De repente, vemo-nos vitimados
pela aceleração do cotidiano e a espantosa urgência das coisas as quais se
apresentam diante de nós, como se as vinte e quatro horas dos dias houvessem se
tornado insuficientes para suprir os “inadiáveis” compromissos mundanos; fazer,
correr, cumprir, checar, intervir, enviar, saldar, entreter, usufruir, relacionar...
Mas espera um pouco aí; não
acordamos de um recente coma de vinte anos e, tão pouco somos inusitados
viajantes do tempo, enviados da década de cinquenta para ver como é o futuro.
Então por que a urgência do mundo contemporâneo nos soa como um equívoco
geracional?
Tudo bem que algumas mudanças
recentes tiveram considerável influência em nossas vidas, e estas fizeram com
que olhássemos com mais atenção para o determinismo da realidade em que estamos
inseridos, em que a contingência paira constante. Mas a grande inquietação talvez
seja a velocidade com que são exigidas as estas situações cotidianas, mesmo mais
banais, precisam ser resolvidas imediatamente. E o pior: atualmente, rapidez
parece ter se tornado sinônimo de eficiência. Não há mais tempo para
discernimentos, aliás, este texto já deveria ter acabado há séculos, não é
mesmo?
Afinal, pense comigo: você mal
acabou de comprar aquele “I-tudo”,
cheio de parafernália tecnológica recém lançado no mercado, e lá está o sistema
capitalista lançando um modelo fresquinho, que faz aquele seu avançado
aparelho, pareça algo obsoleto e ultrapassado, mesmo que essa percepção não corresponda
a uma realidade concreta.
Gerações passadas gostam de se
gabar sobre a ideia de que preparavam todas as coisas de modo minucioso, eram
mais dedicados, integrados e interessados em almoços de domingo em família; uma
atividade que perdurava ao longo de todo o feriado; encontro onde aproveitávamos
a ocasião para fazer algo considerado quase bestial nos dias atuais:
relacionar-se socialmente.
Será?
Hoje, no auge da demência urbana,
somos integrantes de famílias modernas, que se locomovem de suas casas aos
domingos para procurar por restaurantes que ofereçam uma realidade há muito
perdida por essa noção irracional de urgência: comida caseira. E de
preferência, que isso seja degustado dentro do próprio carro ou num recinto
propositalmente desconfortável para que não fiquemos ali por muito tempo.
Porque cliente que demora a se levantar gera prejuízo ao estabelecimento que
precisa lucrar com a alternância; ambientes que privilegiam a demanda em
detrimento do lazer.
Não estou comparando gerações
nem alegando que o passado era melhor. Mas se acha que estou exagerando, então
me diga: você levaria o seu carro num Lava-lerdo? Quando foi a última vez que você
acatou uma sugestão do tipo “Pare pra
pensar”? Parar e admirar então, vixe..., esqueça! Não temos mais tempo pra
isso.
O fato é que nossos
antepassados eram tão inadmissíveis quanto os somos. Mas é inegável que eles
tinham qualidades que estão se perdendo ao longo dos anos... E duas dessas
características em extinção é a paciência e o gosto pelo esforço. Creio que se
continuarmos desse modo, logo a sociedade não produzirá mais grandes pianistas,
escritores, pintores, entre outros..., funções cuja habilidade depende
fundamentalmente de paciência e perseverança.
Tanta urgência o tempo inteiro
nos tem feito perder o apreço pela qualidade. Interações consideradas
corriqueiras, como um bate-papo despretensioso se tornou algo impensado. Vi-me cercado
por essa falta, quando tentei interagir com outras pessoas neste mundo fugaz,
usando para isso, ambientes modernos de interação entre pessoas: as redes
sociais.
Funciona assim:
Cada indivíduo navega como se
estivesse olhando para uma esteira rolante, onde as opções, ou seja, os outros
navegantes passam rapidamente em seu perfil como se fossem mercadorias em
vitrines. Então o internauta tem vinte, talvez trinta segundos para avaliar o “conteúdo”
que se apresenta diante de si. E não perca muito mais do que isso, porque a
esteira não para e outras opções estão chegando velozmente. Poste tudo aquilo
que você faz de modo que todos que o visitem saibam que estão diante de uma
pessoa feliz..., ah, e não fale muito com ninguém para que não pensem que você
é um desocupado. Afinal, o ócio sempre foi visto como condição de gente
irresponsável.
E o que é mesmo essa coisa de
qualidade?
Ah, pro inferno com a
qualidade! Não dá tempo de pensar sobre isso. Aliás, pra quê você precisa de
qualidade se a esteira continua lotada de opções? Não importa o que apareça em
sua frente, olhe rápido e pegue o que lhe parecer auspicioso.
Seja veloz, ou logo algum
engraçadinho vai dizer bem na sua cara: “Eu
tenho isso e você ainda não tem. Portanto, sou melhor do que você”. Ou pior
ainda é se alguém perguntar: “você ainda
não tem aquele produto?”, olhando como se você fosse um débil-mental por
não ter adquirido algo tão óbvio.
Quer dizer que a atual geração
é superficial e vazia?
Não. De forma alguma! Afinal,
eu não sou nenhum velhote recalcado que aprendeu a usar o computador para destilar
veneno contra este planeta conectado... Eu também estou no meio dessa geração miojo. Mas sei que talvez tenha
vivido no tempo de transição dessas duas gerações, aparentemente distintas e
que não se apreciam. Pude ver os tempos de dedicação ao acabamento minucioso e
bem feito, sendo transformado na atual extroversão indispensável, talvez por influência
da industrialização.
A geração atual possui sim
grandes qualidades, mas como em qualquer outro tempo, não é tudo dessa atual
sociedade que devemos levar como exemplo. Nem sempre a velocidade é sinal de
serviço bem feito. Aliás, se não mudarmos nossos paradigmas, em muito breve a
criatividade estará perdida; a arte que preza pela paciência, que hoje tanto
irrita e nos deixa aflitos.
Não temos tempo para apreciar e
discernir, mas sim, apenas “curtir”. Não há espaço para uma boa conversa,
apenas uma breve e resumida xavecada, em tom de questão, daquele famoso jeito:
“já é ou já era?”, aparentemente tão questionável.
Recentemente li uma conversa
que vazou na internet entre dois jovens integrantes desta realidade acelerada,
no qual o rapaz (que devia ter mais ou menos dezesseis anos), para conseguir
levar uma garota (ainda mais jovem) para a cama, usou argumentos tão obscenos e
explícitos, que pensei se tratar de alguma brincadeira entre amigos. Mas no breve
fim das contas e para minha total estupefação, o rapaz conseguiu “ganhar a mina na lábia” e a levou para o
motel. A comprovação do sucesso do engajado sujeito se deu pelo fato de que a
história virou caso de polícia.
Boates e casas noturnas são
ambientes compostos de música absurdamente elevada, justamente para
desencorajar a tão ultrapassada abordagem verbal; aquela velha conversa nervosa
e tímida que precedia uma conquista. Esqueça! Ali não é lugar para conversar,
não dá tempo... Afinal, a esteira não para, não é mesmo?
Como dizia o grande Guimarães Rosa: “O animal satisfeito dorme”.
Parece que nos tornamos seres inconformados, escravos do acúmulo desenfreado e descerebrado. Portanto, não dormiremos nunca mais... Haja Lexotan.
Poxa, Michel, somos duas vítimas, então!!!!! Também sinto-me fora do compasso dos dias atuais. E quer saber, essa correria tem matado muita coisa boa. Sou saudosista, sim! E, às vezes, acho que já entrei em extinção.
ResponderExcluirUm abraço, amigo!
É complicado, heim Denise... A urgência do cotidiano têm se mostrado tão forte atualmente, que em quase todas as atividades que faço, existe a "prima neura" me atormentando, exigindo que eu ande rápido. Mesmo atividades que eu considero prazerosa, como ler e escrever, se não tomar certo cuidado, minha mente transforma aquele prazer num tormento doloroso..rsrsrs.
ResponderExcluirAbraço, amiga!!