sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

RESENHA DE LIVROS – PRATO SUJO


Enquanto componho esta resenha, aprecio um gelado e delicioso copo de suco de caju... industrializado. Talvez contrassenso maior do que este não exista, pois eu deveria estar me atentando aos cuidados na hora de ingerir algo estritamente feito por uma indústria interessada exclusivamente em conquistar meu paladar, sem se importar com as consequências de suas ações para se chegar á isso. Mas como dizem: o ser humano é o único animal que ingere coisas que fazem mal, sabendo que elas o fazem.

Este trabalho que recebe o nome de Prato Sujo – Como a indústria alimentícia manipula os alimentos para viciar você (eu adorei esse título), é mais um projeto da revista Superinteressante, escrito pela autora e jornalista Marcia Kedouk, e vem com a premissa de esmiuçar os temas alimentícios que surgem de forma superficial no entendimento popular, como por exemplo, a ideia de alguns alimentos que se tornaram vilões da culinária, passando também por dietas, que em conceito técnico e prático não passam de sonhos fantasiosos que instigam o milagre do emagrecimento rápido.
O livro faz uma varredura que nos ajuda a entender um pouco melhor o que é o açúcar, e á partir disso, saber exatamente porque coisas como refrigerantes podem fazer mal. Outros casos bastante comentados popularmente, mas sempre escassos de profundidade, como o sódio e a farinha branca, também recebem destaque no conteúdo da obra, e nos ajuda a ter melhor compreensão sobre aquilo que entra pela nossa boca.

Sempre que resenho um livro que envolve a equipe de produção da revista Superinteressante, costumo exaltar a linguagem fácil do texto. E neste Prato Sujo a regra segue presente. Aqui os temas são abordados de maneira coloquial, com exemplos cotidianos e sem entrar muito em complexidades técnicas, o que não significa que elas não estejam no livro. Há espaço para argumentação didática sim, mas estas se mesclam com o ordinário simples, tornando uma leitura deliciosa e de fácil compreensão.
Claro que em tese, a grande maioria dos alimentos que consumimos atualmente costuma ter algum tipo de transformação que visa a produção em larga escala ou a manipulação gustativa. E muitas vezes estas transformações são danosas á saúde. A indústria então se defende com a ideia de que ingredientes nocivos são inseridos em quantidades seguras, permitidas pelos órgãos institucionais de proteção á saúde pública. Mas de que forma poderíamos refletir sobre o consumo de pequenas doses consideradas seguras, em nossa alimentação diária? Talvez isso não tenha grandes consequências á curto prazo, mas com o passar dos anos, pode acarretar numa redução da eficiência de nosso organismo, o que ocasionaria em diminuição de nosso tempo de vida; ou quem sabe um câncer se desenvolva com o passar dos anos.

O fato é que essas e outras questões estão lá no livro. E para aqueles que têm sede de conhecimento, este volume é uma grande sugestão, afinal, a culinária alimentícia faz parte da vida de todos nós.
Bom, eu já tomei um belo copo de suco industrializado por hoje. Porém, muito embora o calor e a sede anseiem por mais um copo, acho que o melhor a fazer é ingerir industrializados em quantidades pequenas... Dica essa que aprendi lendo livros como este.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

CRÔNICA: AQUELE SORRISO

Cabisbaixo e contra vontade, eu marchava rumo ao encontro com a velha rotina semanal de trabalho. Meu impreciso andar, resignado e lento, como o de alguém que é obrigado a suportar as toneladas da vida, quase claudicava. E embora meu destino final não fosse assim, tão trágico, ainda assim, a condução pesarosa e a má vontade eram condições imutáveis do ser... Nada demais, apenas mais uma triste e viscosa manhã de segunda-feira. E como de praxe, eu seguia resignado e indisposto.

Nem sempre é assim, geralmente honro meus compromissos capitalistas com um pouco mais de resiliência. No entanto, naquela manhã específica eu me encontrava cheio de tédio, consequências da mesmice torturante de um novo dia útil. Nos ouvidos, os fones tocavam música alta, como se fossem um apelo desesperado para que a sanidade emergisse de algum canto interior, porque a familiaridade do som às vezes me segura pela mão e impede que eu despenque de vez no abismo.

Então eu seguia em frente;

Passos curtos e hesitantes;

É claro que alegria é um estado inconstante e que raramente se manifesta numa manhã previsível, a qual sabemos que uma mesa de escritório recheada de desprazeres nos aguarda. Mas este texto nasceu pelo fato de que, naquela inusitada alvorada, um instante de acalento se fez e contrastou toda a inópia maledicente.

Sim, foi o capricho ocasional da vida que colocou em meu caminho uma dama completamente incompatível com a tristeza incoercível a qual emanava. Era um ser possuidor de andar despojado e exuberante, que olhava para o mundo lúgubre ao redor como se debochasse dele. Portadora de autoconfiança invejável, ela vinha em sentido contrário, pareceu olhar dentro de minha alma pútrida e me presenteou com um sorriso majestoso e impoluto, capaz de transformar em cores a mais depressiva palidez.

E do fundo do meu inferno e defronte a tanta confiança e esplendor que gratuitamente me era oferecido, não me restou alternativa, senão olhar ao redor em busca daquele que seria o suposto contemplado com tamanha demonstração de afeto, algo que não me achava digno... E eis que naquele instante, o mundo cruel e ameaçador zombou de meu ato impulsivo, mostrando que só havia eu no caminho daquele sorriso... Portanto, a perfeição de todo o encantamento havia, de fato, sido destinado a mim.

Esperanças diluídas entre eventos passados e os que estavam por vir se desfizeram de imediato. No lugar do rancor havia um novo eu, inflado por uma injeção de ânimo, a tentar devolver o meu mais sincero sorriso, o qual era nitidamente desprezível e um pouco acanhado, culpa da imprevisibilidade. E antes que aquela bela moça, dona da mais reluzente alegria, se perdesse de vez de meu campo de visão, perguntei-me quem seria aquela singela soberana, que com apenas um sorriso que durou não mais do que alguns poucos segundos, fora capaz de me resgatar do purgatório, transformando minha segunda-feira triste, num dia suportável e satisfatório.

Jamais recebi incentivo melhor.

E no meio do calçadão do centro da cidade, embasbacado com tamanha grandeza afetiva, demonstrada sem nenhum pudor, eu finalmente senti considerável ganho de potência, que pode também ser interpretado como alegria; definição de Espinoza, que significa a passagem para um estado mais potente do próprio ser.

Um sorriso e nada mais...

Contudo, foi ato grandioso que deixou claro o quanto a vida pode ser mais suportável, sem nenhum custo substancial. E eu saberei que aprendi essa lição quando finalmente conseguir devolver igual gentileza àquela doçura humana, que de bom grado oferecia seu sorriso aos miseráveis; que se traduziu num instante de felicidade única, feito especialmente para que me lembre de que a curva mais bela que uma mulher pode expor, é a de seus lábios esticados num formoso sorriso.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

CONTO: EU QUERIA FICAR RICO!

Sentado na calçada em frente ao portão de casa, eu refletia sobre as perspectivas da vida. E minhas deliberações nem um pouco precisas, concluíram que as coisas estariam sendo mais fáceis se eu fosse detentor de capital financeiro elevado. Então indaguei a mim mesmo, rindo de óbvia constatação: “como eu não havia pensado nisso antes?”. Sim, eu era jovem e os sonhos galopavam. E entrei de cabeça no meu mais novo projeto existencial: ficar rico.

Eu queria ficar rico, e minha mãe discordou irrefutável, alegando que isso era coisa de gente materialista, que tendo o suficiente para viver já estaria de bom tamanho;

Eu queria ficar rico, e meus colegas de escola aproveitaram para me contar seus sonhos também. Pelo menos aqueles que, assim como eu, tiveram a preocupação de gastar alguns instantes para pensar sobre o que queriam;

Eu queria ficar rico, e a professora falou que o caminho para isso era estudar muito. Perguntei a ela se todos os professores eram ricos, já que deviam estudar bastante. E sem entender o que havia feito de errado, fui colocado de castigo;

Eu queria ficar rico, mas dominado pelas lascívias da adolescência, achei que antes disso daria tempo de arranjar uma namorada;

Eu queria ficar rico, porém, me disseram que enquanto a sorte não chegasse eu deveria arrumar um emprego;

Eu queria ficar rico, e meu colega de trabalho fez as contas na cabeça, e por alguma razão, achou melhor mudar de assunto;

Eu queria ficar rico, e um sacerdote falou que eu deveria ter desprendimento dos bens mundanos, que somente a riqueza espiritual era o que realmente importava. Despediu-se após incontestável lição divina, e foi embora acelerando sua BMW conversível;

Eu queria ficar rico, mas no lugar de enriquecer, acabei tendo meu patrimônio subtraído ao ter que dar algumas moedas de esmola para um morador de rua, apenas pra não me ver consumido pela culpa;

Eu queria ficar rico, mas exausto após um longo e estressante dia no trabalho, achei que fosse merecedor de uma ida ao bar, para tomar umas cervejas com os amigos;

Eu queria ficar rico, e meus colegas de bar acharam graça! Abraçaram-me e tocamos os copos. Concluímos, bêbados, que isso era coisa pra gente mesquinha. O que importava mesmo era a amizade;

Eu queria ficar rico, e minha namorada me largou para ir à procura de alguém que já o fosse;

Eu queria ficar rico, então fui consultar as cartas, porque me disseram que o mundo exotérico me daria respostas. A cartomante se animou com minha visita, disse algumas coisas incompreensíveis, mas garantiu que se eu fizesse tudo direitinho, conseguiria alcançar minha obstinada meta;

Eu queria ficar rico, só que o meu salário do mês mal deu para pagar pelos serviços da cartomante;

Eu queria ficar rico, mas pensei que apesar de não ter chegado lá, ainda assim era um sujeito de sorte, pois havia arranjado uma nova namorada;

Eu queria ficar rico, então fui ler “O Segredo” e “Dez Lições para se Tornar Bem Sucedido”;

Eu queria ficar rico, mas houve antes uma incompatibilidade, pois minha nova garota tinha o sonho de se casar;

Eu queria ficar rico, mas ela tinha outro sonho, que acabou se tornando também o meu sonho. Então tivemos um lindo filho;

Eu queria ficar rico, enquanto vivenciava outro domingo tedioso, sentado em frente à tevê, tentando me nutrir daquela ideia de que a família é a maior de todas as riquezas;

Eu queria ficar rico, e um misto de ansiedade e desespero me acometeu, na fila da casa lotérica, para refazer meu jogo da Megasena;

Eu queria ficar rico, enquanto esbravejava com as páginas do jornal, abertas em meu colo, onde dizia que o preço da cesta básica voltou a subir;

Eu queria ficar rico, então tive que trabalhar em dois empregos para conseguir dar conta das despesas com escola, plano de saúde e moradia familiar;

Eu queria ficar rico, só que meus devaneios foram interrompidos quando, por acaso, parei em frente ao espelho e não reconheci aquele rosto começando a enrugar e tantos fios brancos na cabeça;

Eu queria ficar rico, mas comecei a desconfiar dessa possibilidade, na fila da previdência, para acertar os pormenores de minha aposentadoria;

Eu queria ficar rico, e sentado no banco da praça jogando dominó com um velho amigo, contei sobre este ingênuo anseio de infância. Ele olhou para mim e disse: “nunca se esqueça de uma coisa, velho amigo: Rico não é aquele que mais tem, e sim, aquele que menos precisa...”;

Nós rimos de seu comentário sarcástico... Ele se despediu e disse que precisava ir pra casa porque estava na hora de seus remédios. Os longos anos manuseando um cabo de enxada resultaram em hérnias que lhe causavam dores intensas. Antes de ir, virou-se pra mim e disse, ainda sob os risos zombeteiros, que seu sonho de infância era ser piloto de avião.

O bom da vida, eu pensei comigo, é a recordação de que havia começado essa história toda rindo de não ter enxergado um caminho que me parecia óbvio... E eu terminava com a mesma graça, só que agora era porquê, de fato, o que sempre esteve evidente, talvez fosse o meu destino tortuoso.