segunda-feira, 12 de outubro de 2015

CRÔNICA: EM BUSCA DAQUELE SORRISO

Certa vez, tive minha manhã literalmente salva pelo impactante sorriso de uma desconhecida donzela, que ao olhar em minha direção, saudou-me com precioso gesto. Fiquei tão atônito por aquele sorriso, que fiz o que somente um introvertido poderia fazer: segui meu caminho, para posteriormente relatei os detalhes da forma mais fiel possível (essa breve transgressão pode ser conferida no texto “Aquele Sorriso”, nesta coletânea). O mesmo e velho romântico que jamais se manifesta ao fruto de seu encanto, só restou-me contar ao teclado o que me havia acontecido.

E após muitos adjetivos digitados numa vã tentativa de fidelizar a grandeza daquele sorriso, eu ainda tinha que resolver uma última questão, antes de postar o texto no blog:

Faltava encontrar a imagem que minimamente fizesse justiça ao encantamento que testemunhei naquela improvável manhã. Quisera eu ter congelado aquele instante numa foto ou filmagem, embora tenha plena certeza de que sua imagem está eternizada nos arquivos de minhas lembranças.

Mas eu ainda carecia de uma gravura que representasse o belo sorriso que ganhei. No entanto, a suspeita de que nada haveria de ser tão formoso, levou-me a constatação de que estava enfiado numa árdua e demorada busca; passei dias garimpando a internet, à procura de um sorriso equivalente.

Confesso que foi muito prazeroso me deparar com tantas e tão diversificadas expressões da angelical face feminina. Poderia até passar o resto de meus dias desempenhando esta agradável função: analisar sorrisos. E posso reafirmar, sem nenhum receio, tendo como álibi nosso saudoso Bob Marley, de que este gesto continua sendo a curvatura mais maravilhosa que podemos encontrar numa mulher: as curvas de seu majestoso sorriso.

Talvez nós, homens, seríamos mais felizes se aprendêssemos que um atalho prático para se encontrar alegria é conseguindo extrair um belo sorriso desta criatura detentora de insigne encanto denominada “Mulher”.

Então, após muita pesquisa, descobri que não procurava um sorriso, mas sim, a sensação que tive quando estive diante daquele belo rosto que me olhou com alegria. E este ato deu outro sentido à minha longa empreitada: permitiu que despendesse maior atenção aos mais variados tipos de sorrisos, como se eu estivesse em meio a um estudo intensivo da venustidade feminina. Encantei-me com admiráveis formas; sorri de volta ante a vastidão de delicadas faces; desdenhei frente às exibicionistas; odiei sorrisos forçados a ponto de achá-los mais agressivos do que feições rancorosas propositivas; suspirei profundamente ao deparar-me com os mais encantadores.

Mas talvez a grande lição que aprendi durante minha insistente busca, foi a constatação de que os melhores sorrisos eram frutos de damas singelas, pois eram aqueles que aconteciam de maneira inesperada, fazendo com que seu manifesto se tornasse ainda mais estonteante. A simplicidade sempre foi o principal atributo dos sorrisos mais incríveis.

Mentalmente eu tentava separar cada um deles por tipo. Não sei se nossas adoráveis mulheres são capazes de exibir a todos em suas particularidades, afinal, eu os via em imagens, que eram representações fiéis ao que vejo nos lugares em que frequento, nos rostos que admiro... Não sei se elas conhecem cada estilo de seus próprios sorrisos, mas talvez isso não importe.

E desse modo, se você me perguntasse eu diria que sim; toda mulher pode ser capaz de exibir qualquer um dos sorrisos que encontrei ao longo da pesquisa. Mas acredito que alguns sejam raros demais e, portanto, concedidos somente em ocasiões especiais, que não precisa se tratar de um encontro romântico. Estes tesouros expressivos estão por aí, nos ambientes mais improváveis..., e algumas vezes temos o privilégio de nos deparar com tais manifestos, reluzidos em trágicas manhãs, onde só parecia haver trevas no mundo...

Eis alguns dos tipos que mexeram bastante comigo:

O Belo: é o sorriso que nos faz suspirar! Que nos deixam completamente embasbacados; é aquele que não carece de mais nada para ser formoso, seu simples manifesto é a pura definição da beleza. Esse tipo é altamente sedutor, mas ele pode ser ensaiado, e sabemos bem que algumas mulheres são especialistas nessa arte. De qualquer forma, este modelo não deixa de ser espetacular em formosura..., mas está bem longe do sorriso que buscava.

O Terno: este é o tipo de sorriso que nos acolhe nos braços; um gesto leve e que vem sempre cheio de afeição. É um ato fácil de ser encontrado em mulheres que sabemos que gosta da gente. Sou bastante familiarizado com este tipo de sorriso, pois muitas vezes o encontro exibido na face de minha mãe.

O Formal: é um sorriso metódico, proposital, que por detrás dele há sempre um teor técnico. Um sorriso que denota cobiça, ambição, que quer algo em troca de seu manifesto. Este é um sorriso aprendido, não é nem um pouco espontâneo e se você for um homem minimamente observador, notará o quanto ele carece de brilho. Costuma estar sempre estampado nos rostos de mulheres que desempenham funções sociais que exigem esse tipo de formalismo. Aeromoças são especialistas...

O Ingênuo: é aquele que acontece de maneira casual, sempre na contramão de interesses; este é o sorriso que destrona a soberba e zomba do sarcasmo. Não é raro e posso dizer que o vejo muitas vezes, em diferentes tipos de mulheres. O ingênuo, embora seja lindo, muitas vezes pode ser confundido com modéstia. No entanto, acredito que este sorriso, que muitas vezes é encantador, necessita quase sempre de um pouco mais de alegria. Porque sua ingenuidade pressupõe ausência de discernimento. É como vislumbrar um gesto que pode ou não acontecer, mas não existe um determinador para tal... De qualquer forma, este sorriso é enormemente gracioso.

O Exagerado: também muito conhecido pelo nome de “gargalhada”, é um sorriso fácil, que geralmente acontece em instantes descontraídos ou que foram cômicos além do recato. Seria este um sorriso perfeito, no entanto, algumas mulheres aprenderam a usá-lo de forma menos impoluta; algumas fazem uso deste recurso para exibir insultos mordazes; ironias despóticas. Um gesto que tem o viés de ser virtuoso, mas que nem sempre é..., talvez o grande problema seja o fato de que é bem complicado distinguir aqueles que são genuinamente alegres dos sarcásticos.

O Triste: parece contraditório, mas o sorriso triste também existe. Trata-se daquele sorriso que não quer existir; que se esforça para ser, que impõe ao corpo uma postura contrária daquilo que a alma está de fato sentindo... O sorriso triste sempre acha que dissimula a palidez, que pensa conseguir esconder do mundo a própria vergonha em ser triste. Costuma não ter muita curvatura labial, insignificantes riscos nas maçãs e os olhos parecem sempre distantes (os olhos nunca enganam), para muito além de qualquer um que tente a proeza de alcançá-lo.

O Tímido: é aquele sorriso que tenta se manter escondido; algumas vezes ele se manifesta por detrás de uma palma de mão a tentar ocultá-lo. Possui um aspecto avermelhado principalmente na região das bochechas e detém ruídos distintos, mas que em nada estragam sua formosura. Este talvez fosse o tipo que mais chegou perto daquilo que eu buscava, porque geralmente sorrisos tímidos conseguem ser impolutos em sua totalidade. São manifestações encorpadas de meiguices, prazer e costumam dizer à causa de sua manifestação que és bem-vindo. É um sorriso quase sempre inesperado, porém, valioso demais a quem o recebe.

O Afetado: é o sorriso que está bem longe de ser natural e, muitas vezes, soa pedante ou presunçoso. Este tipo só não é o mais feio de todos, porque pode haver situações em que ele aconteça como forma de amenizar ambientes, numa tentativa por deixar as coisas menos tensas; é um sorriso político sim, mas algumas vezes há por detrás a benéfica intenção de harmonia.

Vaidoso: Agora sim, este é o mais feio de todos os sorrisos que encontrei em minha pesquisa. Definitivamente não há nada de belo neste sorriso! Ele simplesmente é fútil e está o tempo inteiro tentando convencer de que é o melhor entre todos os sorrisos. O tipo que quer mostrar perfeição e superioridade...  É lamentável algo que constatei por quase todo o tempo de minha busca pelo sorriso perfeito: há incontáveis mulheres que adquiriram este como seu sorriso introdutório nas relações diárias. No conceito destas muitas desentendidas, este modelo seria o mais adequado para agraciar aqueles que amam. Pensam que através de um sorriso cheio de ensaio e soberba, conseguirão atrair maior atenção e aprovação..., pois estou convencido de que até mesmo um olhar de tristeza consegue ser mais atraente do que um sorriso vaidoso.

E finalmente, a grandeza altruísta que lutei tanto para encontrar:

O Visceral: era exatamente o tipo de sorriso que eu procurava. Aquele que acontece particularmente espontâneo; que vem natural, de dentro pra fora; que é leitura fácil da alegria feminina; que considerei a mais rara beleza que poucos homens têm a sorte de ver numa mulher. É o sorriso que te faz sentir saudade assim que ele termina. E quando nos damos conta, estamos conduzindo todos os nossos esforços diários apenas para reencontrá-lo..., uma vez mais. Porém, mesmo sendo um gesto, que assim como todos os outros, também morrerá desfeito na face da mulher, este sorriso será eterno na lembrança de cada homem que um dia foi digno de contemplá-lo.

Sim, mulheres. O sorriso só encantará quando vier de dentro de vocês; quando tudo o que há em volta deixar de ser mundo e vocês se tornarem a própria expressão da alegria. O gesto límpido que reduz homens à meninos; que nos faz perder toda a ilusão de controle; que causa orgulho desmedido em cavalheiros que foram capazes de cativar suas fontes...

Eu encontrei este sorriso poucas vezes em minha vida. Uma delas foi aquela inesperada manhã de segunda-feira, onde precisei parar e aguardar alguns instantes, completamente intimidado por tamanho primor. Outra vez foi no resultado de minha pesquisa, quando senti inveja do garotinho na foto que abre este texto (a foto no blog), que habilidosamente conseguiu ser recompensado por inesquecível instante de beleza feminina. E que tenho certeza absoluta, esse mesmo garotinho também se tornou um obcecado buscador dessa plenitude, que vez ou outra, nos é gentilmente concebida por esses anjos terrenos que chamamos de mulher.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

CONTO: A INSÔNIA

0h: 17min.

Perco os reflexos, as pálpebras ficando pesadas. O entorpecimento do corpo se elevando, os sentidos cada vez menos perceptíveis..., apago a luz e rendo-me, fecho os olhos. Deveria haver a imediata desconexão com o mundo...

Mas na penumbra algo continua aceso, agitado. Dentro da escuridão ouço vozes, penso em coisas incoerentes, relembro instantes idiotas e sem importância..., através das trevas recordo situações que vivi antes de estar ali, semi desplugado. Às vezes, tudo parece se projetar ao mesmo tempo, minha mente é uma snowglobe que alguém agitou freneticamente. E enquanto aguardo impotente no travesseiro, os pedacinhos de memórias voam de um lado para o outro, aleatoriamente.

Ainda mergulhado em trevas, ouço ruídos importunos, farfalhar de persianas, vozes abafadas ao longe, o volume de algum televisor ligado, cachorros latindo, fúrias entrecortadas, a manifestação de insetos que optam pela camuflagem noturna...

Contraditório ao sono, a insistência faz as pálpebras fechadas doerem e então abro-as. Não é assim que se dorme, o ato de fechar os olhos não garante nada! Então, nesse mesmo escuro ruidoso que o vejo, outra vez parado no marco da porta do quarto, me velando... Hoje ele está de terno, detém tons escuros e sua gravata bege não combina com o resto do figurino. A face esquelética dele me desaprova, sabe que novamente me será negada a transição para fora deste plano..., ele vira as costas e desaparece, em direção à cozinha. Nunca soube o que ou quem realmente é aquele sujeito, mas sempre me visita quando não consigo dormir. Se o faz nas raras noites em que estou desfalecido é difícil saber..., sinceramente eu acho que não. Ele é como um espectro vigia, que sabe com exatidão as noites em que não dormirei.

Acho que ele vem até meu quarto para apreciar meu desalento;

Para ver de perto o quanto sou incapaz de exercer ato tão ordinário;

Para ratificar a semelhança de nossa catástrofe;

Para me dizer com seu olhar gélido que meus esforços são inúteis...

Sempre pensei nele como uma alma que fora negado o sono, e agora perambula, acordado pelo mundo, à procura de mais dos seus.

 01h: 24min.

Derrotado, reacendo a luz. Sou um leitor antiquado, então no lugar de sofisticados meios tecnológicos, busco o livro no criado-mudo e o abro. Costumo ler por horas e horas..., nada acontece. Apenas mitoses e meioses que se recusam a se desprender da lucidez. Espero pelo instante em que serei vencido, o instante em que as frases do livro parecem cada vez mais disformes... O livro despencando no chão.

Apago a luz.

Aqui estou, desnudo..., desmascarado. Sem uniformes, sem roupas sofisticadas, sem camuflagens sociais. Nada de perfumes, gel capilar, loções corporais ou qualquer outro meio objetivo que ajude a despistar a natureza vulgar. Meu único anseio não exige ornamento. Só o que quero é pegar no sono! E transgressivamente desperto, sou estudado pela noite com seus olhos escuros e agigantados, cuja penumbra é como um holofote, que no lugar do clarão, emana trevas que profanam o sossego e roubam minha letargia.

Entretanto, a esperança ainda está por aqui em algum lugar... Talvez tenha escorregado pelos lençóis e foi parar debaixo da cama. Só que não me atrevo, pois é lá onde vivem os monstros. Debaixo da cama repousam as maiores fontes dos pânicos noturnos; Aranhas negras, serpentes malignas, insetos peçonhentos, espectros desenganados.

Se eu fosse menos covarde talvez apalpasse embaixo da cama para procurar pelo meu sono, mas não ouso fazê-lo. Em vez disso, encolho-me sobre o colchão para me proteger..., cada vez menor, até meu corpo reduzido suar, angustiado.

02h: 10min.

Levanto-me e vou até o banheiro. Os pés descalços desbravam o piso fresco. A insanidade me faz pensar que não seria uma má ideia deitar no chão... Dou descarga, aperto a maçaneta da torneira que gotejava pecaminosamente, faço tudo sem acender a luz. Valho-me da familiaridade que me permite antecipar cada obstáculo sem ver... Faço tudo, e me esqueço de lavar as mãos. Sigo o caminho de volta, ciente de que inversamente a mim, a noite me enxerga com clareza.

Passo pela cozinha e abro a geladeira. A claridade irrompe no mármore, na pia, nas paredes esbranquiçadas..., e nele. A iluminação, mesmo fraca, permite que o veja de novo. É aquele sujeito! Está agachado num canto qualquer a me espreitar. Trocamos olhares mudos, silenciosos, como dois suspeitos. Ele agora parece um pouco constrangido com minha presença, como se eu o tivesse flagrado em alguma de suas transgressões noturnas. Para tornarmo-nos cúmplices, ele desce o olhar até a garrafa de água em minhas mãos e parece me condenar por ter bebido do gargalo... Agora não podemos mais nos delatar, tornamo-nos iguais, transgressores da madrugada.

Àquela altura, com a visão já completamente comparsa do negrume, consigo enxergar um pouco melhor. Ele está segurando uma caneta que usa pra escrever coisas no próprio braço. Vejo um amontoado desconexo de palavras riscadas em sua magricela página feita de epiderme. Assim como eu, ele também deve gostar de relatar as frivolidades consequentes da insônia. São apenas palavras..., palavras que vagueiam pelo tortuoso terreno de nossas mentes, indo e voltando; construindo imagens, fazendo conexões com situações ocorridas, outras inéditas, apontando pessoas... São apenas palavras.

Jornada, madrugada, precipício, linguagem, passos, casebre, lugubridade, oração, tristeza, inveja, astuciar, preguiça, maltrato, barulho, frase, rotina, luminária, termômetro, latido, precário, quarta-feira, asfalto, almoço, medo, tesão, minutos, administração, poder, insinuante, beleza, invisível, honestidade, calor, perdição, culpa, solavanco, refratário, inexistente, respeito, dívidas, rapidez, aurora...

Apenas palavras aleatórias... Não conheço o significado de algumas, mas sei o que todas juntas querem comigo. Elas se empenham em me manter acordado.

Com os olhos pesados eu volto pra cama. julguei que aquele jogo de contar palavras ajudou com o sono.

03h: 14min.

Sabe qual é o ponto mais severo da angústia? É aquela condição em que você tenta chorar e não consegue. Chorar seria como expurgar, colocar pra fora toda a raiva, todo desgosto... Nem mesmo este pequeno agrado a insônia me permite. E abrindo caminho através da noite, sigo desperto... É estranho estar acordado quando se tem a sensação de que o resto do mundo dorme. Sinto-me como se todos tivessem sido convidados para uma festa e eu tive que ficar aqui, sozinho, neste plano escurecido e dissimulado, que não sente piedade dos que não conhecem o caminho até o palácio de Hypnos, onde certamente todas as almas do mundo repousam agora.

Completamente desperto neste mundo de seres que dormem, só posso sustentar a expectativa dos primeiros clarões que expulsarão as trevas, dando lugar a uma nova manhã. Então, as pessoas despertarão amassadas de sono, letárgicas, com suas faces inchadas de tanto dormir...

Vê-los todas as manhãs caminhando, bêbados de preguiça e ausência de ânimo, característicos efeitos que acometem aqueles que dormem, mesmo aqueles que usam de meios artificiais para tal, estes sempre me causaram profunda inveja.

Mas a luz de uma nova manhã não costuma ser um socorro que surge fácil para aqueles que infortunadamente estão a lhe aguardar. E enquanto isso, o meu leito segue torturando-me. Mudo de posição constantemente. Nada do que faço parece proporcionar-me conforto por mais que dois ou três minutos...

04h: 49min.

A esta altura já existem sinais de vitalidade mundana. De gente que dormiu o suficiente, os de sono fácil... Ouço o cantarolar de uma mulher, motores de carros isolados, um casal conversando, acho que trocam detalhes sobre como será o dia de cada um. Talvez estejam fazendo uma oração de agradecimento pela noite bem dormida.

No meu quarto, os pensamentos se tornaram inteiramente coerentes. Como se ao longo da madrugada o quebra-cabeça de palavras soltas fora encaixando suas peças e finalmente consegui ter uma visão total do quadro. Penso em atividades que me esperam neste novo dia; numa garota que por incompetência deixei escapar e que ainda me faz falta; penso no céu, do lado de fora da janela, que por um instante achei que seria escuro para sempre; na possibilidade de estar indo novamente ao encontro da mesmice; no medo de voltar sozinho pra casa; na insônia que estará a minha espere para mais um encontro; no sujeito moribundo agachado na cozinha, riscando o braço...

Tenho medo de que as pessoas vejam o caos explicitado em minha face distorcida. Que elas notem o quanto sou incapaz de algo tão tolo quanto adormecer. Tentarei novamente evitar seus inúteis conselhos, os quais já foram todos testados... Por que toda pessoa que não sofre de determinado problema, tem a mania de achar que sabe o que deve ser feito?

Voltarei para casa no fim do dia, como sempre faço. Talvez me embriague para forçar a inércia, porque eu não aguento mais permanecer desperto. Querer a pausa deste mundo é pedir demais?

Quero fechar meus olhos e dormir. Por que me negas o intervalo acalentador da vida, ó despótica insônia?

Cessarei aqui o meu lamurio de incertezas... Dizem que é tudo culpa da cafeína... Estou com vontade de bocejar.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

RESENHA DE LIVRO: RAPSÓDIAS EM BERLIM


Não raro sou abordado por pessoas que conhecem o meu insaciável apetite por livros, me pedindo dicas de leitura. O último acercamento aconteceu há algumas semanas, no ponto de ônibus. Um conhecido me indagou à cerca de uma boa dica de livro de contos. Diante de tal solicitude, eu poderia lhe sugerir vários títulos, inclusive alguns grandes mestres do gênero por ele desejado. Mas fazendo valer uma de minhas recentes leituras, eu, sem pestanejar, recomendei-lhe que lesse o livro alvo desta resenha.

Porque a diversidade de contos que compõem esta obra belíssima, certamente atenderá a gregos e troianos.

Devo confessar que precisei consultar um dicionário para compreender desusada palavra que concebe o título, o qual faz referência a um dos contos deste excelente volume.

Rapsódias em Berlim é outro livro que tive sorte em descobrir, discreto e despretensioso, no meio de uma enorme prateleira de um Sebo. O autor Pedro Stiehl, gaúcho de Montenegro, nos entrega uma extraordinária reunião de narrativas distintas e precisas, de personagens cuja proximidade com o humanismo é capaz de fornecer ao leitor fortes reflexões sobre inusitadas situações.

Enquanto vamos nos deparando com construções literárias que facilitam o processo imaginativo, um filme vai se passando na mente do leitor. De mim, foi arrancado à força uma das raras certezas de que tenho na vida: a enorme sucessão de encontros inéditos, que caracteriza este nosso conturbado mundo.

Um texto que li e reli com especial carinho, foi “O Diabinho e a Sereia”, maravilhoso conto de uma garotinha questionadora e seu paciente avô, que em uma de suas constantes cavalgadas matinais, entram em embates filosóficos, existenciais e folclóricos. Uma prosa gostosa de ler, hilária em alguns instantes, reflexiva noutros. Este conto está logo no comecinho do livro, o que fez com que o autor me ganhasse para o resto da obra.

Ah, e se você está se perguntando, vai aqui a explicação para lhe poupar recorrer ao dicionário: Rapsódia é o nome dado a certas composições musicais e poéticas; Na Grécia antiga, dava-se o nome de Rapsódia, poemas épicos a serem recitados.

Rapsódias em Berlin é um trabalho que nos serve de exemplo de que, mesmo sem nos atermos aos grandes nomes da literatura, podemos encontrar talentos fabulosos procurando por espaço. Pedro Stiehl representa este talento, que nos trás a certeza de que no meio da salada referencial da literatura mundial, podemos ficar por aqui mesmo, nos autores brazucas, afinal, aqui tem gente muito boa, produzindo material de peso e qualidade.