segunda-feira, 13 de julho de 2015

CRÔNICA: UMA SEMENTINHA DE ROCK PLANTADA NA INFÂNCIA


A primeira influência de rock que recebi na vida aconteceu da forma mais inusitada possível. Pois minha querida mãe, que costuma se referir ao meu repertório musical como “aquelas suas músicas doidonas” foi quem despertou este inconveniente cronista que voz escreve.

Foi num natal da década de oitenta, a minha Velha havia ganhado um vinil do John Lennon do meu pai, porque ela gostava da canção Imagine. Eu devia ter meus oito, nove anos de idade. E muito mais do que Imagine, eu curti de cara o disco inteiro. John era a trilha sonora de minhas manhãs semanais, enquanto eu ajudava mamãe com as tarefas do lar. Escutava tanto aquele Bolachão, que aprendi a cantar junto todas as canções. O inglês imaginário de menino e os solos devidamente destilados com os dedos deslizando através do cabo da vassoura.

Acho que minha mãe nunca notou o tamanho da encrenca que ela estava cultivando dentro de sua própria casa. Mas talvez hoje ela saiba reconhecer, quando olha pra mim dentro de casa, escutando minhas “músicas doidonas”, em volume digno de instigar a discórdia em toda vizinhança, que sou consequência de seu desejo; sou fruto de seu inofensivo anseio por uma música. Vejo em seu olhar de aquiescência o quanto ela compreende ter culpa daquele som de gente louca, escutado quase sempre com o volume até o talo.

Desde aqueles tempos, com a vassoura nas mãos, imitando John no meio da sala, o rock and roll se tornou o maior refúgio para minhas escapadas deste nosso mundo truculento e tirânico. Como se aquele pacto entre mamãe e Imagine tivesse depositado uma semente em meu ser. Que foi sendo regada ao longo dos anos, e hoje se enraizou profundamente em minha alma. Posso garantir que minhas músicas continuam sendo minha válvula de escape infalível, nos dias de tédio ou estresse. Não importa o ritmo, isso vai de acordo com a necessidade. Há dias em que uma baladinha bem light já serve para aliviar; outras vezes é preciso uma dose letal, então o gutural extremo se faz necessário. Desde as remansadas notas de Pearl Jam, até os graves infernais de Behemoth, minhas músicas e eu temos uma relação de religiosidade quase divina.

Outrora, eu poderia citar aqui outras fontes de descontração. Seria capaz de dizer que uma mesa de bar com uma cerveja gelada, futebol rolando na TV, e alguns chegados pra jogar conversa fora, ajudaria muito a matar o estresse. Mas atualmente o futebol parece ter se tornado uma instituição interessada apenas em proporcionar alegria aos cartolas e dirigentes. Quanto aos amigos, bem, estes ainda aparecem lá no bar quando lhes parece conveniente, mas talvez até eles já perceberam que o ambiente não tem mais tanto sentido, frente á um esporte que nos parece fruto de profunda desconfiança.

Escrever também poderia ser cogitado como santo remédio para os dias de trevas. Só que no meu caso, é impossível conseguir ir pra frente do computador quando não estou de bem com o mundo. Escrever é sim, uma atividade que preenche minha alma com extrema facilidade. Mas ela não cura os males da mesma. Porque para conseguir escrever, é preciso que antes eu esteja em plena paz e harmonia com o meu ser. Tristeza, melancolia ou languidez não são problemas pra mim. Ás vezes até me ajudam na composição textual. Contudo, tédio, raiva ou estresse são condições que só consigo curar ouvindo um bom rock and roll.

Imagino que os berros e estrondos destrutivos de muitas bandas que curto atualmente, pouco ou nada tem á ver com a melodia precisa de John Lennon e sua fabulosa Imagine. O fato é que o mundo, mudando sempre como não poderia deixar de ser, continua produzindo Rock de boa qualidade; de todos os tipos e para todas as tribos. E para aquela turminha careta que carrega consigo a velha ideia de que o Rock está morto, vai um recado: Talvez esteja na hora de abrir os ouvidos para o novo e o diferente, seus enviuvados nostálgicos, que vivem com suas mentes aprisionadas numa época que não existe mais. Procurem aprender o hoje, escutem tudo o que lhes pareçam novo; disponham de tempo e garimpem neste vasto universo chamado Rock And Roll. Tenho certeza de que conseguirão encontrar música aos seus auspícios, desde que vocês se comprometam a deixar de lado o ego irredutível de repetir que somente em longínqua época é que se fazia música de qualidade.

Mas se ainda assim continuarem odiando a atualidade do nosso querido Metal, então talvez seja melhor vocês irem ao bar curtir um futebolzinho; aquela instituição que foi privatizada para gozo de alguns canalhas, onde o grito de gol entalou numa goela que adorava cantar John com uma vassoura em punhos.

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