segunda-feira, 20 de junho de 2016

RESENHA DE LIVRO – O COLECIONADOR


Uma das melhores coisas quando falamos em livros é que se trata de uma mídia que não envelhece. A riqueza substancial proporcionada pelos livros é tão vasta que raramente encontramos uma obra que não acrescente nada ao leitor. Sabemos bem que, com a evolução tecnológica proporcionando considerável adesão ao mercado editorial, tem muita gente por aí enfiando na cabeça a ideia de que sabe escrever, como se vomitar meia dúzia de parágrafos no word fosse condição única para se tornar um Dostoievsky pós moderno.

Mas mesmo vivendo nesta atual realidade onde quantidade parece ser algo mais notório do que qualidade, sempre existe tempo de descobrir um clássico da literatura que ainda não nos era conhecido. Uma prova de que o mundo dos livros é uma dimensão que beira o infinito... Portanto, sejamos desbravadores das bibliotecas e livrarias.

O Colecionador é uma obra clássica da literatura britânica. E tê-lo encontrado por acaso numa sebo, faz-me ter a certeza de que descobrir grandes autores da literatura pode ser uma incógnita; eles podem estar a um passo de distância, como numa improvável Sebo, basta garimpar as prateleiras com um pouco mais de atenção.

O autor da obra aqui resenhada se chama John Fowless. O cara nasceu em 1926, em uma cidadezinha chamada Leigh-on-Sea, no leste da Inglaterra. Apaixonado por literatura, O Colecionador foi sua primeira publicação. O romance virou sucesso rapidamente, tornando-se assim, um best-seller em vários países do mundo.

A trama conta a história de um colecionador de borboletas, que após ganhar uma inesperada fortuna, coloca em prática sua inusitada ambição: sequestrar para si a bela Miranda; seu objeto de descontrolado amor platônico. Passamos então a acompanhar as peripécias de um sequestrador extremamente tímido e acanhado, cuja submissão quase que intrínseca lhe deixa a mercê dos encantos de sua prisioneira. De repente, ele entra em contradição consigo mesmo, e então, temos um homem cheio de conflitos psicológicos, que usa as incertezas de sua mente confusa para justificar atos cruéis.

Neste mesmo ínterim, o leitor também pondera sobre a sequestrada; uma mulher bela e consciente de sua formosura. Que usa seus modos formais para dar a si um requinte que talvez sua baixa-estima, vez ou outra, lhe tolha. Uma garota que pensa saber exatamente o que deve ser feito todo o tempo; que se recusa a acreditar que, na verdade, seja incapaz de lidar com a própria fragilidade. O ato em que a moça faz uma comparação si mesma, afirmando que ela se trata de mais uma borboleta raptada pelo sequestrador (definição do personagem que dá o título ao livro) é simplesmente magistral.

E essa é a grande genialidade por trás da obra prima: a condução textual.

John segue uma narrativa em primeira pessoa, na qual o sequestrador discorre seus sentimentos, suas emoções, seus delírios. Em seguida, mudamos de capítulo e também de narrador, então passamos a acompanhar o diário feito pela sequestrada, no qual ela conta seus medos, suas estratégias para fugir, seu ponto de vista sobre o estranho carcereiro, sua raiva e seus limites.

Foi, de fato, uma pegada inteligente, mas nada disso teria funcionado se o autor não soubesse dominar com maestria seus dois personagens. John Fowless consegue dar alma a cada um; insere-lhes personalidade de tal maneira, que acompanhamos os mesmos entrando em contradição com suas próprias fronteiras existenciais.

O Colecionador é um livro irresistivelmente bem escrito, condutor de narrativa problematizadora que coloca duas visões de mundos diferentes em confronto... Talvez seja a melhor obra que li este ano.

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