sábado, 7 de maio de 2022

RESENHA DE LIVRO – TERRA VERMELHA

No clássico romance O Cortiço (tem resenha aqui no blog), o autor Aluízio Azevedo, metaforicamente transforma o cenário de sua obra, ou seja, o próprio cortiço do título, em seu personagem principal. Nele, estância é como um todo substancial e os demais protagonistas, que vão surgindo ao longo da trama, são como as células que mantém este organismo vivo. Neste trabalho estupendo de Domingos Pellegrini, intitulado Terra Vermelha, ocorre semelhante alegoria de dar vida ao lugar. Contudo, um pouco mais amplo do que ocorre no clássico de Azevedo, aqui a Terra Vermelha permeia todos os espaços, quase ao ponto de o leitor sair meio empoeirado de rubro, após terminar a leitura. E embora a referência geográfica que intitula este trabalho não esteja personificada na essência da trama, como acontece em O Cortiço, seria incompleto narrar a história de seus protagonistas, José e Tiana, sem o relato do surgimento desta ilustre região, que atualmente recebe o nome de Londrina.

Nesta trama Domingos Pellegrini (que rapidamente está se tornando um dos autores mais resenhados do blog) narra o progresso de seus personagens simultaneamente. A Terra vermelha já estava lá, ilesa e singular; e seus desbravadores, José e Sebastiana, já eram existências banais em algum canto da imensidão de possibilidades mundanas. Então eles se encontram, primeiro José e Sebastiana, depois os dois descobrem a Terra, e então passamos a acompanhar a evolução dos três protagonistas.

Na década de 30, José e Tiana formam um casal de colonos que, juntamente a outros desbravadores, irão povoar essa terra misteriosa e intensa que futuramente será batizada de Londrina. A trajetória é requintada pela narrativa prosaica e prolixa deste autor, que faz uma composição de romance histórico e biográfico, cuja minúcia e originalidade tornam a experiência da leitura algo crível, a sensibilidade aos detalhes na vida de seus narrados, juntamente à descrição do nascimento de uma região notória do Paraná, deixa tudo tão eloquente que há momentos em que parece estarmos diante de um texto verídico..., tal mescla faz deste livro um volume singular.

TERRA VERMELHA é uma trama dentro de outra trama. Começa com um José desafortunado, num leito de hospital, lânguido, o crepúsculo a velar-lhe. Enquanto isso, os filhos, basicamente indiferentes, apenas aguardam, alguns sem esconder o enfado ante o destino do pai que parece inevitável. É precisamente esta espera o conteúdo da obra; é nesta espera de sete dias e sete noites, que então alguns deles irão rememorar os feitos e as aventuras de seus genitores.

A conjuntura revela pouco dos filhos, e parece ser proposital, apenas denuncia o atual instante, ali, no hospital a velar o pai. Podemos verificar conflito entre eles, a amofinação, o desconforto, a desconfiança, a insignificância do ato, até mesmo a avareza condicionada pelo moribundo, cujas diárias de internação custam muito caro. Porém, a proza entre eles é o convite à história de José e Tiana, os genitores da família que desbravaram a terra vermelha, e o leitor entra de cabeça na vida dos Pellerinis. Em alguns instantes ficamos tão submersos que subcapítulos se mostram necessários para nos resgatar de volta ao presente, na sala de hospital, onde José segue diante da ampulheta da morte a derramar os últimos grãos e os filhos esperando pelo fim, como abutres ansiando o último sopro. Tais instantes soam como intervalos da narrativa; ou seja, uma trama dentro da trama; quase como um corte providencial, um espaço dedicado aos patrocinadores, enquanto vamos até a geladeira nos recompor com um copo d’água.

TERRA VERMELHA e uma obra estupenda! Certamente muitos leitores irão se familiarizar com a brasilidade de José e Tiana; gente que viveu num tempo diferente, que exigia maior austeridade e pouca vaidade; gente que viu cidades começarem do zero, que tiveram o contato direto com a natureza a ser desbravada..., sendo eles mesmo, os primeiros cidadãos, tão identificados com essa mesma natureza austera, selvagem e rubra.

NOTA: 8,4

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