terça-feira, 13 de dezembro de 2022

RESENHA DE LIVRO – CEM ANOS DE SOLIDÃO

Quem acompanha as resenhas aqui do blog sabe que não sou muito inclinado a resenhar os clássicos da literatura. E embora o livro alvo desta reflexão seja daqueles gigantes, tão aclamado que até quem não tem o hábito de ler já ouviu falar, eu resolvi registrar alguns parágrafos, pois minha leitura da obra se mostrou um misto de prazer, nostalgia, comoção e algum enfado.

A sinopse meio que não instiga, pelo menos foi essa a impressão que tive quando precisei fazer uma sinopse verbal para uma colega de trabalho, curiosa sobre do que se tratava o livro: basicamente acompanhamos a história de sete gerações da família Buendía, cujos membros parecem destinados a viver alguma forma de solidão por todas as suas vidas, e então passar adiante essa dor essencial. Sim, pois “os filhos herdam as loucuras dos pais”, nas palavras do próprio autor e nobel de literatura Gabriel Garcia Marques. Concomitantemente à trajetória da família Buendía está o nascimento da fictícia cidade de Macondo, onde se passa todo o romance e palco de situações que misturam o real e o místico; Macondo quase chega a sustentar o mesmo teor transcendental que ocorre com o cortiço, no livro de mesmo nome do escritor Aluísio Azevedo; aqui diferindo apenas pela narrativa situacional que não desvia a atenção das personagens. Mesmo assim, Macondo paira constante por toda a obra, como um ilustre coadjuvante.

Gabriel Garcia Marques é um escritor prolixo, quase uma metralhadora de palavras. Seus textos são diretos, mudam de foco despudoradamente e raramente se utiliza de recursos para descansar a leitura. Isso pode pegar de surpresa os desavisados, o que não foi o meu caso. Portanto, esta observação é válida, principalmente neste CEM ANOS DE SOLIDÃO, pois como estamos diante de muitas personagens, o estilo do autor pode causar um pouco de confusão. Mas para ajudar com isso a edição que li da editora Record traz uma árvore genealógica dos Buendía, já no início da leitura, o que facilita bastante com este entrave.

Talvez o grande sucesso dessa obra, sem mencionar o evidente talento desse autor em narrar grandes histórias, se deve ao fato de que CEM ANOS DE SOLIDÃO é uma narrativa centrada em personagens marginalizados que sofrem as opressões de regiões colonizadas, deixando a evidente identificação com a essência latino-americana do autor. Com sua mística Macondo, Gabriel Garcia Marques mostrou o lado sofrido e trágico da América Latina de um modo que talvez nenhum outro escritor conseguiu fazê-lo até hoje.

A narrativa segue na terceira pessoa, onde acompanhamos desde os primeiros membros da família, em cada geração particular, atentando-se para os requintes evolutivos da cidade e dos costumes. O autor tece sua história de forma imediata, e quando nos damos conta já se passou mais uma geração e estamos acompanhando um novo Buendía.

Fantasia e realidade também se misturam em todo momento, tão mesclados que fica difícil saber em quais instantes estamos diante de uma situação real ou imaginária vivida pelas personagens. Às vezes me perguntava se determinada situação era possível mesmo ou se estava acompanhando um relato alegórico cujo intento é mostrar algo subjetivo. Gabriel Garcia usa de maneira eficiente uma escrita cheia de promiscuidade linguística, talvez no intuito de tornar-se um pouco mais digerível toda a crueza e selvageria que permeia a sociedade daquele lugar.

Particularmente, eu fiz pausas para entender alguns instantes, principalmente por conta da já mencionada inserção de muitas personagens dentro de uma narrativa que pouco descansa. Alguns gostamos mais, outros nos afeiçoamos menos, aspecto absolutamente normal quando se está a ler um livro tão amplo de personagens; eis aqui mais um destaque deste extraordinário escritor: sua capacidade de desenvolver personagens altamente críveis, tornando os relatos próximo de uma pegada documental. Mesmo assim, houve instantes em que foi inevitável algum enfado na leitura, o livro ora se mostra um pouco truncado.

CEM ANOS DE SOLIDÃO é uma obra densa, de fácil linguagem, prolixa como já é marca de seu autor, e cheia de simbolismos, personagens amplamente humanos, tudo dentro de uma narrativa poderosa, dura e ampara cem anos de muita proximidade com a tragédia que tanto nos é característica.

NOTA: 8,8

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