Minha constituição de fidelidade
se sustenta a partir de bases moralistas. Pressupõe uma existência cuja
exclusividade se atrela à ideia de irredutibilidade e inflexibilidade, dentro
de concepções por mim estabelecidas, o que me torna um truculento
fundamentalista, talvez pelo fato de que o fiel seja o maior dos conservadores.
Porém, costumo me vestir de uma fidelidade a qual seu manifesto precisa ser
enaltecido, embora eu saiba que isso seja inútil... Mesmo assim, eu a exerço sob
falácias na intenção mordaz de receber legitimidade, pois é preciso que este
ato seja vangloriado, como se fosse um recipiente furado que carece de ser reenchido
a todo instante.
Pensando em circunstâncias
coletivas, creio que tendemos a seguir modelos sociais institucionalizados e,
portanto, a padronização existencial tende a ser, em grande medida, igual ou
parecida. E a vontade de correr na contramão da maioria é o que desperta minhas
ambições de lealdade. Em outras palavras, eu não sou fiel por respeito genuíno
à instituição que estabeleci relações, mas faço por vaidade de poder me afirmar
como ser distinto; para exaltar minha exclusividade regrada e cheia de
autocontrole. Se isso soa confessional ou não, o fato é que seria muito
provável que se vivêssemos num mundo de completo comprometimento ético, eu talvez
me tornasse um transgressor, puramente para me ver desenquadrado do senso
comum. Como se minhas escolhas não pudessem ser convenientes ou mesmo combatidas.
Não tenho meios de garantir fidelidade
eterna a nada nem a ninguém. Mas enquanto eu identificar neste ato elementos
legitimadores do meu árduo autocontrole, tudo farei para fundamentar a
integridade de minha ação, através da promoção obstinada dos valores que foram
convencionados a outrem. No entanto, tais valores se mostram nocivos a partir
do instante em que oprimo meu ser em detrimento de ajustes ilegítimos, pois é
impossível sanar desejos por meio da intenção deliberada... Este ato, quando
bem executado, apenas os adormecem temporariamente.
Anseios só podem ser
eliminados quando da obtenção de seu objeto; quando alcançamos o escopo
desejante. E o fiel só poderá ser considerado como tal, se porventura se encontrar
diante de uma situação a qual ele tenha 100% de certeza de que não está sendo
vigiado. Caso contrário, seu comportamento não será de fidelidade, mas sim, de medo
de ser flagrado.
Desejos são inevitáveis,
porém, passíveis de ser controlados dependendo de sua intensidade. E acredito
que uma mente lúcida e conhecedora da própria fraqueza é uma mente menos
suscetível ao prejuízo resultante de ações impetuosas. Só que esta conclusão
nos remete a duas problemáticas: o controle dos próprios impulsos; e a conclusão
do verdadeiro ato fiel.
Oscar Wilde nos diria que se
conseguirmos resistir a uma tentação é porque ela não foi forte o suficiente. Este
pensamento elucubra o quanto de nossa incapacidade frente aos impulsos do
desejo. Ser fiel aos próprios princípios pressupõe a perda de outras oportunidades
que são incompatíveis com a nossa conduta.
O mundo contemporâneo transformou
toda a forma de relação em objeto mercadológico. Isso nos deixa com a sensação
de que ao levarmos nossa constância ao pé da letra estamos abrindo mão de
infinitas possibilidades. Desse modo, ser fiel a algo nos causa desconforto;
uma sensação de redução existencial. Afinal, por que manter lealdade em X se há
todo um alfabeto que parece esperar por nossa predileção. A convivência num
meio social escasso nos atrai para uma ética de conveniência, em que tudo se
pode e tudo se justifica. Então a adaptabilidade do ser depende do mundo em que
nos será apresentado daqui a pouco.
Muitas foram às vezes em que
deliberei sobre como controlar os impulsos, e embora eu mantenha certos
princípios intactos, seja por vaidade ou não, creio ainda não ter encontrado
nenhuma solução definitiva para este problema.
Quanto a definição do ato de
fidelidade, este também é assunto espinhoso, porque envolve diversos elementos
como conceitos, opiniões, predileções e a própria ética. Com tantas
particularidades mescladas, penso que ser fiel pressupõe o ininterrupto ato de zelar
pelas formas de convivência estabelecidas, embora nenhuma imutável. Só se pode
ser fiel a algo a partir de juízos instituídos entre as parte envolvidas. E a
quebra desses acordos é o que chamamos de infidelidade.
Mas uma fidelidade só pode
de fato se tornar um hábito quando se a leva como um comportamento fechado,
cego... É o moralismo que menciono no início desta reflexão. Partindo desse
ponto, podemos afirmar que seremos fieis aos nossos conceitos, não importando
que tipo de realidade nós estejamos inseridos. Contudo, mostrar-se fiel a uma
escolha, quando esta é a decisão moralmente aceita ou comungada pelo urro da
sociedade dissimulada em que estamos inseridos, não passa de puro decoro; a
predileção ajustada ao mesmo sentido do interesse comum.
O grande desafio de ser fiel
seria bradar este valor quando tudo parecesse nebuloso ou se estivéssemos indo
contra a maioria do senso comum. Se nossas inclinações poligâmicas fossem
vistas com benevolência, então a fidelidade monogâmica tornar-se-ia um ato
verdadeiramente corajoso.
Alguma vez você já parou pra
pensar no tipo de informação que fornece quando lhe é perguntado quem é você?
Eu tenho certeza de que
neste instante só o que preenche sua mente são seus valores, deixando suas
imperfeiçoes a cargo da capacidade do outro de identificá-las ou não. E como
uma ética de relações está sendo formada naquele exato instante em que se está
diante de uma nova relação, deve-se valer muito expor para o outro somente os
vínculos em que você foi capaz de ser fiel ao longo de sua existência, pois são
estes que irão lhe conferir o arsenal capaz de lhe proporcionar orgulho; que
atestarão o tipo de indivíduo que você é. Portanto, se fidelidade fosse
conceito mal visto por nossas relações atuais, certamente inundaríamos os
ouvidos de nossos postulantes com intermináveis argumentos em prol da
deslealdade.
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