quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

RESENHA DE LIVRO: BILE NEGRA


A premissa desta obra é até muito boa: através do olhar depressivo de seu personagem, Bile Negra tenta trazer à tona a complexidade existencial do ser humano. A trama segue envolta da história de Iago, um jovem que vivencia extremos de seu próprio vazio após se mudar para a cidade grande.

O clima é conduzido como se fosse uma narrativa terapêutica, o personagem principal expõe seus conflitos e emoções de forma crua e direta. Relatos que exploram o lado complexo e sombrio do homem, e no meio do caos, nós acompanhamos também outros personagem que vivem crises semelhantes. Tudo aqui parece ser de fato um documentário factual sobre pacientes que fazem terapia.

Pois é justamente neste aspecto que o livro acaba derrapando, ou melhor, exagerando um pouco.

Bile Negra foi escrita por um médico especializado em psiquiatria. Alexandre Loch conhece muito bem o terreno em que está pisando, sabe documentar de modo preciso a angústia inerente das pessoas. Mas lhe escapa uma pegada mais crônica e menos documental, exatamente o brilho que faltou para que sua obra progredisse do modo menos informativo e mais literal; a sedução lhe escapou por quase todo o texto.

Quando estamos acompanhando os relatos de Iago, quase podemos vislumbrar uma esplendorosa narrativa. Porém, o autor sai do personagem para forçar a barra com relatos contínuos de outros personagens que também foram acometidos pela obscura depressão. Isso não teria sido um problema, caso a obra seguisse por uma linha semelhante às dores desnudadas de modo informal e humanista, como acontece quando estamos diante dos relatos de Iago, mas Alexandre Loch opta por uma pegada mais informativa e técnica, deixando uma sensação de que estamos lendo um dossiê ou uma reportagem de jornal.

Mesmo assim, Bile Negra consegue ter vigor; em muitos instantes convida o leitor à reflexão pessoal e deliberar sobre os próprios entraves de sua existência. Só o que incomodou foi justamente a perceptível indecisão do autor, que pareceu não saber se queria entregar um romance dramático ou se uma sessão de terapia destinada à pacientes depressivos.

O último capítulo denominado “Libertação” parece expor de fato essa premissa: a narrativa da jornada do herói, que atravessa os estágios em formato de “U”, ascensão, queda e finalmente a reabilitação de si mesmo. Um claro intento da epopeia motivacional, quase uma autoajuda.

Bile negra é um livro bem intencionado e sabe como descortinar as mazelas do ser humano. A obra trabalha de modo eficaz no sentido do testemunho cru dos angustiados pela complexidade do viver. Mas faltou uma dose de profundidade narrativa, careceu de um pouco mais de sensibilidade pessoal em sua prosa, o que deixaria sua condução mais introspectiva, como tão bem o fazem autores como Clarice Lispector. E através do olhar melancólico do personagem, mergulharíamos sem volta na ausência da perseverança existencial.

NOTA: 5,2

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