sábado, 13 de dezembro de 2014

RESENHA DE LIVRO: CLARICE NA CABECEIRA


Outro dia, em conversa com uma grande amiga, perguntei á ela sobre um livro que estava lendo. Com certa pitada de desconforto, ela alegou que estava lendo devagar, porque temia que a leitura terminasse. Eu ri da situação inevitável dela, e tentei lhe confortar com o argumento de que obviamente ela poderia voltar á ler seu delicioso livro quando quisesse.
O fato que é algumas semanas após a corriqueira conversa com minha amiga, eis que me deparei fazendo exatamente a mesma coisa que ela: freando minha leitura por puro medo da mesma chegar ao fim. E este nosso medo tem por trás um delicioso fundamento: é que livros desse porte são prazerosos demais, e seu término desencadeia o mesmo sentimento que nos acomete quando nos deparamos com o fundo vazio do potinho de iogurte... Uma grande tristeza por algo tão bom ter chegado ao fim.

Clarice Lispector consegue causar esse efeito. E este magnífico CLARICE NA CABECEIRA não poderia ter outro, senão este mesmo título, que a meu ver, serve para exemplificar de forma precisa, meus relatos iniciais: é preciso tê-lo em nossa cabeceira, para amenizar a dor de ter que o devolver á estante de livros, e sabe Deus quando iremos tomá-lo á leituras novamente.
Aqui temos um volume contendo vinte crônicas que sucedem uma introdução feita por alguns ilustres leitores de Clarice Lispector. E diante de tantos relatos dignos, análises precisas e colocações assertivas sobre o trabalho da autora, eu não me vi em condições de fazer o mesmo. Mas posso expor meu elevado contentamento por ter tido mais uma chance de estar perto desta gênia da literatura. E exatamente como diz a introdução do livro, Clarice parece pegar na mão do leitor e dizer “vem comigo”. Seus relatos cotidianos são leves e absurdamente atraentes... Algo quase tangível.

Apenas para citar uma, talvez a que mais tenha me pegado pelo braço, foi a crônica intitulada “O caso da Caneta de Ouro”. Em minha opinião, este charmoso relato de Clarice sobre seus filhos, em que um deseja sua nova caneta de ouro, enquanto o outro não se importa com a mesma, é um grandioso embate literário que põe defronte desejo versus desprendimento. E termina com um alerta reflexivo: “Nem sempre esmiuçar demais da certo”.
Sim, o iogurte terminou, deixando apenas o sabor delicioso de seu conteúdo, preso dentro da minha flutuante memória de leitor. Mas a melhor parte é que não há como ver o fundo vazio, porque Clarice é, inquestionavelmente, sinônimo de preenchimento da alma.

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