quinta-feira, 10 de outubro de 2019

RESENHA DE LIVRO – AGOSTO


No cenário literário brasileiro há poucos romancistas noir reconhecidos (é curioso, pois se trata de gênero agradável, que mistura mistério e elementos investigativos). E se esta sugestão corresponde mesmo à realidade ou se é apenas meu precário conhecimento dos grandes autores brasileiros, o fato é que Rubem Fonseca nos representa neste cenário como ninguém. Suas obras são tão bem desenvolvidas que parece estarmos lendo literatura noir britânica ou americana; países pioneiros deste gênero.

O mês de AGOSTO leva o título da obra, pois nos remete ao período de 1954 em que feitos históricos de incomensurável importância ocorreram em menos de três semanas daquele mês. O velho Rubem mescla a realidade com a ficção e dessa mistura ele nos entrega esta que a crítica considera a mais ilustre de suas obras.

Aqui temos muitos personagens inseridos de uma só vez, principalmente na primeira metade do livro, o que dificulta a identificação do leitor. Mas com um tantinho de perseverança pode-se distinguir a figura central da trama, o comissário de polícia Mattos, de longe é a personagem mais intrigante da história. Novamente Rubem Fonseca prova ser um sofisticado criador de figuras fascinantes. Mattos é um homem de princípios dentro de uma polícia desmanchada em corrupção; profissional austero e um pouco introvertido, que encara seu trabalho investigativo com incansável zelo, além de sofrer intermináveis apuros, por conta de sua tumultuada vida íntima e nas mãos de uma úlcera.

No aspecto histórico, temos o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda que desencadeia em pressão da oposição que acusa Getúlio Vargas de ser o mandante, os nebulosos e fétidos bastidores políticos, conspirações de golpe de estado, o suicídio do presidente, as manifestações populares que sacudiram a nação. Tudo isso permeia a trama que intercala capítulos os quais se iniciam com as investigações do comissário Mattos à cerca do assassinato de um empresário bem sucedido.

Conforme as investigações avançam, o autor vai amarrando uma deliciosa ambientação de suspense, onde possibilidades distintas pairam na mente do protagonista, enquanto seguem os acontecimentos marcantes daquele inesquecível agosto. Há aqui o leque amplamente aberto para diversas possibilidades.

Um aspecto que me incomodou um pouco foi a constância narrativa em cima dos acontecimentos históricos que praticamente os tiram da condição de pano de fundo, tornando a trama técnica demais e com muita informação que a meu ver não precisavam ser jogadas na trama; poderiam ter sido mencionadas em leves pinceladas. Rubem parece ter se preocupado demais em relatar fatos históricos, como se isso fosse fundamental para sua narrativa (em alguns momentos senti até mesmo certo enfado, coisa rara de se acontecer quando leio este exímio autor). Mas justamente quando a obra retoma o teor investigativo, o gás se renova de imediato, principalmente porque Mattos é uma personagem muito bem ajustada com a trama.

O final tem aquela boa dose fonsequiana que privilegia o desfecho inerente e despudorado. Rubem não relativiza nem conduz sua narrativa em prol do protagonista, apenas deixa tudo rolar do modo mais orgânico possível.

AGOSTO não é meu livro favorito de Rubem Fonseca. Mas é bem escrito, possui personagens cativantes e consegue manter um bom suspense policial por quase toda a trama... Como em toda obra deste autor, este título também vale muito à pena ser lido.

NOTA: 7,9

Nenhum comentário:

Postar um comentário