesma coisa que ela:
freando minha leitura por puro medo da mesma chegar ao fim. E este nosso medo
tem por trás um delicioso fundamento: é que livros desse porte são prazerosos
demais, e seu término desencadeia o mesmo sentimento que nos acomete quando
nos deparamos com o fundo vazio do potinho de iogurte... Uma grande tristeza
por algo tão bom ter chegado ao fim.
Clarice Lispector consegue causar esse efeito. E este
magnífico CLARICE NA CABECEIRA não
poderia ter outro, senão este mesmo título, que a meu ver, serve para
exemplificar de forma precisa, meus relatos iniciais: é preciso tê-lo em nossa
cabeceira, para amenizar a dor de ter que o devolver á estante de livros, e
sabe Deus quando iremos tomá-lo á leituras novamente.
Aqui temos um volume contendo vinte crônicas que sucedem uma
introdução feita por alguns ilustres leitores de Clarice Lispector. E diante de
tantos relatos dignos, análises precisas e colocações assertivas sobre o
trabalho da autora, eu não me vi em condições de fazer o mesmo. Mas posso expor
meu elevado contentamento por ter tido mais uma chance de estar perto desta
gênia da literatura. E exatamente como diz a introdução do livro, Clarice
parece pegar na mão do leitor e dizer “vem
comigo”. Seus relatos cotidianos são leves e absurdamente atraentes... Algo
quase tangível.
Apenas para citar uma, talvez a que mais tenha me pegado pelo
braço, foi a crônica intitulada “O caso da
Caneta de Ouro”. Em minha opinião, este charmoso relato de Clarice sobre
seus filhos, em que um deseja sua nova caneta de ouro, enquanto o outro não se
importa com a mesma, é um grandioso embate literário que põe defronte desejo
versus desprendimento. E termina com um alerta reflexivo: “Nem sempre esmiuçar demais da certo”.
Sim, o iogurte terminou, deixando apenas o sabor
delicioso de seu conteúdo, preso dentro da minha flutuante memória de leitor. Mas
a melhor parte é que não há como ver o fundo vazio, porque Clarice é,
inquestionavelmente, sinônimo de preenchimento da alma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário