quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

CRÔNICA - OPORTUNA FIDELIDADE


Minha constituição de fidelidade se sustenta a partir de bases moralistas. Pressupõe uma existência cuja exclusividade se atrela à ideia de irredutibilidade e inflexibilidade, dentro de concepções por mim estabelecidas, o que me torna um truculento fundamentalista, talvez pelo fato de que o fiel seja o maior dos conservadores. Porém, costumo me vestir de uma fidelidade a qual seu manifesto precisa ser enaltecido, embora eu saiba que isso seja inútil... Mesmo assim, eu a exerço sob falácias na intenção mordaz de receber legitimidade, pois é preciso que este ato seja vangloriado, como se fosse um recipiente furado que carece de ser reenchido a todo instante.

Pensando em circunstâncias coletivas, creio que tendemos a seguir modelos sociais institucionalizados e, portanto, a padronização existencial tende a ser, em grande medida, igual ou parecida. E a vontade de correr na contramão da maioria é o que desperta minhas ambições de lealdade. Em outras palavras, eu não sou fiel por respeito genuíno à instituição que estabeleci relações, mas faço por vaidade de poder me afirmar como ser distinto; para exaltar minha exclusividade regrada e cheia de autocontrole. Se isso soa confessional ou não, o fato é que seria muito provável que se vivêssemos num mundo de completo comprometimento ético, eu talvez me tornasse um transgressor, puramente para me ver desenquadrado do senso comum. Como se minhas escolhas não pudessem ser convenientes ou mesmo combatidas.

Não tenho meios de garantir fidelidade eterna a nada nem a ninguém. Mas enquanto eu identificar neste ato elementos legitimadores do meu árduo autocontrole, tudo farei para fundamentar a integridade de minha ação, através da promoção obstinada dos valores que foram convencionados a outrem. No entanto, tais valores se mostram nocivos a partir do instante em que oprimo meu ser em detrimento de ajustes ilegítimos, pois é impossível sanar desejos por meio da intenção deliberada... Este ato, quando bem executado, apenas os adormecem temporariamente.

Anseios só podem ser eliminados quando da obtenção de seu objeto; quando alcançamos o escopo desejante. E o fiel só poderá ser considerado como tal, se porventura se encontrar diante de uma situação a qual ele tenha 100% de certeza de que não está sendo vigiado. Caso contrário, seu comportamento não será de fidelidade, mas sim, de medo de ser flagrado.

Desejos são inevitáveis, porém, passíveis de ser controlados dependendo de sua intensidade. E acredito que uma mente lúcida e conhecedora da própria fraqueza é uma mente menos suscetível ao prejuízo resultante de ações impetuosas. Só que esta conclusão nos remete a duas problemáticas: o controle dos próprios impulsos; e a conclusão do verdadeiro ato fiel.

Oscar Wilde nos diria que se conseguirmos resistir a uma tentação é porque ela não foi forte o suficiente. Este pensamento elucubra o quanto de nossa incapacidade frente aos impulsos do desejo. Ser fiel aos próprios princípios pressupõe a perda de outras oportunidades que são incompatíveis com a nossa conduta.

O mundo contemporâneo transformou toda a forma de relação em objeto mercadológico. Isso nos deixa com a sensação de que ao levarmos nossa constância ao pé da letra estamos abrindo mão de infinitas possibilidades. Desse modo, ser fiel a algo nos causa desconforto; uma sensação de redução existencial. Afinal, por que manter lealdade em X se há todo um alfabeto que parece esperar por nossa predileção. A convivência num meio social escasso nos atrai para uma ética de conveniência, em que tudo se pode e tudo se justifica. Então a adaptabilidade do ser depende do mundo em que nos será apresentado daqui a pouco.

Muitas foram às vezes em que deliberei sobre como controlar os impulsos, e embora eu mantenha certos princípios intactos, seja por vaidade ou não, creio ainda não ter encontrado nenhuma solução definitiva para este problema.

Quanto a definição do ato de fidelidade, este também é assunto espinhoso, porque envolve diversos elementos como conceitos, opiniões, predileções e a própria ética. Com tantas particularidades mescladas, penso que ser fiel pressupõe o ininterrupto ato de zelar pelas formas de convivência estabelecidas, embora nenhuma imutável. Só se pode ser fiel a algo a partir de juízos instituídos entre as parte envolvidas. E a quebra desses acordos é o que chamamos de infidelidade.

Mas uma fidelidade só pode de fato se tornar um hábito quando se a leva como um comportamento fechado, cego... É o moralismo que menciono no início desta reflexão. Partindo desse ponto, podemos afirmar que seremos fieis aos nossos conceitos, não importando que tipo de realidade nós estejamos inseridos. Contudo, mostrar-se fiel a uma escolha, quando esta é a decisão moralmente aceita ou comungada pelo urro da sociedade dissimulada em que estamos inseridos, não passa de puro decoro; a predileção ajustada ao mesmo sentido do interesse comum.

O grande desafio de ser fiel seria bradar este valor quando tudo parecesse nebuloso ou se estivéssemos indo contra a maioria do senso comum. Se nossas inclinações poligâmicas fossem vistas com benevolência, então a fidelidade monogâmica tornar-se-ia um ato verdadeiramente corajoso.

Alguma vez você já parou pra pensar no tipo de informação que fornece quando lhe é perguntado quem é você?

Eu tenho certeza de que neste instante só o que preenche sua mente são seus valores, deixando suas imperfeiçoes a cargo da capacidade do outro de identificá-las ou não. E como uma ética de relações está sendo formada naquele exato instante em que se está diante de uma nova relação, deve-se valer muito expor para o outro somente os vínculos em que você foi capaz de ser fiel ao longo de sua existência, pois são estes que irão lhe conferir o arsenal capaz de lhe proporcionar orgulho; que atestarão o tipo de indivíduo que você é. Portanto, se fidelidade fosse conceito mal visto por nossas relações atuais, certamente inundaríamos os ouvidos de nossos postulantes com intermináveis argumentos em prol da deslealdade.

Mas caso você já tenha sido dominado pelo mundo materialista em toda sua gama de sedução, é muito possível que só o que tenha a dizer sobre si mesmo sejam suas conquistas materiais; sua vida explicada por meio de “coisas” que conseguiu acumular, e que lhe conferirão a certeza de que você é o produto adquirido; desejante voraz identificado por objetos sem alma... Fiel aos símbolos de consagração social ou simplesmente pela própria arrogância.

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