Por razões que me escapam, Vidas
Secas segue como obra que ainda não alcançou meu caminho de leituras. Graciliano
Ramos continua, igualmente a outros gigantes da literatura nacional, uma
grandiosidade assombrosa que intimida por seu pedestal alçado pela crítica
erudita, mesmo que eu seja consciente de que a leitura de qualquer obra é uma
experiência singular e distinta do escopo técnico e, portanto, nem um pouco opinativa.
Careceria de mil anos para conhecer tudo de bom que a literatura mundial tem a
oferecer; e é lamentável saber que não terei vida para desfrutar de tudo o que
anseio ler.
A primeira porta que abri para
o universo de Graciliano foi este INFÂNCIA, livro que mistura suas
memórias primitivas com um tanto do desenvolvimento artístico do criador, recheado
de elementos que denotam um propósito confessional seco, sem nenhuma pretensão ao
eufemismo, tão comum nesse tipo de literatura.
INFÂNCIA se
trata de uma narrativa das primeiras memórias do autor, construídas em
capítulos curtos, com linguagem pouco cândida, mas vernizada por lirismos
corteses. E embora a simplicidade do título ou a impressão que se tem de meras
memórias de um passado longínquo, temos aqui uma obra que soa melhor como incursão
autoanalítica mordaz e nem um pouco misericordiosa, quase um diário. É uma não
criança falando da criança que um dia foi, sem a neutralidade da inocência,
cujo cenário nordestino de pobreza, miséria e violência são quase palpáveis.
Temos aqui uma reunião de
lembranças de tempos remotos misturados à ficção proposital, que como tal, é
usada nesta obra talvez para preencher lacunas ou o cacoete característico do
escritor fosse inseparável de sua literatura, mesmo quando esta possui uma
premissa altamente biográfica.
É curioso a percepção que tive
ao ler o relato que o autor fez de suas primeiras impressões com a literatura.
Graciliano não se considera uma existência extraordinária, pelo contrário,
vê-se como alguém ineficiente e incapacitado, que diferente do que pensa o
senso comum, fez da literatura sua maneira de fugir da própria mediocridade.
Não está lá implícito no texto, mas Graciliano deixa isso bem claro em muitos
momentos. Foi a primeira vez que encontrei esse tipo de manifesto de escassez
existencial, pela qual me identifiquei totalmente.
Há momentos em que algumas
frases se perdem pela linguagem desusada e característica de uma comunidade. Contudo,
mesmo isso não foi empecilho para que eu seguisse adiante com a leitura, até
porque o charme da obra bebe da mesma fonte.
INFÂNCIA é um livro forte. Vai falar sobre a percepção de um olhar de menino, que equivocada ou não, denota a intensidade que este período da vida causa em cada um de nós; das violências verbais e físicas, a alienação existencial, falta de estrutura moral, psicológica e também social, um coquetel de traumas que moldará os alicerces de cada ser humano..., eis um livro necessário.
NOTA: 8,2
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