quinta-feira, 13 de outubro de 2022

RESENHA DE LIVRO – QUANDO NIETZSCHE CHOROU

Que seja explicitado: aprendi a gostar da literatura de Irvin D. Yalom lendo seus trabalhos menos expressivos; posso até salientar que pouco interesse tinha por esta que é sua obra mais notória, não por envolver um filósofo que aprecio, mas pela consciência dessa fascinação exacerbada ao redor da trama à ponto de alguns educadores oferecerem a obra para compreensão de Friedrich Nietzsche, sugerindo que o conteúdo fosse além de sua pretensão como literatura de entretenimento.

Manifesto que isso é um preconceito de minha parte, pois evitar aquilo que nunca se leu, apesar de se conhecer o autor, é julgar sem antes ter experienciado. Portanto, o livro veio parar em minha estante por acaso, quando o encontrei em promoção durante uma de minhas garimpagens num Sebo.

Outro problema pode estar precisamente na expectativa que criei sobre o autor, o que é meio que um paradoxo perante minha desconfiança, afinal, sei muito bem do potencial de Yalom com sua narrativa que mescla elementos filosóficos, psicológicos e introduz embates instigantes em suas personagens, algo admirável. Ou seja, ao mesmo tempo em que me recusava a ler este livro, também sustentava a confiança de que estava levando para casa outra boa leitura.

Contudo, a desconfiança se fez assertiva, QUANDO NIETZSCHE CHOROU é o livro mais fraquinho que li do autor e, apesar de não ser propriamente um trabalho ruim, considerei-o o menos envolvente dos lidos até hoje na bibliografia de Yalom, e o restante dessa resenha é uma tentativa de expor os elementos que embasam essa opinião.

Quando o famoso médico judeu Josef Breuer recebe a visita de Lou Salomé, uma sedutora mulher russa, o médico é intimado a ajudar a cuidar da delicada saúde de um amigo importante de Lou, um até então pouco expressivo intelectual chamado Friedrich Nietzsche. A mulher faz uma recomendação para que o Dr. Breuer mantenha o pedido em segredo, dada a natureza orgulhosa do paciente. Ou seja, para ajudar Nietzsche, o médico precisará ir ao encontro do filósofo e ajudá-lo sem que o outro perceba essa intenção... Temos o nosso enredo.

À priori, a premissa parece meio descabida ou sem sentido, mas isso não chega a incomodar, pode-se relevar facilmente essa condição narrativa para o encontro entre os dois principais personagens da trama, dr. Breuer e Nietzsche. No entanto, creio que conjunturas mais pertinentes poderiam ser introduzidas nas personagens.

Quanto ao aspecto que mais me incomodou na leitura ocorre desde o instante em que o filósofo cujo nome intitula a obra aparece e perdura por todo o texto: uma exacerbada reverência sobre a figura de Nietzsche ocorre já nos primeiros parágrafos em que ele surge na narrativa. E embora isso talvez fosse apenas uma bajulação introdutória, cujo intento seja enaltecer a figura de Nietzsche, tal condição não decresce, chegando a tornar alguns instantes intragáveis. Primeiro que por tudo o que Nietzsche representa para a filosofia, sua imagem não carece desse tipo de servilismo. E em segundo lugar, esse preciosismo escancarado interfere na maneira com que o enxergamos, tornando-o algo extraordinário demais e, portanto, menos crível.

Vale ainda mencionar para os leitores que ainda não conhecem a obra de Irvim D. Yalom, que em seus textos não há espaço para elementos como suspense, reviravoltas, impactos emocionantes ou agilidade linguística. A literatura desse autor segue sempre uma pegada invariável, cujo ápice fica nos diálogos cheios de elementos psicanalíticos e filosóficos que são estabelecidos entre suas personagens. E dentro desse aspecto há instantes bons aqui, o livro enriquece muito quando o autor deixa de se concentrar na idolatria à Nietzsche, para fazer o que faz melhor: narrar os enfrentamentos existenciais de suas personagens.

QUANDO NIETZSCHE CHOROU é um best-seller que merecidamente tem seu lugar de destaque no universo literário, porém, deixa-se seduzir demais pela personagem central da trama. Reconheço-me como parte da minoria que não considerou a trama tão grandiosa assim, mas sou consciente da existência dos bons elementos narrativos que fizeram de Yalom este consagrado escritor.

NOTA: 6,7

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