Em tempos extremos de desesperança por todos os âmbitos existenciais, onde quase não restam lugares de alento em que se possa buscar algum escape, eis que a literatura segue firme em sua função de amainar mentes em trevas. Parece que vivemos tempos de tragédia imutável, a qual nem é prudente dizer que não pode piorar, porque é uma falácia equivocada, cujos últimos dois anos nos ensinaram que, sim, sempre haverá espaço para piorar: uma pandemia interminável, um governo federal deliberadamente escroto, a fome que voltou a ser constante na vida dos brasileiros, violência por todos os lados..., talvez Sartre tivesse razão quando disse que o mundo poderia, sim, sobreviver sem a literatura, mas passaria muito melhor sem o homem.
Refletindo sobre essa ideia,
sinto-me em conflito existencial justamente por conta da exoneração sugerida.
Afinal, um mundo sem literatura seria, fatalmente, um lugar sem o homem (a
definição homem aqui refere-se ao ser humano em geral. Vivemos tempos em que o
óbvio precisa ser explicado, incessantemente). Sim, pois é o homem quem
constrói a literatura..., talvez e, somente talvez, o mesmo Sartre estivesse
correto, porém, relativamente destoante ao dizer que o inferno são os outros. Porque
se isso for uma constante, deve-se também ser levado em consideração o fato de
que o paraíso também são os outros.
Os grandes autores da
literatura compuseram um verdadeiro éden ao alcance de qualquer um de nós que
sustente o mínimo de interesse, disponibilidade substancial relativa ou uma
biblioteca decente em sua cidade.
A aniversariante aqui
homenageada nos deixou um legado incomensurável!
É impossível para este leitor
que vos escreve esquecer do aniversário da nossa querida rainha. Além do fato
de estar reverenciando a maior escritora judia desde Franz Kafka, Clarice
Lispector nasceu um dia antes do meu aniversário. Portanto, na semana de seu nascimento
eu costumo interromper minhas leituras para viver uma semana especial; uma
semana de Clarice..., e o poder de sua literatura continua me salvando dos
males mundanos.
Esta semana na companhia da
senhorita Lispector eu escolhi reler A LEGIÃO ESTRANGEIRA. Deliciosa coletânea
de contos que permeia, como é marca registrada da autora, os distúrbios e expectativas
existenciais. O ser humano na literatura de Clarice é o objeto profundamente dissecado.
Atente-se, sobremaneira, para
o estilo escritural da autora, regido sempre por uma sensibilidade extraordinária,
Clarice demonstra através de seus personagens em que medida a tragédia e inconstância
se movimentam e podem convergir para imagens de rara beleza e densidade.
A releitura é sempre um novo
encontro. A evidente experiência situacional explicitada em cada conto, denota
o encaixe preciso; cedo ou tarde o leitor será capturado pela sedução do texto.
E geralmente o reencontro com o mesmo texto, transformado que foi o leitor pelo
tempo, proporciona um novo prazer; um novo aprendizado..., a literatura de
Clarice evolui conforme relemos. Não por acaso alguns críticos sugerem que a
literatura de Clarice Lispector é como bruxaria.
Mas tentando evitar o requinte
desnecessário, fica aqui apenas minha singela lembrança e recomendação para que
você também descubra essa gênia da escrita. Permita-se! Não tenha medo de
mergulhar no improvável escuro da alma humana. Logo após o assombro, vem a
introspecção..., e por fim, o encantamento!
FELIZ ANIVERSÁRIO, QUERIDA CLARICE!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário