Primeira obra publicada de Edgard Telles Ribeiro, minha expectativa ao ler este O CRIADO-MUDO, era alta, justamente por encontrar seu característico estilo linguístico, em que o autor estabelece um nítido predomínio das personagens sobre os eventos que os cercam, em seus trabalhos posteriores..., infelizmente não foi o que encontrei aqui, embora isso não desvalide a obra como um todo. Vamos falar um pouco sobre isso.
O CRIADO-MUDO conta a história de uma jovem viúva, casada por arranjo da família aos 14 anos com um homem de mais de 60, que após planejar e assassinar o marido rico, molda sua vida de viagens, romances e aventuras. Narrado pelo protagonista, Fernando, décadas depois da morte da viúva Guilhermina, ele recebe o convite para inauguração de um singelo antiquário, cujo nome chama sua atenção. A dona do estabelecimento é sobrinha neta de Guilhermina e foi atriz principal de um filme que Fernando dirigiu. Desse modo, toda a mobília exposta no antiquário, assim como tudo o que a tia-avó deixou para Andrea, servem como elementos que suscitarão diálogos que descortinam a trama.
A narrativa tem uma pegada dinâmica, faz intercalação de narradores, com uso de diálogos reconstituídos quando se trata do tempo passado. A condução, como costuma acontecer com romances pós-modernos, possui um estilo desarrumado que desafia o leitor, à medida que avança na leitura, a ordenar os fatos. Gosto desse tipo de retrospectos entrelaçados, a obra ganha em mistério. A trama é centrada em personagens que passam a se reconstruir a partir de suas lembranças ou do encontro com objetos que despertam memórias ou ponderações.
O título da obra faz
referência a um tipo de mobília comum nos antigos lares, mas no contexto da
obra, o criado-mudo adquire uma dimensão simbólica, refletindo o silêncio, a
solidão e o afastamento das relações humanas.
É aqui que ocorre algo que
incomodou um pouco durante minha leitura. O CRIADO-MUDO traz uma
abordagem um pouco diferente se comparado às outras obras de Edgard Telles
Ribeiro, como “A Moreninha” ou “O mundo dos Outros”. Enquanto muitos de
seus outros livros têm um tom mais introspectivo e uma análise profunda da
psique de seus personagens, O CRIADO-MUDO pode ser lido de forma mais
linear, com enredo que parece se concentrar mais nas interações cotidianas e
acontecimentos do passado, do que no característico mergulho denso da
complexidade humana, traço tão característico do autor.
A condução narrativa
intensifica muito os aspectos do cenário e dos acontecimentos ao redor,
deixando os envolvidos apenas como partes do cenário. A forma de linguagem é
rica em detalhes e estilisticamente cuidadosa, parece absorver grande parte da
atenção, deixando de lado a profundidade dos personagens. Contudo, que fique
claro não se tratar de um problema, mas de um método narrativo, focado mais na
experiência do ambiente e na impressão gerada pelos cenários, mas é um estilo
diferente do que veio a se tornar a escrita de Telles Ribeiro, posteriormente.
Quando se está familiarizado com o estilo de um autor, é natural que esperemos encontrar os elementos recorrentes que nos atraíram em sua bibliografia. E como este se trata de o primeiro trabalho do autor, talvez Telles Ribeiro estivesse explorando propostas diferentes e experimentando estilos narrativos, até encontrar a pegada introspectiva que se tornaria sua característica mais notória.
O CRIADO-MUDO é uma obra bem escrita, não cronológica, intercalada como recurso principal do autor o fluxo das lembranças dos envolvidos. Com uma sensação de movimento circular entre tempos, a trama imprime fluidez e beleza narrativa, porém, econômica nos aspectos introspectivos de suas personagens.
NOTA: 7
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