sexta-feira, 24 de junho de 2016

CONTO: A CARTA DE LÚCIFER


(O texto a seguir não tem origem conhecida, não possui autor e nada se sabe à cerca de sua veracidade).

Eu jamais entenderei algumas decisões do Criador.

Como pode ele deixar as maravilhas incomensuráveis deste mundo sob os cuidados de criatura tão repugnante, feito o Ser Humano? Uma espécie dotada de relativo discernimento, mas que deixa sua sobriedade ser ofuscada pela vaidade, condição totalitária de suas ações... O Ser Humano foi uma obra bestial. Um equívoco que o Criador jamais teve a humildade de admitir.

Há muito eu não o vejo... Distanciei-me desde quando Ele designou as tarefas do universo conforme seu próprio arbitramento. Ao homem foi dada a Terra para que ele pudesse desenvolver suas capacidades e crescer como criatura. No entanto, e antes de virar as costas, eu avisei ao Criador que isso não era prudente.

Perdi-me no tempo por eras. Vagueei absorto, através das mais distintas ambientações do cosmos. Conheci outros seres, outras raças dotadas de inteligência superior. Pude notar que o Criador acertara com maestria em quase todas as suas empreitadas. Ele designou responsabilidades à suas criações de forma assertiva. Tudo funcionou de maneira plena e virtuosa.

Menos o Ser Humano.

À esta espécie deveria recair toda a desgraça. O erro deve ser exterminado em sua totalidade. Não deveria ter sido dada a condição de livre escolha á um ser que é incapaz de fazer de sua própria vivenda, um lugar menos pernicioso.

Mas eu não me importo com isso...

Eu nada tenho que ver com a podridão que cai sobre eles. Mesmo assim, os homens usaram de seus frívolos engenhos para atribuir a mim todo o mal que desaba sobre suas cabeças... Inventaram-me um nome, orquestraram uma mitologia, deram-me feições tão toscas que só mesmo a minguada mente humana seria capaz de tamanha inépcia. Mesmo afundado no abismo viscoso de trevas, o homem continua arrogante e incapaz de admitir a própria ineficácia.

São tolos em achar que ambiciono algo tão irrisório quanto vossas almas. Se juntassem todas as almas que estão, mais aquelas que já estiveram na Terra, ainda assim, seria uma riqueza tão valiosa quanto uma fossa de excremento.

Os que se dizem sábios; aqueles que destilam pedantismo, falsearam minha existência de acordo com suas ambições fúteis. E a inegável demonstração da estupidez mundana, é que isso deu certo e todos acreditaram. Hoje, a humanidade trêmula caminha pela Terra, barganhando sua existência à troco de fugir daquilo que não existe.

A dimensão da realidade lhes escapa... A minha realidade lhes escapa. Não há na natureza humana perspicácia para compreender aquilo que não se presta à contemplação.

E mesmo se algum deles conseguisse, de forma muito peculiar, clamar pelo meu manifesto a uma audiência, ainda sim isto seria impossível. Mesmo que eu me visse acometido pela improvável curiosidade à cerca de raça tão medíocre, minha grandeza não poderia ser vislumbrada por olhos tão turvos. Se comparado a mim o seu mundo tem a mesma proporção de um grão de areia, o que dizeres de tua pequenez, criatura repugnante?

  À sua indecorosa existência que presto essa breve advertência.

Deleitem seus dias ao que lhes parecer auspicioso, porém, sem a interferência da vaidade. Deem algum significado à suas realidades tolas, alimentem suas construções mitológicas, mas desistam de entender aquilo que lhes escapa.

Pois eu nada quero de ti, Ó vermiforme criatura!

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