Algumas leituras me causam deslocamento, um empurrão nem um pouco sutil para
fora do lugar comum, e caio num espaço de reflexão interminável. Isso aconteceu
quando tive minha primeira experiência na literatura de Hermann Hesse. O
LOBO DA ESTEPE foi uma leitura subversiva ao mesmo tempo imersiva; foi um
daqueles livros em que desejo voltar à suas páginas, mas sei que dificilmente
isso acontecerá, porque tenho mais leituras por fazer do que tempo disponível.
E diante desse cenário insolúvel de anseios improváveis, aguardava pela chance
de obter outras obras de Hesse para seguir desbravando seu vasto universo. Não
por escolha, mas por acaso, me deparei com este VIVÊNCIAS.
Pois a expectativa de uma
leitura abundantemente introspectiva se desfez, o que não foi algo ruim. Surpreendi-me
com um texto em primeira pessoa, leve e inteligível, quase uma conversa com o
leitor. VIVÊNCIAS é um conjunto de textos cujo olhar independente do
autor impera, de relatos triviais que convida o leitor a ler mais uma página. Um
estilo bem distinto de sua obra mais famosa e que citei no início, onde o fluxo
de consciência permeia todo seu conteúdo.
Aqui temos uma antologia de crônicas
de Hesse, reunidas em tempos longínquos de sua vida; experiências pessoais que
vão desde a juventude de Hesse até tempos mais maduros, quando o escritor
alemão migrou para a Suíça. Um conteúdo de linguagem limpa e lúcida, de
destaque para a notória sensibilidade contemplativa do autor.
Algumas crônicas trazem
experiências de Hesse, as quais temos maior proximidade com os estímulos e suas
conclusões. Há textos os quais cheguei a me familiarizar com a forma dele
enxergar ao redor e a si mesmo. Hermann Hesse revela notória lucidez de suas
limitações acerca da própria estrutura existencial, principalmente quando lida
com mulheres, o escritor não esconde sua natureza introvertida e, ao mesmo
tempo, indignada com o fracasso recorrente dessa condição.
Alguns textos possuem um olhar
mais externo, de impressões adquiridas apenas pela observação ou pela condição
de ouvinte, em que Hesse vai nos contar aquilo que ouviu de outras pessoas que
passaram pela sua vida.
A lanterna espiritual do autor
parece iluminar lugares lúgubres de sua mente e o que ele registra é exatamente
aquilo que sentiu quando vivenciou. A composição é amplamente orgânica, sem
nenhum receio de desnudar-se, dizer equívocos ou rir de si mesmo.
Encontramo-nos a nós, limitados e imperfeitos seres, em vários pontos da obra.
VIVÊNCIAS foi uma leitura
fluida, que apesar de completamente discrepante do modo narrativo destilado no LOBO
DA ESTEPE, tratou-se de uma variação agradável; desconhecida faceta que fez com
que se elevasse meu interesse em seguir explorando a literatura deste vencedor
do Nobel de Literatura. Não sei se este serve como livro de entrada em razão
dessa mesma inconsonância, mas vale como leitura pela alta sensibilidade,
linguagem coloquial e honesta de Hesse.
NOTA: 8,2
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