domingo, 27 de julho de 2014

CRÔNICA: A GERAÇÃO MIOJO


De repente, vemo-nos vitimados pela aceleração do cotidiano e a espantosa urgência das coisas as quais se apresentam diante de nós, como se as vinte e quatro horas dos dias houvessem se tornado insuficientes para suprir os “inadiáveis” compromissos mundanos; fazer, correr, cumprir, checar, intervir, enviar, saldar, entreter, usufruir, relacionar...

Mas espera um pouco aí; não acordamos de um recente coma de vinte anos e, tão pouco somos inusitados viajantes do tempo, enviados da década de cinquenta para ver como é o futuro. Então por que a urgência do mundo contemporâneo nos soa como um equívoco geracional?

Tudo bem que algumas mudanças recentes tiveram considerável influência em nossas vidas, e estas fizeram com que olhássemos com mais atenção para o determinismo da realidade em que estamos inseridos, em que a contingência paira constante. Mas a grande inquietação talvez seja a velocidade com que são exigidas as estas situações cotidianas, mesmo mais banais, precisam ser resolvidas imediatamente. E o pior: atualmente, rapidez parece ter se tornado sinônimo de eficiência. Não há mais tempo para discernimentos, aliás, este texto já deveria ter acabado há séculos, não é mesmo?

Afinal, pense comigo: você mal acabou de comprar aquele “I-tudo”, cheio de parafernália tecnológica recém lançado no mercado, e lá está o sistema capitalista lançando um modelo fresquinho, que faz aquele seu avançado aparelho, pareça algo obsoleto e ultrapassado, mesmo que essa percepção não corresponda a uma realidade concreta.

Gerações passadas gostam de se gabar sobre a ideia de que preparavam todas as coisas de modo minucioso, eram mais dedicados, integrados e interessados em almoços de domingo em família; uma atividade que perdurava ao longo de todo o feriado; encontro onde aproveitávamos a ocasião para fazer algo considerado quase bestial nos dias atuais: relacionar-se socialmente.

Será?

Hoje, no auge da demência urbana, somos integrantes de famílias modernas, que se locomovem de suas casas aos domingos para procurar por restaurantes que ofereçam uma realidade há muito perdida por essa noção irracional de urgência: comida caseira. E de preferência, que isso seja degustado dentro do próprio carro ou num recinto propositalmente desconfortável para que não fiquemos ali por muito tempo. Porque cliente que demora a se levantar gera prejuízo ao estabelecimento que precisa lucrar com a alternância; ambientes que privilegiam a demanda em detrimento do lazer.

Não estou comparando gerações nem alegando que o passado era melhor. Mas se acha que estou exagerando, então me diga: você levaria o seu carro num Lava-lerdo? Quando foi a última vez que você acatou uma sugestão do tipo “Pare pra pensar”? Parar e admirar então, vixe..., esqueça! Não temos mais tempo pra isso.

O fato é que nossos antepassados eram tão inadmissíveis quanto os somos. Mas é inegável que eles tinham qualidades que estão se perdendo ao longo dos anos... E duas dessas características em extinção é a paciência e o gosto pelo esforço. Creio que se continuarmos desse modo, logo a sociedade não produzirá mais grandes pianistas, escritores, pintores, entre outros..., funções cuja habilidade depende fundamentalmente de paciência e perseverança.

Tanta urgência o tempo inteiro nos tem feito perder o apreço pela qualidade. Interações consideradas corriqueiras, como um bate-papo despretensioso se tornou algo impensado. Vi-me cercado por essa falta, quando tentei interagir com outras pessoas neste mundo fugaz, usando para isso, ambientes modernos de interação entre pessoas: as redes sociais.

Funciona assim:

Cada indivíduo navega como se estivesse olhando para uma esteira rolante, onde as opções, ou seja, os outros navegantes passam rapidamente em seu perfil como se fossem mercadorias em vitrines. Então o internauta tem vinte, talvez trinta segundos para avaliar o “conteúdo” que se apresenta diante de si. E não perca muito mais do que isso, porque a esteira não para e outras opções estão chegando velozmente. Poste tudo aquilo que você faz de modo que todos que o visitem saibam que estão diante de uma pessoa feliz..., ah, e não fale muito com ninguém para que não pensem que você é um desocupado. Afinal, o ócio sempre foi visto como condição de gente irresponsável.

E o que é mesmo essa coisa de qualidade?

Ah, pro inferno com a qualidade! Não dá tempo de pensar sobre isso. Aliás, pra quê você precisa de qualidade se a esteira continua lotada de opções? Não importa o que apareça em sua frente, olhe rápido e pegue o que lhe parecer auspicioso.

Seja veloz, ou logo algum engraçadinho vai dizer bem na sua cara: “Eu tenho isso e você ainda não tem. Portanto, sou melhor do que você”. Ou pior ainda é se alguém perguntar: “você ainda não tem aquele produto?”, olhando como se você fosse um débil-mental por não ter adquirido algo tão óbvio.

Quer dizer que a atual geração é superficial e vazia?

Não. De forma alguma! Afinal, eu não sou nenhum velhote recalcado que aprendeu a usar o computador para destilar veneno contra este planeta conectado... Eu também estou no meio dessa geração miojo. Mas sei que talvez tenha vivido no tempo de transição dessas duas gerações, aparentemente distintas e que não se apreciam. Pude ver os tempos de dedicação ao acabamento minucioso e bem feito, sendo transformado na atual extroversão indispensável, talvez por influência da industrialização.

A geração atual possui sim grandes qualidades, mas como em qualquer outro tempo, não é tudo dessa atual sociedade que devemos levar como exemplo. Nem sempre a velocidade é sinal de serviço bem feito. Aliás, se não mudarmos nossos paradigmas, em muito breve a criatividade estará perdida; a arte que preza pela paciência, que hoje tanto irrita e nos deixa aflitos.

Não temos tempo para apreciar e discernir, mas sim, apenas “curtir”. Não há espaço para uma boa conversa, apenas uma breve e resumida xavecada, em tom de questão, daquele famoso jeito: “já é ou já era?”, aparentemente tão questionável.

Recentemente li uma conversa que vazou na internet entre dois jovens integrantes desta realidade acelerada, no qual o rapaz (que devia ter mais ou menos dezesseis anos), para conseguir levar uma garota (ainda mais jovem) para a cama, usou argumentos tão obscenos e explícitos, que pensei se tratar de alguma brincadeira entre amigos. Mas no breve fim das contas e para minha total estupefação, o rapaz conseguiu “ganhar a mina na lábia” e a levou para o motel. A comprovação do sucesso do engajado sujeito se deu pelo fato de que a história virou caso de polícia.

Boates e casas noturnas são ambientes compostos de música absurdamente elevada, justamente para desencorajar a tão ultrapassada abordagem verbal; aquela velha conversa nervosa e tímida que precedia uma conquista. Esqueça! Ali não é lugar para conversar, não dá tempo... Afinal, a esteira não para, não é mesmo?

Como dizia o grande Guimarães Rosa: “O animal satisfeito dorme”.

Parece que nos tornamos seres inconformados, escravos do acúmulo desenfreado e descerebrado. Portanto, não dormiremos nunca mais... Haja Lexotan.

RESENHA DE LIVRO – TEM ALGUÉM AÍ?


Uma coisa inusitada me ocorreu, conforme o avanço na leitura deste livro: certa familiaridade situacional entre mim e a personagem principal. Porque a grande temática á cerca deste “Tem Alguém Aí?”, outra esplêndida obra de Marian Keyes, é a busca pelo reencontro consigo mesmo; situação que desnuda o personagem desde o início da trama, até o seu comedido final.

A familiaridade decorre justamente nesse aspecto, porque Anna Walsh, personagem principal deste livro, começa sua trajetória percebendo que se encontra sozinha, e então ela parte em busca do reencontro consigo mesma. Algo que está atualmente acontecendo em minha vida.
Talvez esta leviana identificação com a personagem pudesse fazer desta resenha um tanto suspeita, pela simples perda de meu discernimento quanto á uma analise fria e imparcial. Mas aqui eu reencontro uma autora cujas habilidades para construir e, no caso deste livro, descontruir personagens, á coloca na condição de mestra. Marian Keyes é infinitamente superior á outras autoras que propõem o tema chick-lit (gênero voltado ao público feminino, principalmente por seu teor açucarado e infestado de situações que se assemelham á roteiro de novelas e seriados), e o que faz dela tão superior, é justamente o fato de que seus livros fogem desta pretensão novelesca, para colocar em pauta assuntos derivados da essência natural e muitas vezes a falha de nós seres humanos para lidar com o ineditismo da vida.

É muito rápido e fácil a identificação e, por consequência, apaixonar-se pelos personagens de suas histórias. Atrevo-me á sugerir Marian Keyes á qualquer público, mesmo o masculino, que normalmente desconfia de suas capas enfeitadinhas com beijinhos, coraçõezinhos e cores delicadas, algo tão característico nos livros da autora. Faça como eu tive que fazer um dia: antes de rotular, abra uma exceção e leia. Certamente você ficará impressionado com situações que lhe farão se lembrar de si mesmo, ou de alguém próximo. Talvez até, no auge de seu devaneio literário, você até possa jurar conhecer alguém dentro da história.
Maryan Keyes têm se aprimorado á cada novo livro. E este óbvio distanciamento dela com outros autores do mesmo gênero, faz com que eu a coloque entre os melhores autores modernos que já li. É culpa dela, o fato de outros títulos do chick-lit terem me agradado tão pouco.

Bom, a trama desta vez nos revela a história de Anna Walsh (o quarto á contar sobre uma das cinco irmãs Walsh). Ela nos é apresentada em situação de total debilidade; está completamente machucada, medicada diariamente com remédios pra dor, antidepressivos e calmantes. Isso já desperta nossa curiosidade com o que teria acontecido. E as coisas começam a nos ser entregues, quando Anna resolve retomar sua vida em Nova York, e ela parece focada principalmente no reencontro com seu marido, Aidan, que há tempos não volta pra casa e nem dá sinal de vida.
Em certos momentos, Anna se mostra um tanto obsessiva, dotada de doses constantes de baixa-estima, nos fazendo pensar que ela foi vítima de violência doméstica. Eu, particularmente, não sabia ao certo o que pensar sobre Anna. Mas conforme a trama se desenrolava, eu pude compreendê-la, e como disse no início da resenha, às vezes até me sensibilizar.

Marian Keyes nos acomete ao seu mundo com expressiva facilidade, nos angustia com dores que nos soa familiar, e nos faz rir de arrancar lágrimas... Então, seiscentas páginas parecem ter se tornado sessenta, tamanha facilidade com que a leitura se desenvolve. É o toque de Midas, desta gênia da literatura moderna.
É leitura recomendadíssima, não importa o seu sexo, conhecimento literário ou sua particularidade crítica. É bem provável que, quando você menos esperar, estará perdidamente apaixonado por este livro.

sábado, 12 de julho de 2014

CRÔNICA: DIA MUNDIAL DO ROCK

Conseguir um lugarzinho dentro de um ônibus coletivo em manhã de dia útil é basicamente o anseio que permeia a mente de todo usuário deste tipo de transporte. Mas talvez tão ruim quanto passar algum tempo em pé e espremido com outros trabalhadores, seja viajar sentado ao lado de alguém que, portador de carência incontida, sustenta incontida necessidade de conversar. E muitas vezes esse ato inesperado acontece no instante em que começava nos fones de ouvido aquele som bacana que massagearia a exaustão do pós-expediente. Desse modo, penando contra a própria vontade, vemo-nos obrigados a desligar a música, para decifrar o que já estava a sair dos lábios do malquisto, agraciando-nos com seus esquecíveis relatos, que se iniciaram antes mesmo de termos a chance de interromper o som.

Esse episódio se repete com certa frequência, e nunca, em nenhuma dessas infelizes ocasiões, eu fui contemplado por considerável abordagem ou alguma reflexão produtiva; nem mesmo uma notícia do mundo que realmente valesse à pena ser conversado... Nada.

Sempre são as mesmas perguntinhas vazias e comentários insossos: “Trabalhando muito, cara?”, “Como é que vai a vida?”, “E esse tempo maluco?”Você tá sumido, hein...” “esses ônibus estão sempre atrasados”. Abordagens as quais eu ofereceria todo o meu carinho, caso fosse um pouco mais honesto: “Sim, estou trabalhando muito. Mas seria melhor ainda estar no trabalho, do que conversando contigo”; “Sim, a vida estava perfeita até você se sentar do meu lado”; “Não estou sumido não, mas adoraria conseguir fazer isso agora”.

Admirarei devotamente aquele indivíduo que, ao se tornar meu inesperado acompanhante de cadeira do ônibus, perceber minha atitude forçada de desligar os fones, e simplesmente reconhecer o óbvio: “pode continuar escutando sua música, tranquilo, cara. Eu também amo as minhas e sei o que é isso”. Mas esse seria um alienígena; este modelo de passageiro, zelador da paciência alheia, talvez não exista. E seguirei com meu ato de desligar os fones de ouvido para dar atenção a alguém que só porque pertence à mesma condição social que eu, acha que temos a obrigação de papear no buzão.

Provavelmente, se você tolerou esse desabafo até aqui, deve estar me mapeando como um sujeito arrogante, chato ou antissocial. Mas me permita justificar esta minha inevitável transgressão:

Por mais nebuloso que possa parecer, o que você está lendo aqui, nada mais é do que um manifesto de devoção. E quem ama, odeia ver seu instante de contato com o objeto amado sendo bruscamente interrompido.

Sim, caro leitor. Pode parecer piegas, mas eu amo as minhas músicas; ou como diz minha mãe: “aquelas suas músicas doidonas”. E quando você se sentar ao meu lado, justamente no instante em que meus acalentos auditivos estiverem rolando, saiba: só lhe darei atenção, porque ainda não possuo singeleza o bastante para dizer em sua cara, que você acabou de interromper um momento infinitamente mais prazeroso do que qualquer coisa que você tenha a dizer. O zelo pela tolerância na convivência, infelizmente, não me permite essa naturalidade.

Ter pouca ou nenhuma inclinação para um bate-papo dentro do ônibus, algo moralmente impronunciável, não me acomete por eu ser um rabugento intratável ou qualquer outra definição que tenha lhe ocorrido na mente. Bom, talvez eu seja para algumas pessoas, mas o que quero fomentar aqui é o quanto da frustração que sinto, pois costumo usar o tempo de viagem do trabalho até em casa para curtir um tantinho dos prazeres os quais não tive tempo de apreciar durante o expediente. E estes se resumem em ler um livro ou ouvir um pouco de música. Portanto, a menos que as pessoas tenham algo realmente interessante pra dizer, eu prefiro ficar com os meus prazeres.

E há muito tempo que vivo um caso de amor com o rock.

Em tempos passados, eu teria afirmado que sou apenas um apaixonado. Sim, eu já fui acometido pela patologia da paixão pela música. Mas atualmente o meu caso evoluiu para amor. E você se perguntará: dado como exemplo a preferência musical, qual é a diferença entre paixão e amor?

É muito simples: a diferença é exatamente a mesma que ocorre quando nos relacionamos com uma pessoa. Ou seja, quando estamos apaixonados, perdemos o senso, nos tornamos compulsivamente irracionais e precisamos nos familiarizar de forma obcecada com o objeto de nossa paixão. Já quando se ama nada disso precisa mais ocorrer. Porque quando se ama, simplesmente se gosta. Não há espaço para deliberar sobre nada... Você ama e ponto final. Qualquer reação, reclusão, inclusão, proximidade ou afastamento, ocorrem automaticamente e na total ausência de conjecturar por outra reação. Não há influência externa, apenas sentimento puro.

Darei um exemplo disso:

Quando era jovem, precisamente no auge da adolescência, eu descobri o rock e me apaixonei. Foram tempos em que eu precisava me afirmar, e para isso, tive que tomar algumas atitudes, as quais hoje eu as entendo como um tanto obsessivas: precisava ter sempre alguma coisa a dizer que parecesse legal aos ouvidos de outros “roqueiros”, para que não pensassem que sou um poser; comprava camisas das bandas mais famosas, mesmo que eu não as conhecesse, porque isso fazia de mim alguém mais aceito pela tribo; temia afirmar aos meus colegas algum apreço por aquela banda considerada ruim pela maioria, simplesmente porque existem alguns amores que devem ser negados socialmente. Naquele tempo de atos banais, eu era o egocêntrico que não sabia se gostava mais de rock ou de ser aceito, só o que importava era me parecer com um roqueiro nato. E me ultrajava quando não era reconhecido como tal.

Hoje a paixão morreu, dando lugar ao puro e singelo amor. Não mais sinto nenhuma necessidade de ser incluído ou aceito por grupos; só uso camisa de bandas as quais me identifico e, por consequência, eu as quero homenagear. Ainda privilegio a cor preta, mas hoje me visto pra mim e não para mostrar aos outros. Também aprendi que não dói confessar que se gosta de ouvir aquela banda considerada careta por aqueles que se dizem entendedores de música..., ah, e eu não sinto a menor vontade em trocar ideias sobre minhas predileções musicais, até porque, hoje eu sei que isso faz parte de nossa particularidade, e exatamente como é a clareza dessa definição, particularidades não existem para ser entendidas por ninguém, além de nós mesmos. Mesmo a definição de “roqueiro” se tornou uma adjetivação que me incomoda, porque faz parecer que sou um ser limitado, um rótulo que reduz minha existência.

Se este amor me tornou uma pessoa melhor ou pior eu não sei dizer. Mas eu posso garantir que sou muito mais feliz hoje, porque consegui tirar da minha consciência aquela neurótica necessidade de estar sempre a caráter para que as pessoas saibam quem eu queria ser.

Porque hoje este pacato transgressor que vos escreve só quer ser ele mesmo.

Sou um amante de rock, Não um roqueiro. E por isso continuarei odiando ter que desligar os fones de ouvido. Não odeio você, meu caro companheiro diário dos transportes coletivos. Só o que peço é que não julgue este confessor inconsequente. Porque eu sei muito bem que você também ama coisas ou pessoas. E da mesma forma que eu, você também odeia ter que se afastar de seu objeto amado.

Feliz dia Mundial do Rock, para essa vasta nação de amantes mundo afora!