sábado, 23 de janeiro de 2021

CONTO - A MÁSCARA DA VERDADE

 

Há muito tempo, quando homens ainda eram seres honrados a ponto de que lhes fosse permitido estabelecer interações com o divino, eis que um Deus pagão presenteou estimado rei por toda sua equidade, dando ao homem a Máscara de Aravín, um item singular que tinha o poder de revelar qualquer verdade desejada, bastando apenas que seu portador a colocasse no rosto. Havia somente um único requisito: uma vez usada, a máscara perderia seu efeito.

Sabendo da preciosidade a qual tornara-se possuidor, o rei guardou zelosamente a Máscara de Aravín para somente usá-la quando fosse, de fato, por uma causa extremamente importante.

Por muitas vezes o rei se viu tentado a descobrir verdades, como quando esteve em guerra contra outros reinos e ansiava por descobrir quais eram os planos do inimigo. Porém, sempre que buscava a máscara para utilizar seu poder de descobrir a verdade, pairava em sua mente o receio de que no futuro, urgência maior poderia surgir e ele já não contaria com o poder extraordinário da máscara. Afinal, aquela imposição de que, uma vez usada, a máscara perderia seu poder, inundava a mente do rei de incertezas quanto a hora certa de utilizar.

Então o tempo passou e quando o rei se deu conta, estava velho, acamado e enfermo, perto do fim de sua vida monárquica. Não havia mais nenhuma certeza a qual ele quisesse saber; a morte estava perto demais para que restasse algum anseio sobre um mundo no qual em breve ele não faria mais parte. O rei mandou chamar seu filho, sucessor do trono, e a ele deu a Máscara de Aravín.

“Use-a com sabedoria, meu filho”, orientou o rei “porque a máscara só lhe dará uma chance de descobrir a verdade”.

O herdeiro assumiu o trono e manteve o presente divino seguro. Considerava-se um homem estrategista e sensato. Ele saberia o momento certo de usar o item mágico. E de fato, o jovem rei resistiu aos maiores ímpetos, como suspeitas de traições entre seus generais, curas para enfermidades horrendas... Nem mesmo uma crise paranoica, sobre rumores de que sua amada esposa estivesse lhe traindo, foi capaz de fazer com que o rei retirasse a máscara de sua arca secreta e a aproximasse do rosto. Quando diante do objeto sublime, o rei sempre hesitava, temendo que uma catástrofe futura acometesse seu reino e ele já não pudesse mais contar com a revelação da verdade.

E assim, a Máscara de Aravín foi transferida para os sucessores do trono, sem que nenhum deles encontrasse o instante crucial em que devesse ser usada. Até chegarmos à idade média, em que reinos foram desfeitos e a máscara foi parar em um museu da região norte da Europa. Aberto a visitação, a inigualável peça deixou de ser vista como instrumento de descoberta da verdade, para ser encarada como mero objeto de antiguidade. Pessoas contavam sobre a surpreendente história da Máscara de Aravín e seu poder de conceber a verdade, como se fosse apenas um mito alegórico.

Então a idade moderna chegou e, com ela, as duas grandes guerras mundiais. A devastação do período fez com que a máscara se perdesse em escombros, também houveram rumores dizendo que ela fora extraviada e vendida no mercado negro. Permaneceu desaparecida até os anos atuais, quando um jovem turista passeando pela Ásia encontrou a máscara numa singela loja de antiquários. Achou-a bela e comprou por valor simbólico, sem saber de sua história fantástica. Antes de sair da loja, o rapaz perguntou ao vendedor sobre o endereço de um teatro específico. Sem dar muita importância, o vendedor disse desconhecer o local.

Percorrendo ruas, o turista seguiu seu passeio despretensioso, ciente de que, cedo ou tarde, encontraria o referido teatro. E sentado numa praça, acometeu-se de ato jocoso e colocou a Máscara de Aravín no rosto para fazer uma self e mandar para sua namorada.

Naquele instante, sentado no meio da praça, a face coberta pelo instrumento divino, algo se iluminou na mente do rapaz. Então ele se levantou e foi em direção ao seu intento, sem entender como foi que, milagrosamente, se via conhecedor do caminho até o teatro que ansiava conhecer.  

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