sábado, 22 de fevereiro de 2025

CRÔNICA – Algo perdido

Recentemente, solucionei um problema no trabalho que estava gerando dores de cabeça e apreensão em quase todos os envolvidos na empreitada. Sabe aquele impasse que aparentemente nos parece insolúvel? E por sustentar esse aspecto perseverante, entrei para buscar soluções usando uma postura completamente despretensiosa, ou quem sabe até pessimista. Pois eis que, três dias depois, consegui encontrar um caminho que possibilitou uma sucessão de ações dos colegas, até finalmente o problema ser resolvido em definitivo.

Ao notar o progresso na dissolução do problema, assim como o evidente alívio no olhar de cada envolvido, fui acometido por emoções que não sentia há anos: leveza, sensação de ter sido parte importante no processo, orgulho próprio pelo trabalho bem feito, satisfação comigo mesmo. E não teve nada a ver com ser bom no trabalho ou a vaidade manifesta pelo fato de eu ter encontrado um caminho para a dissolução. Apenas estava me sentindo bem, uma sensação que há muito não sentia.

Então criou-se dúvidas em minha mente quanto a isso:

Será que tudo o que nos propusermos a fazer na vida, carecerá do manifesto desses sentimentos para continuarmos motivados?

É possível se sentir realizado fazendo apenas o que se gosta, sem que isso precise gerar resultados objetivos ou aprovação de outras pessoas? Se sim, existe um limite para essa auto realização? A satisfação estaria diretamente ligada às consequências do meio social em que estamos inseridos?

Sabemos que no ambiente corporativo não existe motivação mais forte do que a mera necessidade de sobrevivência do trabalhador. Mas estou pensando aqui para além dessa necessidade básica, até porque o trabalho costumeiramente é ambiente umbroso no qual estamos inseridos apenas porque temos contas para pagar. Do contrário, dificilmente aceitaríamos as condições humilhantes que frequentemente somos submetidos por imposição.

Outras perguntas me invadiram com igual intensidade, porém, as demais são estritamente direcionadas a minha própria experiência de vida: porque não sinto mais essas coisas boas quando estou desenvolvendo os conteúdos de que gosto? Onde foi parar a satisfação que sentia ao verificar um produto acabado que considerei bem feito? Por que as coisas que antes eram agradáveis, hoje parecem tediosas e sem sentido?

Antecipadamente tenho uma observação a relatar: aquelas emoções boas que senti chegaram ao fim tão depressa quanto o dia virou noite e arremessou suas ações no passado. Contudo, também não sei explicar porque as reações positivas abandonaram meu ser tão precocemente.

Foi-se o tempo em que elaborar um texto me deixava alegre, ou o término de uma leitura auspiciosa. Sentar para escutar uma música até me causa algum relaxamento, mas está bem longe das emoções descritas no começo desta breve reflexão. E o mais curioso é que sentimentos positivos os quais parecem necessários à manutenção da minha potência de agir, foi ocorrer justamente no trabalho, ambiente onde isso muito raramente ocorre. Do meu ponto de vista, o trabalho sempre foi o lugar no qual me submeto porque tenho boletos para pagar que a literatura jamais foi capaz de resolver. Ou seja, sempre tive uma relação meramente pragmática com o emprego, enquanto a literatura era minha válvula de escape...

Deveria ser o contrário..., talvez um dia fora assim. Sou culpado por apreciar ocupações que demandam isolamento, persistência e resignação, eu sei muito bem disso. Sem o distanciamento social, o desprendimento de recompensas imediatas e desapego a resultados objetivos, a literatura torna-se impossível de ser erigida ou contemplada. Porém, antes havia uma coisa dentro de mim que atiçava minha motivação a continuar fazendo o que sempre fiz. Essa coisa parece ter se perdido..., de repente, senti que tive um reencontro com essa coisa no trabalho, naquele serviço executado com eficiência, tornando o ambiente inóspito da troca de tempo por dinheiro, num instante de enorme satisfação comigo mesmo.

O dia seguinte foi este texto..., frases incompreensivas pelo desinteresse em ser diferente. Foi só o que deu pra fazer, sem nenhum entusiasmo aparente e na incerteza de continuar criando para a inexistência de propósito, nem mesmo o ordinário ato de sanar o tédio deste que voz escreve.

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