domingo, 8 de fevereiro de 2015

CONTO: EU QUERIA FICAR RICO!

Sentado na calçada em frente ao portão de casa, eu refletia sobre as perspectivas da vida. E minhas deliberações nem um pouco precisas, concluíram que as coisas estariam sendo mais fáceis se eu fosse detentor de capital financeiro elevado. Então indaguei a mim mesmo, rindo de óbvia constatação: “como eu não havia pensado nisso antes?”. Sim, eu era jovem e os sonhos galopavam. E entrei de cabeça no meu mais novo projeto existencial: ficar rico.

Eu queria ficar rico, e minha mãe discordou irrefutável, alegando que isso era coisa de gente materialista, que tendo o suficiente para viver já estaria de bom tamanho;

Eu queria ficar rico, e meus colegas de escola aproveitaram para me contar seus sonhos também. Pelo menos aqueles que, assim como eu, tiveram a preocupação de gastar alguns instantes para pensar sobre o que queriam;

Eu queria ficar rico, e a professora falou que o caminho para isso era estudar muito. Perguntei a ela se todos os professores eram ricos, já que deviam estudar bastante. E sem entender o que havia feito de errado, fui colocado de castigo;

Eu queria ficar rico, mas dominado pelas lascívias da adolescência, achei que antes disso daria tempo de arranjar uma namorada;

Eu queria ficar rico, porém, me disseram que enquanto a sorte não chegasse eu deveria arrumar um emprego;

Eu queria ficar rico, e meu colega de trabalho fez as contas na cabeça, e por alguma razão, achou melhor mudar de assunto;

Eu queria ficar rico, e um sacerdote falou que eu deveria ter desprendimento dos bens mundanos, que somente a riqueza espiritual era o que realmente importava. Despediu-se após incontestável lição divina, e foi embora acelerando sua BMW conversível;

Eu queria ficar rico, mas no lugar de enriquecer, acabei tendo meu patrimônio subtraído ao ter que dar algumas moedas de esmola para um morador de rua, apenas pra não me ver consumido pela culpa;

Eu queria ficar rico, mas exausto após um longo e estressante dia no trabalho, achei que fosse merecedor de uma ida ao bar, para tomar umas cervejas com os amigos;

Eu queria ficar rico, e meus colegas de bar acharam graça! Abraçaram-me e tocamos os copos. Concluímos, bêbados, que isso era coisa pra gente mesquinha. O que importava mesmo era a amizade;

Eu queria ficar rico, e minha namorada me largou para ir à procura de alguém que já o fosse;

Eu queria ficar rico, então fui consultar as cartas, porque me disseram que o mundo exotérico me daria respostas. A cartomante se animou com minha visita, disse algumas coisas incompreensíveis, mas garantiu que se eu fizesse tudo direitinho, conseguiria alcançar minha obstinada meta;

Eu queria ficar rico, só que o meu salário do mês mal deu para pagar pelos serviços da cartomante;

Eu queria ficar rico, mas pensei que apesar de não ter chegado lá, ainda assim era um sujeito de sorte, pois havia arranjado uma nova namorada;

Eu queria ficar rico, então fui ler “O Segredo” e “Dez Lições para se Tornar Bem Sucedido”;

Eu queria ficar rico, mas houve antes uma incompatibilidade, pois minha nova garota tinha o sonho de se casar;

Eu queria ficar rico, mas ela tinha outro sonho, que acabou se tornando também o meu sonho. Então tivemos um lindo filho;

Eu queria ficar rico, enquanto vivenciava outro domingo tedioso, sentado em frente à tevê, tentando me nutrir daquela ideia de que a família é a maior de todas as riquezas;

Eu queria ficar rico, e um misto de ansiedade e desespero me acometeu, na fila da casa lotérica, para refazer meu jogo da Megasena;

Eu queria ficar rico, enquanto esbravejava com as páginas do jornal, abertas em meu colo, onde dizia que o preço da cesta básica voltou a subir;

Eu queria ficar rico, então tive que trabalhar em dois empregos para conseguir dar conta das despesas com escola, plano de saúde e moradia familiar;

Eu queria ficar rico, só que meus devaneios foram interrompidos quando, por acaso, parei em frente ao espelho e não reconheci aquele rosto começando a enrugar e tantos fios brancos na cabeça;

Eu queria ficar rico, mas comecei a desconfiar dessa possibilidade, na fila da previdência, para acertar os pormenores de minha aposentadoria;

Eu queria ficar rico, e sentado no banco da praça jogando dominó com um velho amigo, contei sobre este ingênuo anseio de infância. Ele olhou para mim e disse: “nunca se esqueça de uma coisa, velho amigo: Rico não é aquele que mais tem, e sim, aquele que menos precisa...”;

Nós rimos de seu comentário sarcástico... Ele se despediu e disse que precisava ir pra casa porque estava na hora de seus remédios. Os longos anos manuseando um cabo de enxada resultaram em hérnias que lhe causavam dores intensas. Antes de ir, virou-se pra mim e disse, ainda sob os risos zombeteiros, que seu sonho de infância era ser piloto de avião.

O bom da vida, eu pensei comigo, é a recordação de que havia começado essa história toda rindo de não ter enxergado um caminho que me parecia óbvio... E eu terminava com a mesma graça, só que agora era porquê, de fato, o que sempre esteve evidente, talvez fosse o meu destino tortuoso.

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