terça-feira, 9 de julho de 2019

RESENHA DE LIVRO – O LOBO DA ESTEPE


Se as mazelas da solidão humana podem ser narradas de algum modo, sem deixar que se escape o equilíbrio entre o desencaixe existencial e a vontade de potência, eu creio ainda não ter lido nenhum autor que o soube esmiuçar isso melhor do que Hermann Hesse.

O LOBO DA ESTEPE é a autoproclamação da personagem que, solitário em sua essência, define-se como tal. Um ser humano em crise, só que provido de lucidez necessária para compreender sua natureza animalesca e desarmônica, tão honesto que quase o remete ao indizível.

Eis diante de nossas mãos a possibilidade de ler poesia em prosa, de teor angustiante no que tange a complexidade humana, mas acima de tudo, tragicamente enriquecida e bela.
Harry Haller é um homem entediado e a primeira parte do livro traz esse sentimento de modo quase indigesto ao leitor. Há neste ponto da narrativa um segmento confessional, auto analítico, de linguagem penitente que costuma causar certo enfado. Mas é proposital, o autor precisa mostrar quem é seu protagonista, ou seja, trata-se aqui de um caminho inescapável ao leitor.

Depois disso, a trama ganha vigor; Harry despe-se em sua dualidade, homem e lobo, então passamos a acompanhar seus confrontos antagônicos quase que insolúveis de alguém cujos preceitos burgueses o desagradam, mas que não consegue se livrar desse mal. A personagem demonstra seu asco social ao mesmo tempo em que se compreende como o arauto da mediocridade.

Sei que esta resenha soa um pouco hermética, mas o caminho é esse mesmo. A beleza de O LOBO DA ESTEPE não está na linearidade, portanto, não cabe fazer uma sinopse aqui. Até porque isso seria desnecessário pelo fato de que estamos falando de um clássico da literatura.

O livro retrata a necessidade de autoconhecimento, do caminho sem volta que é tentar compreender a si mesmo e que, embora mais árduo do que a felicidade obtida através da mera ignorância, Harry precisa angariar meios de escapar de sua cilada existencial para finalmente usufruir dos verdadeiros prazeres da vida, que numa definição epicurista, seria propriamente o prazer por meio daquilo que é mais simples.

O LOBO DA ESTEPE é um livro memorável por sua mensagem. Hermann Hesse espatifa sua personagem para, em seguida, juntar seus cacos enquanto nos cortamos em pequenas pontas. As referências em Mozart, no Teatro Mágico, na analogia do próprio nome do autor com as personagens, tudo aqui possui uma correlação, porém, nem um pouco conclusivo, o autor deixa tudo para a mera reflexão do leitor, o que é maravilhoso. E o faz sem se esquecer de sua observação pessoal, feita já no posfácio, em que Hermann Hesse sugere com humildade invejável, o que sua literatura criou na mente dos leitores da época e a verdadeira mensagem que gostaria de ter lhes passado... Eis uma obra atemporal, que como várias outras, jamais se esgotará em significado.

NOTA: 8,1

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