domingo, 27 de julho de 2014

CRÔNICA: A GERAÇÃO MIOJO


De repente, eu me vejo vitimado pela aceleração do cotidiano e a espantosa necessidade de urgência com a qual as coisas se apresentam diante de mim. Mas espera um pouco aí; eu não acordei de um coma de vinte anos ou sou um viajante do tempo, recém-chegado dos anos 50. Então porque a urgências das coisas me assustam tanto?

Tudo bem que houve uma recente mudança em minha vida, e esta fez com que eu me visse diante de um mundo onde o ineditismo paira constante. Mas a grande novidade talvez seja a velocidade com que isso me esteja sendo apresentado. E o pior: atualmente, rapidez parece ter se tornado sinônimo de qualidade. Não há mais tempo para discernimentos, aliás, este texto já deveria ter acabado há séculos, não é mesmo?
Afinal, pense comigo: você mal acabou de comprar aquele “I-tudo”, cheio de parafernália tecnológica de última geração, e lá está a mídia lançando um novo modelo, que faz aquele seu avançado aparelho, parecer algo pré-histórico, que foi utilizado por nossos distintos ancestrais.

Aliás, os nossos avós compuseram uma geração que preparava minuciosamente os almoços de domingo em família. Era uma atividade que perdurava ao longo de todo o feriado... Hoje, o auge da demência social faz com que essas mesmas famílias locomovam-se de suas casas aos domingos, para procurar por restaurantes que ofereçam, quem diria: comida caseira. E de preferência, que isso seja degustado dentro do próprio carro, num eficiente e ágil atendimento de fast-food.
Acha que estou exagerando? Então me diga: você levaria o seu carro num Lava-lerdo?

Quando foi a última vez que você acatou uma sugestão do tipo: “Pare pra pensar”? Parar e admirar, então, Ih... Esqueça! Não tempos mais tempo pra isso.
Tanta urgência o tempo inteiro nos têm feito perder a noção de qualidade. Vi-me vítima disso, quando tentei interagir com pessoas, no ambiente moderno de interação atual: as redes sociais.

As pessoas navegam como se estivessem numa esteira, onde as opções passam á jato, e você têm vinte, talvez trinta segundos para avaliar o conteúdo que se mostra diante de si. E não perca muito mais do que isso, porque a esteira não para, e outras opções estão chegando velozmente... Mas e o que é mesmo essa coisa de qualidade?
Ah, pro inferno com a qualidade! Não dá tempo de responder á isso. Além disso, pra quê você precisa de qualidade, se a esteira continua lotada de opções? Não importa o que apareça em sua frente, olhe rápido e pegue o que lhe convém.

Seja veloz, ou logo algum engraçadinho vai dizer bem na sua cara: “Eu tenho isso e você ainda não tem. Logo, eu sou melhor do que você”. Ou pior ainda é se alguém lhe perguntar: “você ainda não tem aquele produto?”, te olhando como se você fosse um débil-mental por não ter adquirido algo tão óbvio...
Quer dizer que esta geração é superficial e vazia?

Não. De forma alguma. Afinal, eu não me sinto tão antigo assim... Também sou parte dessa geração Miojo. Mas sei que vivi no tempo de transição dessas duas gerações, aparentemente distintas. Pude ver os tempos de dedicação ao acabamento minucioso e bem feito, se transformando na atual rapidez indispensável. A geração atual possui sim grandes qualidades, mas como em qualquer outro tempo, não é tudo dessa atual sociedade que devemos levar como exemplo. Nem sempre a velocidade é sinal de serviço bem feito. Afinal de contas, se não mudarmos nossos paradigmas, em muito breve não geraremos mais os bons pianistas, escritores, pintores... Artes que prezam pela paciência, que hoje tanto irrita os nossos dias.
 Não temos tempo para apreciar em redes sociais, e sim apenas curtir; não há espaço para uma boa conversa, e sim uma breve e resumida xavecada, em tom de questão, do tipo: “já é ou já era?”, aparentemente tão atual e moderno. Boates e casas noturnas são ambientes compostos de música absurdamente elevada, justamente para desencorajar essa ultrapassada abordagem verbal. Esqueça! Ali não é lugar para conversa, não dá tempo... Afinal, a esteira não para, né?

Como dizia o grande Guimarães Rosa: “O animal satisfeito dorme”.
Parece que nos tornamos um ser inconformista, escravo do acúmulo desenfreado e descerebrado. Portanto, não dormiremos nunca mais... Haja Lexotan.

2 comentários:

  1. Poxa, Michel, somos duas vítimas, então!!!!! Também sinto-me fora do compasso dos dias atuais. E quer saber, essa correria tem matado muita coisa boa. Sou saudosista, sim! E, às vezes, acho que já entrei em extinção.
    Um abraço, amigo!

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  2. É complicado, heim Denise... A urgência do cotidiano têm se mostrado tão forte atualmente, que em quase todas as atividades que faço, existe a "prima neura" me atormentando, exigindo que eu ande rápido. Mesmo atividades que eu considero prazerosa, como ler e escrever, se não tomar certo cuidado, minha mente transforma aquele prazer num tormento doloroso..rsrsrs.
    Abraço, amiga!!

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