quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

RESENHA DE LIVRO - A REVOLUÇÃO DOS BICHOS

George Orwell foi, ao mesmo tempo, um crítico de governos totalitaristas os quais testemunhou em seu tempo, e um visionário do atual tempo em que estamos. E especificamente neste ano de 2022, um brasileiro lúcido diria que o escritor é mais do que um visionário; de fato, quem acompanha a realidade da atual política, onde nos defrontamos com a fragilidade das democracias no mundo, testemunhamos a intolerância coletiva cada vez mais centralizada em suas bolhas e a proliferação massiva de desinformação... Bem, talvez este singelo brasileiro se sentisse como mais um bicho pertencente a Fazenda do Solar.

Reitero que não costumo escrever sobre livros clássicos aqui no blog, e estava convicto de que não resenharia este A REVOLUÇÃO DOS BICHOS, afinal, quase tudo o que poderia ser pensado sobre este livro já o foi..., e por gente altamente qualificada. Mas a vontade de falar sobre esta excelente obra se deve ao crítico momento em que estamos vivendo neste ano. Pois a descrição do nascimento da barbárie está devidamente retratada aqui e foi como se eu estivesse lendo um agourento presságio.

Ao construir esta ficção distópica, George Orwell tinha por intenção criticar em específico o regime ditatorial estalinista (o livro foi publicado pela primeira vez no ano de 1945, quando o ditador russo Joseph Stalin estava no poder), cuja barbárie oprimiu o povo russo até o ano de 1953. O autor fez de seu conto uma sátira que explica de modo impressionantemente didático, como políticas extremistas surgem e se proliferam até alcançarem o poder máximo de um povo.

Na trama, um levante ocorre na singela Fazenda do Solar onde os animais se reuniram sob a convocação de alguns porcos, para depor o regime dos humanos, pois se viam convencidos de que a tirania da espécie dominante era o grande problema de suas limitadas vidas e que o mundo ideal que todo animal sonha depende do esforço coletivo em sobrepor o regime dos homens. Revolução feita, os animais assumem a fazenda e começa-se, então, um novo regime político, cujas funções são distribuídas conforme cada espécie, cabendo aos porcos o encargo de ser a parte legislativa desse novo processo.

Dentro do implantado Estado da bicharada, é instaurado símbolos identitário dessa liberdade arduamente conquistada: bandeira, hino, mandamentos, bordões, e o mais importante: uma proliferação massiva do medo coletivo, porque os inimigos (no caso aqui os homens e um porco considerado traidor do novo regime), espreitam constantemente e podem retornar a qualquer momento para reimplantar a escravidão coletiva.

Só que houve um paradoxo nisso: conforme o tempo vai passando, os animais, que antes criticavam o método escravista que lhes era imposto, passam a trabalhar cada vez mais; os símbolos foram se modificando de modo a perderem seus caráteres inclusivos; a liberdade sendo tolhida discretamente; os mandamentos trocados por instruções totalitárias e o medo seguiu como o elemento central para que a opressão sobre a fazendinha se mantivesse crescente em prol de interesses escusos.

Enquanto os animais trabalhavam de forma incansável sob a ideia de união que lhes soasse equitativo, os porcos cada vez mais se estabeleciam no comando e suas ações eram cada vez menos claras e incompreensíveis. E ao menor sinal de desconfiança de algum animal, sempre surgia um porta voz do “governo” trazendo justificativas insustentáveis e o constante reforço para a necessidade de união dos animais em prol de não permitirem que o mal retorne.

Soa familiar, amigo brasileiro?

Orwell criou uma sátira genial porque é cheia de elementos sórdidos incutidos na política e que ainda ressoam na contemporaneidade, ao mesmo tempo em que usa bichinhos que nos são familiares dentro de uma linguagem que é quase lúdica. A premissa de mostrar de modo simples a ascensão do fascismo em todos os seus elementos nocivos, operando de dentro de um sistema implantado, sem que nada seja percebido, instigando um sentimento de patriotismo banal no qual se estabelece a tirania de um grupo sobre outros ou minorias, desencadeando uma desigualdade violenta.

Resolvi resenhar este livro, porque é precisamente tudo o que está acontecendo no nosso país: o governo atual tem aspirações fascistas e segue a cartilha do absolutismo, que já têm seus símbolos erguidos: camisas amarelas, geralmente da seleção brasileira, frases prontas de fácil memorização e apelo nacional (Brasil acima de tudo e Deus acima de todos), grupos conservadores quase sempre religiosos, bordões geralmente de mal gosto e extremo nacionalismo, e principalmente, a proliferação do medo constante ao alegar que, ou é este governo ou o comunismo nos devorará, tendo o partido dos trabalhadores como o principal correligionário de um suposto inferno que nos espreita constantemente... Ou seja, talvez estejamos vivenciando o nascimento de mais um regime autoritário e extremista, exatamente como aconteceu na singela fazendinha do Solar.

A REVOLUÇÃO DOS BICHOS é mais uma obra genial de George Orwell, porém absurdamente contemporânea, e quanto a isto devo salientar que é uma pena... Livro imprescindível para o leitor que deseja conhecer a mácula do autoritarismo de modo franco e descomplicado.

NOTA: 8,2

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