sábado, 18 de outubro de 2025

RESENHA DE LIVRO – A VIDA SECRETA DOS ESCRITORES

Sempre que me proponho a conhecer um novo autor, faço uma breve pesquisa na internet para compreender melhor o tipo de terreno que estou explorando. Contudo, opto por fazer essa atividade só após terminar a leitura, talvez num ato involuntário de não prejudicar eventuais surpresas favoráveis que a trama poderia proporcionar. Pois foi a pesquisa que fiz sobre o autor deste mediano A VIDA SECRETA DOS ESCRITORES, um romancista francês chamado Guillaume Musso, o que evitou que eu cometesse uma injustiça nesta resenha. Afinal, o livro não é propriamente ruim. O caso é que eu era um leitor desavisado sobre o conteúdo que estava levando pra casa.

Vamos falar sobre isso.

A VIDA SECRETA DOS ESCRITORES é uma obra sedutora tanto na estética visual quanto no título sugestivo; devo dizer que foi a combinação de ambos que me fez retirar aquele belo box da prateleira; trabalho charmoso feito pela editora L&PM, que reúne o livro físico, mais uma pequena revista contendo informações da ilha fictícia que é cenário da história, e um marcador de página.

Contudo, retirar da prateleira não garante que levarei o livro. E eis que a obra possui um terceiro elemento sedutor: a sinopse, que me deixou bastante curioso: escritor consagrado misteriosamente resolve abandonar a carreira e se isolar numa ilha. Vinte anos depois, um aspirante e fã decide viajar até o local para descobrir como vive este que é seu escritor favorito. No meio disso, também surge a figura de uma repórter aparentemente interessada em saber do paradeiro do recluso autor. E pra instigar ainda mais nossa curiosidade, um assassinato ocorre na pacata ilha…, eu devia ter desconfiado de que isso era muitos pressupostos inseridos num reduzido volume de apenas 220 páginas.

E é este, precisamente, o aspecto que me incomodou durante toda a leitura: tem coisa demais acontecendo, várias personagens rondando a narrativa, aspectos investigativos, enigmas ligados ao passado da personagem escritor, alternância de tempo dos fatos…, é um aglomerado de temas envolventes, mas sem nenhum aprofundamento, a narrativa é conduzida de modo rápido, como se estivéssemos lendo uma matéria de jornal.

O livro até sugere reflexões existenciais, questionamentos éticos, mas não possui densidade, a condução parece insistir em permanecer sempre na superfície. Guillaume Musso insiste em reviravoltas para prender o leitor, o que faz com que a consistência não exista em momento algum. Em vários momentos há citações de grandes autores fazendo introduções de capítulos, mas até mesmo isso parece estar lá apenas para seduzir. O texto possui uma sensação de urgência que incomoda leitores questionadores ou atentos, que buscam profundidade literária.

O autor concentra energia no enredo, mas se esquece do tecido narrativo que sustentaria a experiência estética. As personagens acabam funcionando mais como peças aleatórias de um jogo de tabuleiro simples; a escrita de Guillaume Musso é como uma partida de damas e isso vai incomodar leitores que pensaram se tratar de um jogo de xadrez, como foi o meu caso.

Minha introdução desta resenha foi justamente o que me trouxe a revelação: Musso é escritor de um estilo de literatura de “consumo rápido” (alguns críticos chamam isso de romance de aeroporto), sem a preocupação com espessura imersiva ou elementos reflexivos. A ideia é criar obras cujo conteúdo seja sedutor, mas sem a potência de permanecer ressoando na mente do leitor. Não é o tipo de literatura que me agrada. 

A VIDA SECRETA DOS ESCRITORES é uma obra que não vai além da sugestão em adentrar questões importantes, como vida íntima, bloqueio criativo e peso da fama. Mas o tal estilo comercial de literatura rápida puxa a trama e não deixa que saia da superfície. As temáticas parecem profundas, mas acabam tratadas de forma efêmeras, quase como se fosse o relato de alguém que você encontrou por acaso no ponto de ônibus.

NOTA: 6,1

sábado, 11 de outubro de 2025

RESENHA DE LIVRO – OS DESAFIOS DA TERAPIA

Recentemente rompi um tratamento terapêutico que vinha fazendo. Optei por não dizer a verdade quando a psicóloga me perguntou o motivo, achei que seria desconfortável dizer a verdade. O fato é que ela encarava nossas sessões de um modo excessivamente técnico; não havia nenhuma informalidade ou descontração; apenas uma mulher do outro lado da tela fazendo perguntas e eu respondendo a cada uma, sistematicamente. Essa descrição pode soar como a de uma autêntica sessão de terapia, mas é precisamente um dos erros apontados pelo autor Irvin D. Yalom, neste precioso e necessário trabalho, intitulado OS DESAFIO DA TERAPIA: a necessidade de fazer com que a terapia ganhe aspectos íntimos para que ela se pareça, cada vez mais, com uma conversa verdadeira e cúmplice, em vez de uma entrevista remota e cheia de formalidades, algo que afasta a chance de autenticidade por parte do paciente.

Yalom é um dos nomes mais influentes da psicoterapia contemporânea, e esta obra revela não apenas técnicas de casos clínicos, mas também as fragilidades, dilemas éticos e humanos do próprio terapeuta. Acima de tudo, o autor rompe com a visão tradicional do terapeuta como figura neutra e distante, como ocorria em minhas sessões com a psicóloga: ela assumia essa postura pouco humanizada de uma profissional que apenas observa o paciente; uma prática infeliz que afasta o paciente do processo terapêutico. Em minhas sessões, eu não me sentia dentro de uma conversa real; era mais como se eu fosse o objeto de trabalho de alguém.

O estilo narrativo do autor é leve e descomplicado. Diferente de manuais técnicos e textos acadêmicos, Yalom tece uma escrita híbrida que une casos clínicos narrados, reflexões existenciais, filosóficas e sua voz em primeira pessoa que não esconde suas inseguranças, erros ou dúvidas. O estilo dialógico aplicado aqui expõe conversas longas entre paciente e terapeuta, mantendo um lado orgânico e vivaz em cada encontro. Os capítulos são curtinhos, como se houvesse pausas para impedir que a leitura se torne maçante.

A obra parece, desde o prefácio, mostrar a que veio: quebrar a ilusão de neutralidade absoluta e mostrar que a autenticidade é infinitamente mais curativa do que formalidade. Enquanto a tradição terapêutica (sobretudo a psicanálise clássica) prega neutralidade e distanciamento, Yalom defende que o terapeuta se permita aparecer como ser humano, compartilhando emoções, dúvidas e fragilidades.

É como se o autor estivesse propondo o fim da hierarquia conservadora na psicoterapia. O terapeuta deveria deixar de ser uma “autoridade distante” para ser um companheiro de jornada, alguém que caminha junto através do processo de autodescoberta.

Evidente que o estilo menos arcaico proposto por Yalom não está isento de problemas. A entrega mútua no processo terapêutico pode ocasionar entraves como limites éticos, exposição excessiva, confusão sentimental. Mas o autor defende que o risco é menor do que a aridez de uma terapia puramente técnica. A modernidade na terapia está em aceitar a vulnerabilidade como parte do processo.

OS DESAFIOS DA TERAPIA é uma obra incrível por sua simplicidade, que pode ser lida tanto por profissionais, quanto por pacientes ou buscadores de conhecimento em geral. Para Irvin D. Yalom, a cura verdadeira e definitiva ocorre na qualidade da relação terapêutica: na confiança, na entrega, na presença mútua. É nesse espaço de encontro que paciente e terapeuta podem tocar em suas verdades mais profundas. Em um mundo marcado por alienação e relações superficiais, a terapia precisa oferecer a experiência radical aos envolvidos de ser visto e ouvido de verdade.

NOTA: 🔟😍