sábado, 18 de dezembro de 2021

RESENHA DE LIVRO – INFÂNCIA

Por razões que me escapam, Vidas Secas segue como obra que ainda não alcançou meu caminho de leituras. Graciliano Ramos continua, igualmente a outros gigantes da literatura nacional, uma grandiosidade assombrosa que intimida por seu pedestal alçado pela crítica erudita, mesmo que eu seja consciente de que a leitura de qualquer obra é uma experiência singular e distinta do escopo técnico e, portanto, nem um pouco opinativa. Careceria de mil anos para conhecer tudo de bom que a literatura mundial tem a oferecer; e é lamentável saber que não terei vida para desfrutar de tudo o que anseio ler.

A primeira porta que abri para o universo de Graciliano foi este INFÂNCIA, livro que mistura suas memórias primitivas com um tanto do desenvolvimento artístico do criador, recheado de elementos que denotam um propósito confessional seco, sem nenhuma pretensão ao eufemismo, tão comum nesse tipo de literatura.

INFÂNCIA se trata de uma narrativa das primeiras memórias do autor, construídas em capítulos curtos, com linguagem pouco cândida, mas vernizada por lirismos corteses. E embora a simplicidade do título ou a impressão que se tem de meras memórias de um passado longínquo, temos aqui uma obra que soa melhor como incursão autoanalítica mordaz e nem um pouco misericordiosa, quase um diário. É uma não criança falando da criança que um dia foi, sem a neutralidade da inocência, cujo cenário nordestino de pobreza, miséria e violência são quase palpáveis.

Temos aqui uma reunião de lembranças de tempos remotos misturados à ficção proposital, que como tal, é usada nesta obra talvez para preencher lacunas ou o cacoete característico do escritor fosse inseparável de sua literatura, mesmo quando esta possui uma premissa altamente biográfica.

É curioso a percepção que tive ao ler o relato que o autor fez de suas primeiras impressões com a literatura. Graciliano não se considera uma existência extraordinária, pelo contrário, vê-se como alguém ineficiente e incapacitado, que diferente do que pensa o senso comum, fez da literatura sua maneira de fugir da própria mediocridade. Não está lá implícito no texto, mas Graciliano deixa isso bem claro em muitos momentos. Foi a primeira vez que encontrei esse tipo de manifesto de escassez existencial, pela qual me identifiquei totalmente.

Há momentos em que algumas frases se perdem pela linguagem desusada e característica de uma comunidade. Contudo, mesmo isso não foi empecilho para que eu seguisse adiante com a leitura, até porque o charme da obra bebe da mesma fonte.

INFÂNCIA é um livro forte. Vai falar sobre a percepção de um olhar de menino, que equivocada ou não, denota a intensidade que este período da vida causa em cada um de nós; das violências verbais e físicas, a alienação existencial, falta de estrutura moral, psicológica e também social, um coquetel de traumas que moldará os alicerces de cada ser humano..., eis um livro necessário.

NOTA: 8,2

Nenhum comentário:

Postar um comentário