quinta-feira, 30 de junho de 2016

RESENHA DE LIVRO – QUASE MEMÓRIA


Tudo começa quando o autor, Carlos Heitor Cony, ilustre membro da academia brasileira de letras, repentinamente recebe um envelope que estava na recepção de um hotel. À respeito do pequeno embrulho há diversos indícios de que ele fora enviado por seu pai. O grande problema é que o pai do autor já falecera há dez anos. Começa aí um livro de memórias, ou como diz o título: de quase memórias, onde Carlos Heitor Cony narra as aventuras de seu velho genitor, sob o olhar de admiração e respeito, oriundos dele mesmo, o filho.

A sacada é bem legal, justamente porque ao longo da leitura, o leitor entende porque de se tratar de um “quase” e não de memórias categóricas. É que as lembranças do autor misturam-se à mente inventiva do pai, tornando difícil para ele mesmo, testemunha dos feitos de seu genitor, distinguir o que era fato da mera ampliação dos ocorridos.

No entanto, não esperem encontrar um livro cheio de estórias fantásticas, onde a narrativa de um autor que amou incondicionalmente seu pai seja comprometida por um entusiasmo nostálgico. Não! Neste livro, destila-se o charme de um conto doce, que não tem a pretensão de identificar o que foi verdade ou puro esnobismo do herói homenageado.

Ernesto Cony, personagem principal e pai do autor, que foi jornalista, entre outras ocupações, tem aqui o relato divertido de sua trajetória, ora em formato romancista, e às vezes, numa pegada mais cronista.

De imediato conseguimos sentir a profundidade detalhista do filho, que tomado por uma imensa estima por seu velho, discorre sobre as façanhas do pai com tanta eloquência, que nos faz crer que cada instante na vida daquele homem simples, foi de intensidade profunda. Narrativa que é, acima de tudo, concebida pelo fruto do amor de um filho.

Carlos Heitor Cony, o filho, se mostra estupefato ao receber o envelope que teria sido deixado pelo pai. Ele vai para o escritório, se tranca em sua sala, e começam seus devaneios à cerca das aventuras de seu velho guerreiro; causos que mesclam emoções e inventividade. Algumas são comoventes, outras hilárias, mas praticamente todas acentuam o lado obsequioso do filho. Em nenhum momento conseguimos distinguir onde está a crueza ou as pinceladas imaginativas do personagem, o pai. O próprio autor explica o título:

“Além da linguagem, os personagens reais e irreais se misturam, improvavelmente, e, para piorar, alguns deles com os próprios nomes do registro civil. Uns e outros são fictícios. Repetindo o anti-herói da história, não existem coincidências, logo, as semelhanças, por serem coincidências, também não existem”.

A condução literária e o charme do livro começam muito bem e só vão melhorando. O meio da leitura chega a dar uma leve caída em alguns capítulos menos brilhantes, mas logo o fôlego é retomado nas partes finais, terminando de maneira fabulosa (o capitulo dedicado ao roteirista Mario Flores, o qual é relatado sua dor ao ser sumariamente afastado do jornal por conta da idade, é de nos levar às lágrimas).

É quase a cereja que se degusta no final do delicioso bolo.

A cumplicidade do narrador, o amor pelo pai, os sentimentos contraditórios, as dores vividas, a imaginação e otimismo de seu velho... Todas essas peculiaridades de uma vida compartilhada entre pai e filho resultam nesta belíssima obra que, acima de tudo, é o relato de amor incondicional.

Mais do que um romance, Quase Memória é uma espécie de homenagem; uma ode irreverente das reminiscências de um filho sobre seu pai, que culminou neste belo raconto, no qual nós, os agraciados leitores, nos vemos privilegiados, por ter a chance de degustar este ilustre tesouro literário, o qual nem mesmo o homenageado, o velho Ernesto Cony, pôde contemplar.

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