Quem acompanha as resenhas aqui do blog sabe que não sou muito inclinado a resenhar os clássicos da literatura. E embora o livro alvo desta reflexão seja daqueles gigantes, tão aclamado que até quem não tem o hábito de ler já ouviu falar, eu resolvi registrar alguns parágrafos, pois minha leitura da obra se mostrou um misto de prazer, nostalgia, comoção e algum enfado.
A sinopse meio que não
instiga, pelo menos foi essa a impressão que tive quando precisei fazer uma sinopse
verbal para uma colega de trabalho, curiosa sobre do que se tratava o livro: basicamente
acompanhamos a história de sete gerações da família Buendía, cujos membros
parecem destinados a viver alguma forma de solidão por todas as suas vidas, e
então passar adiante essa dor essencial. Sim, pois “os filhos herdam as
loucuras dos pais”, nas palavras do próprio autor e nobel de literatura Gabriel
Garcia Marques. Concomitantemente à trajetória da família Buendía está o
nascimento da fictícia cidade de Macondo, onde se passa todo o romance e palco
de situações que misturam o real e o místico; Macondo quase chega a sustentar o
mesmo teor transcendental que ocorre com o cortiço, no livro de mesmo nome do
escritor Aluísio Azevedo; aqui diferindo apenas pela narrativa
situacional que não desvia a atenção das personagens. Mesmo assim, Macondo
paira constante por toda a obra, como um ilustre coadjuvante.
Gabriel Garcia Marques é um
escritor prolixo, quase uma metralhadora de palavras. Seus textos são diretos,
mudam de foco despudoradamente e raramente se utiliza de recursos para
descansar a leitura. Isso pode pegar de surpresa os desavisados, o que não foi
o meu caso. Portanto, esta observação é válida, principalmente neste CEM
ANOS DE SOLIDÃO, pois como estamos diante de muitas personagens, o estilo
do autor pode causar um pouco de confusão. Mas para ajudar com isso a edição
que li da editora Record traz uma árvore genealógica dos Buendía, já no início
da leitura, o que facilita bastante com este entrave.
Talvez o grande sucesso dessa
obra, sem mencionar o evidente talento desse autor em narrar grandes histórias,
se deve ao fato de que CEM ANOS DE SOLIDÃO é uma narrativa centrada em
personagens marginalizados que sofrem as opressões de regiões colonizadas,
deixando a evidente identificação com a essência latino-americana do autor. Com
sua mística Macondo, Gabriel Garcia Marques mostrou o lado sofrido e
trágico da América Latina de um modo que talvez nenhum outro escritor conseguiu
fazê-lo até hoje.
A narrativa segue na terceira
pessoa, onde acompanhamos desde os primeiros membros da família, em cada
geração particular, atentando-se para os requintes evolutivos da cidade e dos
costumes. O autor tece sua história de forma imediata, e quando nos damos conta
já se passou mais uma geração e estamos acompanhando um novo Buendía.
Fantasia e realidade também se
misturam em todo momento, tão mesclados que fica difícil saber em quais
instantes estamos diante de uma situação real ou imaginária vivida pelas
personagens. Às vezes me perguntava se determinada situação era possível mesmo
ou se estava acompanhando um relato alegórico cujo intento é mostrar algo
subjetivo. Gabriel Garcia usa de maneira eficiente uma escrita cheia de
promiscuidade linguística, talvez no intuito de tornar-se um pouco mais
digerível toda a crueza e selvageria que permeia a sociedade daquele lugar.
Particularmente, eu fiz pausas
para entender alguns instantes, principalmente por conta da já mencionada
inserção de muitas personagens dentro de uma narrativa que pouco descansa. Alguns
gostamos mais, outros nos afeiçoamos menos, aspecto absolutamente normal quando
se está a ler um livro tão amplo de personagens; eis aqui mais um destaque
deste extraordinário escritor: sua capacidade de desenvolver personagens
altamente críveis, tornando os relatos próximo de uma pegada documental. Mesmo
assim, houve instantes em que foi inevitável algum enfado na leitura, o livro
ora se mostra um pouco truncado.
CEM ANOS DE SOLIDÃO é uma obra densa, de fácil linguagem, prolixa como já é marca de seu autor, e cheia de simbolismos, personagens amplamente humanos, tudo dentro de uma narrativa poderosa, dura e ampara cem anos de muita proximidade com a tragédia que tanto nos é característica.
NOTA: 8,8
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