sábado, 12 de julho de 2014

CRÔNICA: DIA MUNDIAL DO ROCK


Odeio quando algum conhecido entra no mesmo ônibus que eu, se senta ao meu lado, justamente no instante em que começava no meu MP3, aquele som de arrepiar a alma.  Então, penando contra minha própria vontade, me vejo obrigado á desligar o som, para decifrar o que já estava á sair dos lábios do malquisto, me agraciando com suas esquecíveis saudações, antes mesmo que eu tivesse tempo de interromper a música.

Esse episódio acontece com certa frequência, e nunca, em nenhuma dessas infelizes ocasiões, eu fui contemplado por uma considerável abordagem. Ou por alguma reflexão inédita; ou mesmo por algo que realmente valha á pena ser conversado.

Não. Sempre são as mesmas perguntinhas vazias e comentários desprezíveis: “Trabalhando muito, cara?”, “Como é que vai a vida?”, “Você tá sumido, heim.”. Perguntas às quais terão de mim, sempre uma resposta no mesmo patamar de intelecto de sua abordagem, ou seja: receberão apenas idiotices de volta.
Admirarei devotamente aquele que, ao se tornar meu inesperado acompanhante de cadeira do ônibus, olhar para minha atitude forçada de desligar os fones, e simplesmente dizer: “pode continuar escutando sua música, tranquilo, cara. Eu também amo as minhas e sei o que é isso”. Mas já me conformei com esse mundo automático e repetitivo, e acho que este modelo de camarada, esbanjador de apreço, talvez não exista. E seguirei com meu ato de desligar os fones de ouvido, para dar atenção á alguém que acha que só porque somos conhecidos e moramos no mesmo bairro, temos a obrigação de papear dentro do ônibus.


Provavelmente, se você degustou essa crônica até aqui, já deve estar me taxando de arrogante, individualista e antissocial. Mas permita-me explicar esta minha inevitável indignação:
Por mais nebuloso que possa parecer, o que você está lendo aqui, nada mais é do que um testemunho de amor. E quem ama, odeia ver seu instante de contato com o objeto amado, ser bruscamente interrompido.

Sim, caro leitor. Pode parecer piegas, mas eu amo o rock. E quando você se sentar ao meu lado, justamente no instante em que minha canção favorita estiver começando, saiba: só lhe darei atenção, porque ainda não possuo singeleza o bastante para dizer em sua cara, que você acabara de interromper um momento infinitamente mais importante do que qualquer coisa que você tenha á dizer. A ética social, infelizmente, não me permite essa naturalidade.
Eu não sinto essas coisas moralmente impronunciáveis porque eu sou um chato, arrogante ou qualquer outra definição que tenha lhe ocorrido na mente. Talvez eu até seja para algumas pessoas. Mas o que quero fomentar aqui é o quanto da frustração que sinto em momentos como o exemplo mencionado acima, ocorrerem em meu ser, simplesmente porque eu amo. E odeio ter que interromper meus instantes de intimidade.

Em tempos passados, eu teria afirmado que tenho paixão pelo rock. Sim, eu já fui um apaixonado. Mas hoje o meu caso evoluiu para amor. E você se perguntará: dado como exemplo a nossa preferência musical, qual é a diferença entre paixão e amor?
É muito simples: a diferença é exatamente a mesma que ocorre quando nos relacionamos com uma pessoa. Ou seja, quando estamos apaixonados, perdemos o senso, nos tornamos patologicamente irracionais e precisamos nos familiarizar compulsoriamente com o objeto de nossa paixão. Já quando se ama, nada disso precisa mais ocorrer. Porque quando se ama, simplesmente se gosta. Não há espaço para deliberar sobre nada... Você ama e ponto final. Qualquer reação, reclusão, inclusão, proximidade ou afastamento, ocorrem automaticamente e na total ausência de conjecturar por outra reação.

Vou usar á mim mesmo como exemplo disso:
Quando eu era mais jovem, no auge dos meus dezoito, vinte anos, eu me tornara mais um apaixonado pelo rock. Foram tempos em que eu precisava me afirmar, e para isso, eu tinha que tomar algumas atitudes, as quais hoje eu as entendo como um tanto obsessivas: precisava ter sempre alguma coisa á dizer que parecesse legal aos ouvidos de outros roqueiros, para que não pensassem que sou um poser; comprava camisas de bandas mais famosas, mesmo que eu não as conhecesse, porque isso fazia de mim, alguém mais aceito; temia afirmar aos meus colegas meu apreço por aquela banda considera ruim pela maioria, simplesmente porque existem alguns amores que devem ser negados socialmente; naquele tempo, eu era capaz de cometer idiotices grotescas, apenas para me parecer, cada vez mais, com um roqueiro nato. E me ultrajava quando não era reconhecido como tal.

Hoje, a paixão morreu, dando lugar ao puro e singelo amor. Não mais sinto nenhuma necessidade de ser incluído ou aceito por grupos; só uso camisa de bandas as quais me identifico e por consequência, eu as quero homenagear. Hoje uso camisas para mim, e não para mostrar aos outros; e sim, eu adoro confessar que gosto de ouvir aquela banda considerada uma merda pelos que se dizem entendedores de rock... Ah, e eu não sinto a menor necessidade em trocar ideias sobre minhas predileções musicais, até porque, hoje eu sei que isso faz parte de nossa particularidade, e exatamente como é a clareza dessa definição, particularidades não existem para ser entendidas por ninguém, além de nós mesmos.
Se este amor me tornou uma pessoa melhor ou pior para aqueles que me olham, eu não sei. Mas eu posso lhes garantir que sou muito mais feliz hoje, porque consegui tirar da minha consciência, aquela neurótica necessidade de estar sempre á caráter para que as pessoas saibam quem eu queria ser.

Sou um amante de rock. E por isso continuarei odiando ter que desligar os fones de ouvido. Não odeio você, meu caro companheiro diário dos transportes coletivos. Só o que peço é que não julgue este autor inconsequente. Porque eu sei muito bem, que você também ama algumas coisas ou pessoas. E assim como eu, você também odeia ter que se afastar de seu objeto amado.
Feliz dia Mundial do Rock, á toda essa vasta nação de amante mundo afora!


Nenhum comentário:

Postar um comentário