Enquanto componho esta resenha, aprecio um gelado e delicioso copo de suco de caju... industrializado. Talvez contrassenso maior do que este não exista, pois eu deveria estar me atentando aos cuidados na hora de ingerir algo estritamente feito por uma indústria interessada exclusivamente em conquistar meu paladar, sem se importar com as consequências de suas ações para se chegar á isso. Mas como dizem: o ser humano é o único animal que ingere coisas que fazem mal, sabendo que elas o fazem.
Este é um espaço de reflexão e opinião de um improvável leitor... Ordinário em sua existência, às vezes transgressor em sua análise. Mas como eu disse, é apenas um espaço. E como tal, precisa ser eternamente preenchido...
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
RESENHA DE LIVROS – PRATO SUJO
Enquanto componho esta resenha, aprecio um gelado e delicioso copo de suco de caju... industrializado. Talvez contrassenso maior do que este não exista, pois eu deveria estar me atentando aos cuidados na hora de ingerir algo estritamente feito por uma indústria interessada exclusivamente em conquistar meu paladar, sem se importar com as consequências de suas ações para se chegar á isso. Mas como dizem: o ser humano é o único animal que ingere coisas que fazem mal, sabendo que elas o fazem.
terça-feira, 17 de fevereiro de 2015
CRÔNICA: AQUELE SORRISO
Cabisbaixo e contra vontade, eu
marchava rumo ao encontro com a velha rotina semanal de trabalho. Meu impreciso
andar, resignado e lento, como o de alguém que é obrigado a suportar as
toneladas da vida, quase claudicava. E embora meu destino final não fosse assim,
tão trágico, ainda assim, a condução pesarosa e a má vontade eram condições imutáveis
do ser... Nada demais, apenas mais uma triste e viscosa manhã de segunda-feira.
E como de praxe, eu seguia resignado e indisposto.
Nem sempre é assim, geralmente
honro meus compromissos capitalistas com um pouco mais de resiliência. No
entanto, naquela manhã específica eu me encontrava cheio de tédio,
consequências da mesmice torturante de um novo dia útil. Nos ouvidos, os fones
tocavam música alta, como se fossem um apelo desesperado para que a sanidade emergisse
de algum canto interior, porque a familiaridade do som às vezes me segura pela
mão e impede que eu despenque de vez no abismo.
Então eu seguia em frente;
Passos curtos e hesitantes;
É claro que alegria é um
estado inconstante e que raramente se manifesta numa manhã previsível, a qual
sabemos que uma mesa de escritório recheada de desprazeres nos aguarda. Mas este
texto nasceu pelo fato de que, naquela inusitada alvorada, um instante de
acalento se fez e contrastou toda a inópia maledicente.
Sim, foi o capricho ocasional
da vida que colocou em meu caminho uma dama completamente incompatível com a
tristeza incoercível a qual emanava. Era um ser possuidor de andar despojado e
exuberante, que olhava para o mundo lúgubre ao redor como se debochasse dele. Portadora
de autoconfiança invejável, ela vinha em sentido contrário, pareceu olhar dentro
de minha alma pútrida e me presenteou com um sorriso majestoso e impoluto,
capaz de transformar em cores a mais depressiva palidez.
E do fundo do meu inferno e
defronte a tanta confiança e esplendor que gratuitamente me era oferecido, não
me restou alternativa, senão olhar ao redor em busca daquele que seria o
suposto contemplado com tamanha demonstração de afeto, algo que não me achava
digno... E eis que naquele instante, o mundo cruel e ameaçador zombou de meu
ato impulsivo, mostrando que só havia eu no caminho daquele sorriso...
Portanto, a perfeição de todo o encantamento havia, de fato, sido destinado a
mim.
Esperanças diluídas entre
eventos passados e os que estavam por vir se desfizeram de imediato. No lugar
do rancor havia um novo eu, inflado por uma injeção de ânimo, a tentar devolver
o meu mais sincero sorriso, o qual era nitidamente desprezível e um pouco
acanhado, culpa da imprevisibilidade. E antes que aquela bela moça, dona da
mais reluzente alegria, se perdesse de vez de meu campo de visão, perguntei-me
quem seria aquela singela soberana, que com apenas um sorriso que durou não
mais do que alguns poucos segundos, fora capaz de me resgatar do purgatório,
transformando minha segunda-feira triste, num dia suportável e satisfatório.
Jamais recebi incentivo
melhor.
E no meio do calçadão do
centro da cidade, embasbacado com tamanha grandeza afetiva, demonstrada sem
nenhum pudor, eu finalmente senti considerável ganho de potência, que pode
também ser interpretado como alegria; definição de Espinoza, que significa a passagem para um estado mais potente do
próprio ser.
Um sorriso e nada mais...
domingo, 8 de fevereiro de 2015
CONTO: EU QUERIA FICAR RICO!
Sentado na calçada em frente ao
portão de casa, eu refletia sobre as perspectivas da vida. E minhas deliberações
nem um pouco precisas, concluíram que as coisas estariam sendo mais fáceis se
eu fosse detentor de capital financeiro elevado. Então indaguei a mim mesmo,
rindo de óbvia constatação: “como eu não havia pensado nisso antes?”. Sim, eu
era jovem e os sonhos galopavam. E entrei de cabeça no meu mais novo projeto
existencial: ficar rico.
Eu queria ficar rico, e minha
mãe discordou irrefutável, alegando que isso era coisa de gente materialista,
que tendo o suficiente para viver já estaria de bom tamanho;
Eu queria ficar rico, e meus
colegas de escola aproveitaram para me contar seus sonhos também. Pelo menos
aqueles que, assim como eu, tiveram a preocupação de gastar alguns instantes
para pensar sobre o que queriam;
Eu queria ficar rico, e a
professora falou que o caminho para isso era estudar muito. Perguntei a ela se
todos os professores eram ricos, já que deviam estudar bastante. E sem entender
o que havia feito de errado, fui colocado de castigo;
Eu queria ficar rico, mas
dominado pelas lascívias da adolescência, achei que antes disso daria tempo de
arranjar uma namorada;
Eu queria ficar rico, porém,
me disseram que enquanto a sorte não chegasse eu deveria arrumar um emprego;
Eu queria ficar rico, e meu
colega de trabalho fez as contas na cabeça, e por alguma razão, achou melhor
mudar de assunto;
Eu queria ficar rico, e um
sacerdote falou que eu deveria ter desprendimento dos bens mundanos, que
somente a riqueza espiritual era o que realmente importava. Despediu-se após incontestável
lição divina, e foi embora acelerando sua BMW
conversível;
Eu queria ficar rico, mas no
lugar de enriquecer, acabei tendo meu patrimônio subtraído ao ter que dar algumas
moedas de esmola para um morador de rua, apenas pra não me ver consumido pela
culpa;
Eu queria ficar rico, mas
exausto após um longo e estressante dia no trabalho, achei que fosse merecedor
de uma ida ao bar, para tomar umas cervejas com os amigos;
Eu queria ficar rico, e meus
colegas de bar acharam graça! Abraçaram-me e tocamos os copos. Concluímos,
bêbados, que isso era coisa pra gente mesquinha. O que importava mesmo era a
amizade;
Eu queria ficar rico, e minha
namorada me largou para ir à procura de alguém que já o fosse;
Eu queria ficar rico, então
fui consultar as cartas, porque me disseram que o mundo exotérico me daria
respostas. A cartomante se animou com minha visita, disse algumas coisas
incompreensíveis, mas garantiu que se eu fizesse tudo direitinho, conseguiria
alcançar minha obstinada meta;
Eu queria ficar rico, só que o
meu salário do mês mal deu para pagar pelos serviços da cartomante;
Eu queria ficar rico, mas
pensei que apesar de não ter chegado lá, ainda assim era um sujeito de sorte,
pois havia arranjado uma nova namorada;
Eu queria ficar rico, então
fui ler “O Segredo” e “Dez Lições para se Tornar Bem Sucedido”;
Eu queria ficar rico, mas
houve antes uma incompatibilidade, pois minha nova garota tinha o sonho de se
casar;
Eu queria ficar rico, mas ela
tinha outro sonho, que acabou se tornando também o meu sonho. Então tivemos um
lindo filho;
Eu queria ficar rico, enquanto
vivenciava outro domingo tedioso, sentado em frente à tevê, tentando me nutrir daquela
ideia de que a família é a maior de todas as riquezas;
Eu queria ficar rico, e um
misto de ansiedade e desespero me acometeu, na fila da casa lotérica, para refazer
meu jogo da Megasena;
Eu queria ficar rico, enquanto
esbravejava com as páginas do jornal, abertas em meu colo, onde dizia que o
preço da cesta básica voltou a subir;
Eu queria ficar rico, então
tive que trabalhar em dois empregos para conseguir dar conta das despesas com escola,
plano de saúde e moradia familiar;
Eu queria ficar rico, só que
meus devaneios foram interrompidos quando, por acaso, parei em frente ao
espelho e não reconheci aquele rosto começando a enrugar e tantos fios brancos
na cabeça;
Eu queria ficar rico, mas
comecei a desconfiar dessa possibilidade, na fila da previdência, para acertar
os pormenores de minha aposentadoria;
Eu queria ficar rico, e
sentado no banco da praça jogando dominó com um velho amigo, contei sobre este
ingênuo anseio de infância. Ele olhou para mim e disse: “nunca se esqueça de uma coisa, velho amigo: Rico não é aquele que mais
tem, e sim, aquele que menos precisa...”;
Nós rimos de seu comentário
sarcástico... Ele se despediu e disse que precisava ir pra casa porque estava
na hora de seus remédios. Os longos anos manuseando um cabo de enxada
resultaram em hérnias que lhe causavam dores intensas. Antes de ir, virou-se
pra mim e disse, ainda sob os risos zombeteiros, que seu sonho de infância era
ser piloto de avião.