domingo, 7 de abril de 2019

RESENHA DE LIVRO – AS PALAVRAS DE SARAMAGO


Descobri a literatura do escritor português Jose Saramago através de um de seus mais notórios trabalhos: Ensaio Sobre a Cegueira. Obra que dispensa introdução, deu-me a precisa noção do exímio prosaísta que estava diante de minha leitura. Ensaio Sobre a Cegueira é um tapa na cara da hipocrisia social; uma metáfora para algo que há muito se perdera em nossa desgastada convivência: a lucidez.

E um estupendo romancista, autodidata, humanista, íntegro, pacifista, vencedor do Nobel de Literatura, só poderia se tratar de um sujeito cuja biografia vale à pena ser lida. Porém, muito melhor do que as já tão repetitivas biografias, quis apostar neste AS PALAVRAS DE SARAMAGO, um imenso aglomerado de pensamentos e entrevistas fragmentadas que o autor deu ao longo de sua vida, e que nos ajuda a ter uma noção do que é este universo Saramaguiano de modo a não nos cansar com extensas linearidades de sua vida... Biografias enchem o saco justamente porque costumam relatar demasiadamente aquilo que não precisa ser relatado.

Sim, pois como era um racionalista sentencioso e imaginativo, Saramago falava o que pensava de modo simples e direto. Como ele próprio dizia, sustentava um desejo irrefreável de provocar as pessoas, mas sem jamais se anular pela responsabilidade do que dizia. Fica então registrado, mais uma vez, meu apreço por livros que possuem uma proximidade semelhante a biografias, mas que nos entregam um conteúdo melhor e menos enfadonho. AS PALAVRAS DE SARAMAGO reúne o que havia de melhor no mestre português: sua opinião corajosa em diversos assuntos, deixando pequenas introduções em cada tema, que ajuda a conhecer um pouco mais a mente dilatada deste autor (isso para o raro leitor que nunca ouviu falar deste gênio).

Saramago discorre sobre diversos temas. Vai desde Azinhaga, Terra onde nasceu, fala um pouco sobre seu país, sobre ética, Deus, morte, literatura, Prêmio Nobel... Enfim. É um prato cheio para quem deseja pormenorizar assuntos a partir do ponto de vista de um escritor tão talentoso. Meus capítulos favoritos foram Mulher, Pessimismo, Escritor, Religião...

O responsável por trás dessa ótima coletânea em forma de aforismos é o ensaísta espanhol Fernando Gómez Aguilera. É um trabalho extenso que certamente careceu de extrema dedicação para ser realizado. Pois o que Fernando nos entregou aqui foi um competente trabalho de curadoria ao passar o pente fino em jornais, revistas, entrevistas diversificadas e outras mídias onde Saramago deixou suas declarações. Aqui há tanto pensamento e análise do escritor homenageado, que pode até soar um pouco cansativo para alguns leitores. Aliás, este é o único e pequeno problema da obra: tem tanta coisa reunida aqui, que hora pode soar repetitivo.

Para quem curte os romances do cara e tiver a ousadia de confrontar o universo polêmico e provocador do mestre, vale muito à pena ter essa pérola em sua estante. Exatamente como o próprio Saramago nos sugere:

“Nós somos muitas coisas, mas somos, sobretudo, a memória que temos de nós mesmos, e o diário, neste sentido, é uma espécie de ajuda à memória”.

NOTA: 8,6

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