terça-feira, 12 de julho de 2016

CRÔNICA: FELIZ DIA MUNDIAL DO ROC... “DA LIBERDADE”!

Certa feita, eu entrei numa dessas lojas que vendem roupas de grifes. Sabe aqueles estabelecimentos que oferecem aquilo que de melhor existe no mercado do vestuário; as indumentárias que te fazem ficar inteiramente em concordância com o sistema relacional vigente nas grandes metrópoles, onde o capital simbólico é reflexo daquilo que você veste.

Raramente me dou ao trabalho de ir além da porta desse tipo de estabelecimento, porque sustento desconfiança de que quase tudo o que encontrarei, custará valor substancial que vai muito além do meu senso de realidade financeira. Em outras palavras, considero praticamente tudo o que se vende numa loja de grife irracionalmente caro demais e sem nenhum fundamento que justifique aquele valor.

Infelizmente quase sempre tenho razão.

Mas naquela manhã, eu havia visto uma camisa aparentemente legal na vitrine. E como sou detentor de certa peculiaridade tosca e restrita, que esporadicamente faz com que me sinta atraído por uma peça de roupa, adentrei para olhar de perto aquela singularidade em malha. Os dedos cruzados para que ela não custasse o valor equivalente a uma Smart TV de tela plana.

Pois eis que fui prontamente atendido por uma vendedora sorridente, simpática e muito solícita. Afinal, cortesia é o mínimo que ela pode despender, porque se depender somente dos valores impressos nas etiquetas, será pouco provável que ela consiga bater sua meta mensal. De praxe, devolvi-lhe a amabilidade e, sorrindo discretamente, pedi para dar uma olhadinha na referida camisa.

– Não gostou dela? – perguntou a vendedora, ao ver a careta que eu havia feito quando analisei o produto mais de perto.

– Ela é bonita, sabe..., mas tem uma marca enorme bem aqui – apontei a região onde havia letras robustas e em alto-relevo, explicitando enormemente o nome da grife, na parte detrás da peça.

– Eu tenho esse outro modelo – disse a moça, pensando se tratar de uma questão geográfica. Ela ergueu diante de mim outra camisa, cuja estampa da marca agora estava na lateral do tecido, contrário da que eu havia olhado, de estampagem na vertical.

─ Não gostei também... O problema é que eu não gosto de uma marca infestando toda a dimensão da peça de roupa. Sinto-me como se estivesse usando um macacão da Formula 1.

– Ah, sim... Nós temos outras marcas, vem cá que eu te mostro.

Deduzi que ela não havia compreendido a piada.

– Desculpe, mas você não entendeu. Eu não disse que não gosto dessa marca. Quis dizer que não gosto de marcas encobrindo todo o tecido de minhas camisas.

– Mas acontece que se você quiser comprar roupas de boa qualidade, só encontrará nas grandes marcas do mercado – ela tentava a todo custo defender o patrimônio em que trabalhava.

– Eu concordo plenamente com você – disse em tom de encerramento, enquanto devolvia gentilmente a camisa ao cabide – Aliás, o tecido dessa camisa aqui tem uma textura maravilhosa.

– Então vamos levar, ora...

– O que me incomoda é o porquê dessa obsessão de uma grife em fazer questão de expor seu nome largamente nas roupas, como se fossem outdoors.

– Ah, mas você deve saber muito bem que uma camisa com essa marca lhe proporcionará muita presença em qualquer lugar que esteja.

Ela se referia ao status. Ao estatuto emblemático que eventualmente eu iria adquirir caso me tornasse usuário da grife vendida em sua loja. E a inflexível vendedora tinha razão. Porque ela não estava tentando me vender apenas uma camisa. Na verdade, ela me oferecia a oportunidade de obter reconhecimento social, coisa que só é possível quando nos rendemos aos símbolos consagrados pela sociedade contemporânea.

– Não, obrigado..., mas acho que vou ficar com o caminho mais difícil: vou tentar ser reconhecido por meus méritos e não por minhas escolhas.

– E o que você acha que é isso que está tatuado em seu braço? – Ainda dentro da loja fui surpreendido por uma questão incomum. A vendedora não havia se dado por vencida.

Olhei para minha tatuagem do Metallica, como se estivesse a vendo pela primeira vez. A manga do meu uniforme estava dobrada, permitindo que partes da tattoo ficassem expostas.

– Ué, isso é uma tatuagem... – tive que dar uma resposta imbecilizada, porque ainda não sabia o que dizer diante da inesperada afronta.

– Isso é um símbolo! – eu havia tido o azar de ser atendido pela vendedora mais obstinada da cidade – Você carrega no braço o símbolo de uma marca, que de certa maneira, possui o mesmo efeito que as roupas desta loja.

– Espere um pouco aí... É claro que uma banda de rock é diferente.

– Diferente como?

É difícil responder quando se está com os dentes soltos na boca, após lancinante bofetada.

Então eu saí da loja de mãos vazias e sem nenhum argumento para combater o ataque da vendedora contra o meu idealismo fajuto. No entanto, aquela conversa me fez pensar sobre o assunto... Costumo ser assim: às vezes preciso de algum tempo para discernir sobre o que as pessoas me dizem. E esse tempo pode levar até anos.

No caso deste episódio, levou apenas alguns dias. Mas quando finalmente encontrei razões que pudessem convencer a mim e aquela vendedora insistente de que eu tenho razão, juro que fiquei com vontade de voltar em sua loja, só para dar continuidade ao nosso embate sobre marcas.

Mas se há uma coisa benéfica no avanço do tempo, é que abandonar o orgulho faz com que deixemos disputas conceituais de lado. Além do mais, a vendedora também poderia ter feito a lição de casa dela, e talvez eu voltasse a sair de sua loja derrotado.

O fato é que aquela mulher vendia produtos que (mesmo que isso pareça uma ideia meio irracional) ajudava as pessoas a se sentirem melhores; mais aceitas. E quando optei por fazer uma tatuagem que exibisse o nome de uma de minhas bandas favoritas, talvez não fosse mesmo uma forma de homenagear, como sempre tentei me convencer.

O que queria era exibir minha preferência; mostrar ao mundo minhas aptidões musicais. E quando uma pessoa se identifica comigo ao reparar o que há estampado em meu braço, inevitavelmente me sinto bem, como se aquilo fosse a constatação do sucesso de minha intenção vaidosa.

Sim, o Metallica é uma banda que admiro e curto desde os tempos de minha adolescência. No entanto, nunca tatuei no braço o nome do meu livro favorito, a receita do meu prato predileto ou o nome de minha querida mãe. E isso talvez signifique que tatuar uma banda no corpo, mesmo que me doa tal averiguação, é sim, fazer propaganda gratuita usando a própria pele para isso.

Não me arrependo de ter feito a tattoo do Metallica ou qualquer outra, de jeito nenhum. Eu o faria de novo se pudesse voltar no tempo. O que gostaria com esta reflexão é rever a atitude de meu julgamento preconceituoso, que acusa de idiota alguém que curte sair por aí exibindo roupas de marca... Creio que seja esse tipo de conceito fundamentalista um dos grandes males de nossa sociedade; não conseguimos largar de uma vez por todas, a mania de metermos os nossos narizes na vida alheia. Achamos que somos referência, a medida do que é certo ou errado.

Não, meus amigos... Somos todos iguais, cuidamos somente de nossa própria vida e precisamos dar parecer apenas a nós sobre ela. Eu notei meu disparate quando comecei a construir essa crônica, que inicialmente possuía o viés de ser uma argumentação em defesa de meus ideais em detrimento das decisões dos outros.

Ainda bem que deu tempo de mudar de rumo e deixar uma mensagem menos destrutiva para este Dia Mundial do Rock... Que ele seja festejado sob a bandeira da harmonia, sem que haja comparações ou distinções ideológicas. Que cada um faça de sua vida o que desejar desde que seja respeitada a vida do próximo...

Eu vou curtir esse dia tomando minha cerveja gelada, ao som de And Justice for All, porque se em meu braço assim está escrito, acho que não fará mal nenhum tentar ser um pouco menos intolerante; porque talvez “justiça para todos” seja exatamente a possibilidade de se viver num lugar onde liberdade é algo tão óbvio quanto comprar uma camisa ou fazer aquela tatuagem favorita... E feliz Dia Mundial do Rock, cheio de esperança de um mundo menos determinista!

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