Uma das melhores coisas quando falamos em livros é que se
trata de uma mídia que não envelhece. A riqueza substancial proporcionada pelos
livros é tão vasta que raramente encontramos uma obra que não acrescente nada
ao leitor. Sabemos bem que, com a evolução tecnológica proporcionando
considerável adesão ao mercado editorial, tem muita gente por aí enfiando na
cabeça a ideia de que sabe escrever, como se vomitar meia dúzia de parágrafos
no word fosse condição única para se
tornar um Dostoievsky pós moderno.
Mas mesmo vivendo nesta atual realidade onde quantidade
parece ser algo mais notório do que qualidade, sempre existe tempo de descobrir
um clássico da literatura que ainda não nos era conhecido. Uma prova de que o
mundo dos livros é uma dimensão que beira o infinito... Portanto, sejamos
desbravadores das bibliotecas e livrarias.
O Colecionador é uma obra clássica da literatura
britânica. E tê-lo encontrado por acaso numa sebo, faz-me ter a certeza de que descobrir
grandes autores da literatura pode ser uma incógnita; eles podem estar a um
passo de distância, como numa improvável Sebo, basta garimpar as prateleiras
com um pouco mais de atenção.
O autor da obra aqui resenhada se chama John Fowless. O cara nasceu em 1926, em uma cidadezinha chamada
Leigh-on-Sea, no leste da Inglaterra. Apaixonado por literatura, O Colecionador foi sua primeira publicação.
O romance virou sucesso rapidamente, tornando-se assim, um best-seller em
vários países do mundo.
A trama conta a história de um colecionador de borboletas,
que após ganhar uma inesperada fortuna, coloca em prática sua inusitada
ambição: sequestrar para si a bela Miranda; seu objeto de descontrolado amor
platônico. Passamos então a acompanhar as peripécias de um sequestrador
extremamente tímido e acanhado, cuja submissão quase que intrínseca lhe deixa a
mercê dos encantos de sua prisioneira. De repente, ele entra em contradição
consigo mesmo, e então, temos um homem cheio de conflitos psicológicos, que usa as incertezas de sua mente confusa para justificar atos cruéis.
Neste mesmo ínterim, o leitor também pondera sobre a
sequestrada; uma mulher bela e consciente de sua formosura. Que usa seus modos
formais para dar a si um requinte que talvez sua baixa-estima, vez ou outra,
lhe tolha. Uma garota que pensa saber exatamente o que deve ser feito todo o
tempo; que se recusa a acreditar que, na verdade, seja incapaz de lidar com
a própria fragilidade. O ato em que a moça
faz uma comparação si mesma, afirmando que ela se trata de mais uma borboleta
raptada pelo sequestrador (definição do personagem que dá o título ao livro) é
simplesmente magistral.
E essa é a grande genialidade por trás da obra prima: a
condução textual.
John segue uma narrativa em primeira pessoa, na qual o
sequestrador discorre seus sentimentos, suas emoções, seus delírios. Em
seguida, mudamos de capítulo e também de narrador, então passamos a acompanhar
o diário feito pela sequestrada, no qual ela conta seus medos, suas estratégias
para fugir, seu ponto de vista sobre o estranho carcereiro, sua raiva e seus
limites.
Foi, de fato, uma pegada inteligente, mas nada disso teria
funcionado se o autor não soubesse dominar com maestria seus dois personagens. John Fowless consegue dar alma a cada um; insere-lhes personalidade de tal
maneira, que acompanhamos os mesmos entrando em contradição com suas próprias fronteiras existenciais.
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