sexta-feira, 22 de agosto de 2014

CRÔNICA: DINAMISMO IGUALITÁRIO

Outro dia tive um prolongado embate online com uma grande amiga, que alegou acreditar que as redes sociais estão deixando as pessoas burras; que a expansividade informativa da internet faz com que tenhamos acesso a todo o tipo de conteúdo, mas há uma carência de qualidade em quase tudo que era postado. Da mesma maneira, essa permissividade democrática forneceu voz a toda essa massa idiotizada e cheia da necessidade de adjetivar o mundo que a rodeia, como se, nas palavras dela: “dar opinião fosse indicativo de discernimento”.

Tendo em vista que eu já havia escutado esse tipo de apontamento de outras pessoas, achei que seria prudente refletir sobre, antes de redarguir. E após o que imagino ter sido uma fugaz verificação consciente, alienada a sutil cautela quanto ao perigo de se generalizar qualquer julgamento, tentei renovar a oportuna discussão com essa amiga. E eis que colocamos um novo ponto de interrogação no sentido de abrandar o determinismo que era dela e de outros tantos. Sugeri que, embora concordasse com os argumentos quanto à internet ser um instrumento que, para ser edificante, carece de profundo empenho em peneirar conteúdo, discordava quanto a ideia de que todos os adeptos das redes sociais estejam, propriamente, emburrecendo. Mas que talvez estejamos sim, nos tornando uma tribo de iguais, aprisionados em bolhas (essa conversa acontecia inbox, numa famigerada rede social).

Mas o que significa estarmos nos tornando iguais?

O que quero fomentar é que quando se está interagindo pelo intermédio de uma rede social, é muito difícil conseguir verter personalidade através de uma simples telinha. E de certa maneira isso torna membros distintos da sociedade em meros aplicativos de análises, bitolados; reduz a diversidade latente em indivíduos parecidos ou até iguais. Superficialmente essa ideia de igualdade até parece democrática. Mas se observarmos tal condição um pouco mais de perto, veremos que é quase injusta a privação da singularidade, dadas circunstâncias tão desfavoráveis quanto a mera troca de informações escritas, as quais podem (e muitas vezes são) interpretadas de maneira errônea pelo interlocutor. Outro problema é que essa igualdade online, embora nivele seus usuários, faz com que este nivelamento unifique pensamentos semelhantes.

Eu vou dar um exemplo:

Certa feita, conheci uma garota através da gigante das redes sociais, o Facebook. Inicialmente a achei uma moça interessante e fui checar seu perfil. Notei que muito de suas preferências batiam com minhas preferências, e aparentemente seus ocasionais comentários em posts eram evidências de que ela só poderia ser, de fato, alguém agradável para se tentar amizade.

Análise feita, enviei um convite de amizade que por ela foi prontamente aceito. Satisfeito, tentei uma abordagem gentil. Porém, em pouquíssimo tempo de prosa notei que, por mais que me esforçasse em parecer simpático, comunicativo, expressivo ou qualquer ato corriqueiro, que teria seu poder de influência aumentado por uma abordagem presencial, a interação online deixava meus recursos limitados a ponto de fazer com que eu parecesse um sujeito insosso ou, ainda pior, poderia estar sendo interpretado como algum tipo de sociopata interessado em transgredir a moral alheia. Ou seja, aquele mesmo auxílio tecnológico que me possibilitou novo horizonte, era o mesmo que me privava de distinguir-me. E por quê?

Porque é impossível expressar individualidade através de uma simples conversar virtual. E se pensarmos na importância da sensibilidade humana, da linguagem corporal, do olhar que anuncia e insinua, coisas que imagino serem fundamentais quando se está conhecendo alguém, estas ficam completamente ocultadas pela interação virtual.

Outro problema é que estamos vivendo uma expansão tecnológica onde todos se tornaram vozes ativas. E como a rede social é uma forma de interatividade indireta que possibilita sermos quem quisermos, fica muito fácil destilar veneno quando se está pilotando um avatar. Em outras palavras, a internet tem se mostrado um antro de proliferação desenfreada de ódio. E isso acaba fazendo com que algumas pessoas se protejam demasiadamente por temerem interlocutores, digamos, encolerizados.

Por fim, se usamos de uma ferramenta na qual podemos ser (ou parecer) quem quisermos, torna muito complicado confiar na configuração do perfil que está diante de nosso monitor nos convidando para um bate-papo. Por isso as bolhas estão fechadas para que apenas iguais possam interagir.

Significa que redes sociais são ainda piores do que imaginamos!”, cravou minha amiga.

Por mais escabroso que pareça, eu ainda acho que não, respondi.

Claro que não sou o dono da verdade absoluta, até porque não existem verdades absolutas. Além do mais, sabemos bem que as redes sociais servem como ótimos recursos de estreitamento social, agilizam serviços, enfim, é um eficaz espaço para se elevar e expandir negócios. Mas precisamos trazer à tona a ideia de democratização coletiva: por que não fazer das redes sociais um lugar de interação responsável e apenas no sentido de abordagens sucintas que desencadeiem em harmoniosos encontros presenciais? deixar de lado a ideia do perfil maravilhoso e despir-se de quem realmente somos; minimizar opiniões superficiais no sentido de evitar a propagação do ódio; e que tal aprendermos de uma vez, já que redes sociais são espaços modernos de interação, a usarmos a ética da convivência para estes ambientes?

Sim, meus amigos. Pessoas comunicativas, que gostam de conversar, de interagir com outros dos seus, aqueles que anseiam pelo contato humano, estes estão fadados a serem reduzidos a meros solitários online, sentenciados por essa mesma tecnologia que surgiu com a premissa de os salvar..., ou muito pior é a hipótese de boas pessoas serem confundidas com algum tarado da internet, o que não é muito difícil de acontecer.

O fato é que cheguei a pensar que fosse apenas eu quem não soubesse lidar com redes sociais. Mas talvez o que realmente ocorre é que pessoas, na mesma proporção em que não demonstram seu lado crível, também não parecem muito interessadas em saber quem é o interlocutor.

É claro que continuarei utilizando, mesmo que poucas vezes, algumas redes sociais. Mas ciente de estar convivendo na dolorosa realidade de que sou apenas mais uma tela que escreve; um robô que digita..., sem alma, dotado de traços imprecisos e sem distinções particulares, dentro de uma sociedade que segue seu amplo e vasto dinamismo igualitário.

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