Se as mazelas da solidão
humana podem ser narradas de algum modo, sem deixar que se escape o equilíbrio
entre o desencaixe existencial e a vontade de potência, eu creio ainda não ter
lido nenhum autor que o soube esmiuçar isso melhor do que Hermann Hesse.
O
LOBO DA ESTEPE é a autoproclamação da personagem que,
solitário em sua essência, define-se como tal. Um ser humano em crise, só que provido
de lucidez necessária para compreender sua natureza animalesca e desarmônica,
tão honesto que quase o remete ao indizível.
Eis diante de nossas mãos a
possibilidade de ler poesia em prosa, de teor angustiante no que tange a
complexidade humana, mas acima de tudo, tragicamente enriquecida e bela.
Harry Haller é um homem entediado
e a primeira parte do livro traz esse sentimento de modo quase indigesto ao
leitor. Há neste ponto da narrativa um segmento confessional, auto analítico,
de linguagem penitente que costuma causar certo enfado. Mas é proposital, o
autor precisa mostrar quem é seu protagonista, ou seja, trata-se aqui de um
caminho inescapável ao leitor.
Depois disso, a trama ganha
vigor; Harry despe-se em sua dualidade, homem e lobo, então passamos a
acompanhar seus confrontos antagônicos quase que insolúveis de alguém cujos
preceitos burgueses o desagradam, mas que não consegue se livrar desse mal. A
personagem demonstra seu asco social ao mesmo tempo em que se compreende como o
arauto da mediocridade.
Sei que esta resenha soa um
pouco hermética, mas o caminho é esse mesmo. A beleza de O LOBO DA ESTEPE não está na linearidade, portanto, não cabe fazer
uma sinopse aqui. Até porque isso seria desnecessário pelo fato de que estamos
falando de um clássico da literatura.
O livro retrata a
necessidade de autoconhecimento, do caminho sem volta que é tentar compreender
a si mesmo e que, embora mais árduo do que a felicidade obtida através da mera
ignorância, Harry precisa angariar meios de escapar de sua cilada existencial
para finalmente usufruir dos verdadeiros prazeres da vida, que numa definição epicurista,
seria propriamente o prazer por meio daquilo que é mais simples.
O LOBO DA ESTEPE é um livro memorável
por sua mensagem. Hermann Hesse
espatifa sua personagem para, em seguida, juntar seus cacos enquanto nos cortamos
em pequenas pontas. As referências em Mozart, no Teatro Mágico, na analogia do
próprio nome do autor com as personagens, tudo aqui possui uma correlação,
porém, nem um pouco conclusivo, o autor deixa tudo para a mera reflexão do
leitor, o que é maravilhoso. E o faz sem se esquecer de sua observação pessoal,
feita já no posfácio, em que Hermann
Hesse sugere com humildade invejável, o que sua literatura criou na mente
dos leitores da época e a verdadeira mensagem que gostaria de ter lhes
passado... Eis uma obra atemporal, que como várias outras, jamais se esgotará
em significado.
NOTA: 8,1
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