terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

CRÔNICA: AQUELE SORRISO

Cabisbaixo e contra vontade, eu marchava rumo ao encontro com a velha rotina semanal de trabalho. Meu impreciso andar, resignado e lento, como o de alguém que é obrigado a suportar as toneladas da vida, quase claudicava. E embora meu destino final não fosse assim, tão trágico, ainda assim, a condução pesarosa e a má vontade eram condições imutáveis do ser... Nada demais, apenas mais uma triste e viscosa manhã de segunda-feira. E como de praxe, eu seguia resignado e indisposto.

Nem sempre é assim, geralmente honro meus compromissos capitalistas com um pouco mais de resiliência. No entanto, naquela manhã específica eu me encontrava cheio de tédio, consequências da mesmice torturante de um novo dia útil. Nos ouvidos, os fones tocavam música alta, como se fossem um apelo desesperado para que a sanidade emergisse de algum canto interior, porque a familiaridade do som às vezes me segura pela mão e impede que eu despenque de vez no abismo.

Então eu seguia em frente;

Passos curtos e hesitantes;

É claro que alegria é um estado inconstante e que raramente se manifesta numa manhã previsível, a qual sabemos que uma mesa de escritório recheada de desprazeres nos aguarda. Mas este texto nasceu pelo fato de que, naquela inusitada alvorada, um instante de acalento se fez e contrastou toda a inópia maledicente.

Sim, foi o capricho ocasional da vida que colocou em meu caminho uma dama completamente incompatível com a tristeza incoercível a qual emanava. Era um ser possuidor de andar despojado e exuberante, que olhava para o mundo lúgubre ao redor como se debochasse dele. Portadora de autoconfiança invejável, ela vinha em sentido contrário, pareceu olhar dentro de minha alma pútrida e me presenteou com um sorriso majestoso e impoluto, capaz de transformar em cores a mais depressiva palidez.

E do fundo do meu inferno e defronte a tanta confiança e esplendor que gratuitamente me era oferecido, não me restou alternativa, senão olhar ao redor em busca daquele que seria o suposto contemplado com tamanha demonstração de afeto, algo que não me achava digno... E eis que naquele instante, o mundo cruel e ameaçador zombou de meu ato impulsivo, mostrando que só havia eu no caminho daquele sorriso... Portanto, a perfeição de todo o encantamento havia, de fato, sido destinado a mim.

Esperanças diluídas entre eventos passados e os que estavam por vir se desfizeram de imediato. No lugar do rancor havia um novo eu, inflado por uma injeção de ânimo, a tentar devolver o meu mais sincero sorriso, o qual era nitidamente desprezível e um pouco acanhado, culpa da imprevisibilidade. E antes que aquela bela moça, dona da mais reluzente alegria, se perdesse de vez de meu campo de visão, perguntei-me quem seria aquela singela soberana, que com apenas um sorriso que durou não mais do que alguns poucos segundos, fora capaz de me resgatar do purgatório, transformando minha segunda-feira triste, num dia suportável e satisfatório.

Jamais recebi incentivo melhor.

E no meio do calçadão do centro da cidade, embasbacado com tamanha grandeza afetiva, demonstrada sem nenhum pudor, eu finalmente senti considerável ganho de potência, que pode também ser interpretado como alegria; definição de Espinoza, que significa a passagem para um estado mais potente do próprio ser.

Um sorriso e nada mais...

Contudo, foi ato grandioso que deixou claro o quanto a vida pode ser mais suportável, sem nenhum custo substancial. E eu saberei que aprendi essa lição quando finalmente conseguir devolver igual gentileza àquela doçura humana, que de bom grado oferecia seu sorriso aos miseráveis; que se traduziu num instante de felicidade única, feito especialmente para que me lembre de que a curva mais bela que uma mulher pode expor, é a de seus lábios esticados num formoso sorriso.

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