A primeira influência de rock que recebi na vida aconteceu da
forma mais inusitada possível. Pois minha querida mãe, que costuma se referir
ao meu repertório musical como “aquelas
suas músicas doidonas” foi quem
despertou este inconveniente cronista que voz escreve.
Foi num natal da década de oitenta, a minha Velha havia ganhado um vinil do John Lennon do meu pai, porque ela
gostava da canção Imagine. Eu devia
ter meus oito, nove anos de idade. E muito mais do que Imagine, eu curti de cara o disco inteiro. John era a trilha sonora
de minhas manhãs semanais, enquanto eu ajudava mamãe com as tarefas do lar.
Escutava tanto aquele Bolachão, que
aprendi a cantar junto todas as canções. O inglês imaginário de menino e os
solos devidamente destilados com os dedos deslizando através do cabo da
vassoura.
Acho que minha mãe nunca notou o tamanho da encrenca que ela
estava cultivando dentro de sua própria casa. Mas talvez hoje ela saiba reconhecer,
quando olha pra mim dentro de casa, escutando minhas “músicas doidonas”, em volume digno de instigar a discórdia em toda vizinhança,
que sou consequência de seu desejo; sou fruto de seu inofensivo anseio por uma
música. Vejo em seu olhar de aquiescência o quanto ela compreende ter culpa daquele
som de gente louca, escutado quase sempre com o volume até o talo.
Desde aqueles tempos, com a vassoura nas mãos, imitando John no
meio da sala, o rock and roll se
tornou o maior refúgio para minhas escapadas deste nosso mundo truculento e tirânico.
Como se aquele pacto entre mamãe e Imagine
tivesse depositado uma semente em meu ser. Que foi sendo regada ao longo dos
anos, e hoje se enraizou profundamente em minha alma. Posso garantir que minhas
músicas continuam sendo minha válvula de escape infalível, nos dias de tédio ou
estresse. Não importa o ritmo, isso vai de acordo com a necessidade. Há dias em
que uma baladinha bem light já serve para aliviar; outras vezes é preciso uma
dose letal, então o gutural extremo se faz necessário. Desde as remansadas
notas de Pearl Jam, até os graves
infernais de Behemoth, minhas músicas
e eu temos uma relação de religiosidade quase divina.
Outrora, eu poderia citar aqui outras fontes de descontração.
Seria capaz de dizer que uma mesa de bar com uma cerveja gelada, futebol
rolando na TV, e alguns chegados pra
jogar conversa fora, ajudaria muito a matar o estresse. Mas atualmente o
futebol parece ter se tornado uma instituição interessada apenas em
proporcionar alegria aos cartolas e dirigentes. Quanto aos amigos, bem, estes
ainda aparecem lá no bar quando lhes parece conveniente, mas talvez até eles já
perceberam que o ambiente não tem mais tanto sentido, frente á um esporte que
nos parece fruto de profunda desconfiança.
Escrever também poderia ser cogitado como santo remédio para
os dias de trevas. Só que no meu caso, é impossível conseguir ir pra frente do
computador quando não estou de bem com o mundo. Escrever é sim, uma atividade
que preenche minha alma com extrema facilidade. Mas ela não cura os males da
mesma. Porque para conseguir escrever, é preciso que antes eu esteja em plena
paz e harmonia com o meu ser. Tristeza, melancolia ou languidez não são
problemas pra mim. Ás vezes até me ajudam na composição textual. Contudo,
tédio, raiva ou estresse são condições que só consigo curar ouvindo um bom rock and roll.
Imagino que os berros e estrondos destrutivos de muitas
bandas que curto atualmente, pouco ou nada tem á ver com a melodia precisa de John Lennon e sua fabulosa Imagine. O fato é que o mundo, mudando
sempre como não poderia deixar de ser, continua produzindo Rock de boa
qualidade; de todos os tipos e para todas as tribos. E para aquela turminha
careta que carrega consigo a velha ideia de que o Rock está morto, vai um
recado: Talvez esteja na hora de abrir os ouvidos para o novo e o diferente,
seus enviuvados nostálgicos, que vivem com suas mentes aprisionadas numa época
que não existe mais. Procurem aprender o hoje, escutem tudo o que lhes pareçam
novo; disponham de tempo e garimpem neste vasto universo chamado Rock And Roll. Tenho certeza de que
conseguirão encontrar música aos seus auspícios, desde que vocês se comprometam
a deixar de lado o ego irredutível de repetir que somente em longínqua época é
que se fazia música de qualidade.
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