quinta-feira, 12 de outubro de 2023

RESENHA DE LIVRO – UM LIVRO EM FUGA

Edgard Telles Ribeiro é um exemplo notório do quanto os brasileiros conhecem pouco a literatura de seu país. O próprio autor disse numa entrevista, já um pouco antiga, que seus livros são bem mais conhecidos no exterior do que aqui no Brasil. Diplomata aposentado, Ribeiro fez uso de sua condição nômade para levar suas obras a outros países e, por consequência, adquiriu certa notoriedade..., contudo, por aqui ele segue como um ilustre desconhecido. 

Talvez por conta do passado como diplomata, este UM LIVRO EM FUGA tenha algo de biográfico, como salientam alguns críticos sobre o quanto é impossível desvencilhar o autor de sua obra por completo. O protagonista aqui é um homem caminhando para a terceira idade, embaixador, segue uma existência meio cosmopolita, seu último abrigo na longínqua e desconhecida Samarkan, no Uzbequistão. Eis que por conta de questões familiares, precisa voltar ao Brasil, onde se hospeda na casa de uma antiga namorada...

Não há muito o que dizer em sinopse, UM LIVRO EM FUGA vai conduzir o leitor através do olhar de um homem que, apesar de parecer gostar de sua vida sem raízes, começa a sentir um incômodo existencial, como se um vazio progressivo estivesse em expansão em sua alma.

Essa noção surge inesperadamente quando, após dias acolhido na casa da antiga namorada, ela confessa que está noiva e prestes a se casar. De modo abrupto, o chão do protagonista desaparece, ele sente o baque de uma porta que considerou estar sempre aberta à sua disposição, de repente será fechada em definitivo.

As reflexões e autoanálise progridem ao longo da narrativa, nosso herói discorre muitas vezes para dentro do passado vivido com a ex esposa, um tempo em que supostamente havia aquilo que atualmente anseia: significado. Também quando se encontra com um velho conhecido e a mera presença de ambos parece suscitar uma época empolgante (ou exageradamente construída pela memória saudosista do narrador), mesmo que parte disso não chega a ser verbalizado à mesa, a noção de desencaixe com o presente é algo quase palpável.

UM LIVRO EM FUGA parece nutrir mais de um significado em seu título. Além de a personagem principal ser escritor (outro aspecto que coincide com o autor da obra) e estar em busca de um norte para seu novo trabalho, aqui as impressões sobre fuga também parecem transitar pela percepção que o protagonista tem a respeito de seu universo: seria algo em fuga de sua realidade ou ele próprio tentando escapar daquilo que se tornou?

Edgard Telles Ribeiro é um escritor minimalista e sensível. Agrada-me o modo com que conduz suas personagens (ou seria as personagens que conduzem o teclado do autor?) cheios de incertezas, para desfechos nem um pouco convencionais e, exatamente por isso, tornam-se deliciosamente críveis.

NOTA: 7,9

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