Este é um espaço de reflexão e opinião de um improvável leitor... Ordinário em sua existência, às vezes transgressor em sua análise. Mas como eu disse, é apenas um espaço. E como tal, precisa ser eternamente preenchido...
sábado, 27 de fevereiro de 2016
RESENHA DE LIVRO – GUERRAS ESTÚPIDAS
sábado, 20 de fevereiro de 2016
CRÔNICA: INEVITÁVEL EVOLUÇÃO
Em meio a uma desordenada
multidão de corpos andantes, eu tentava encontrar o portão de embarque do meu voo,
quando de repente, sou abordado por uma voz metálica, cujas doses de estáticas
se assemelhavam aos brinquedos eletrônicos que me faziam delirar na infância.
Bem no meio do salão principal do Aeroporto
Santos Dumont, assustei-me perante inusitada recepção, feita por uma
máquina ambulante de mais ou menos um metro e vinte de altura. Era sorridente
e, para meu completo desespero, totalmente solícita.
Inteiramente intimidado por
aquela coisa – que imaginei se tratar de um totem de atendimento que conseguiu
escapar da tomada e saiu perambulando pelo salão do aeroporto, como se
entidades sobrenaturais o tivessem possuído – cambaleei tentando desviar de seu
caminho. E num gesto tipicamente humano, minha covarde massa corpórea fugiu de
sua investida, afinal, modernidades tecnológicas frequentemente me assustam...,
e sem cessar os passos, virei-me, dando receosa olhadela no objeto inusitado
que, embora não viera em meu encalço, continuava a me saudar com aquele sorriso
largo em cores, provindo de uma tela onde se lia: “Posso Ajudar?”.
Se no lugar daquela máquina
houvesse um ser humano desempenhando sua tarefa de abordagem, amparado por uma
carteira de trabalho e benefícios previdenciários, certamente ele já teria ido
se queixar junto ao departamento de RH à cerca da forte rejeição que aquele
trabalho proporciona. Talvez até fosse submetido a intensas sessões de terapia,
no intuito de se livrar dos constantes traumas sofridos na ingrata profissão.
Mas não era uma pessoa... Era
um robô! E alguns minutos depois, já sob a improvável segurança dos bancos de
espera, no meu portão de embarque, pude conferir com mais atenção qual era a
função daquele frigobar sorridente.
Era um simpático robozinho a
passear de um lado para o outro, abordando as pessoas e oferecendo sua tela em
forma de rosto, onde uma discreta interface exibia uma série de auxílios e,
dessa forma, aliviar dos ombros humanos o tedioso fardo de correr pelas
necessidades alheias dos muitos passageiros que por ali transitavam.
Cheguei a pensar que não teria
sido ruim se ele se encarregasse de levar minhas malas, mas logo suspeitei de
que as tarefas que o intrépido androide oferecia eram escassas demais para dar
conta da bagagem dos preguiçosos. Limitava-se a consultas em sua alegre tela
dos horários dos próximos voos, um mapa instrutivo para localização dos
serviços no interior do recinto, informações sobre transportes coletivos,
previsão do tempo e esclarecimentos sobre o funcionamento do aeroporto.
No entanto, mesmo carente de
sofisticados recursos, aquele fliperama com rodas, passeando no meio do salão,
fez com que eu me sentisse inserido numa realidade insólita de ficção
científica, bem ao estilo Isaac Asimov.
Se um singelo robozinho com
uma tela limitada de expressão, abordando pessoas sem a necessidade da
supervisão humana, já me causou estupefação, o que dizer então do fabuloso Eugene? A primeira máquina na história
da inteligência artificial a passar no teste de Turing...
O computador batizado de Eugene foi criado pelos programadores Vladimir Veselov, Eugene Demchenko e Sergey Ulasen. O teste de Turing é
constituído por um júri preparado para verificar as habilidades da inteligência
artificial. Eugene deveria imitar um
adolescente com tal perfeição que os juízes não pudessem perceber que estavam
falando com uma máquina. E o próspero Eugene
conseguiu convencer nada menos que 33% dos jurados, um feito inédito.
O teste de Turing visa
estabelecer um critério que determine o que ou quem pode ser considerado um ser
pensante. Basicamente este teste considera que a característica distintiva dos
seres humanos é a linguagem, e por isso, o teste sempre se baseou em critérios
linguísticos.
Eugene foi
capaz de enganar um terço dos jurados de Turing. E embora este seja um número
considerado insuficiente por alguns pesquisadores, ele nos prova que estamos no
inevitável caminho de uma realidade não muito distante. Um futuro no qual
algumas vezes o cinema nos fez ter algum vislumbre com lágrimas nos olhos. E
embora meu inusitado encontro com aquela geladeira sorridente tivesse sido
menos emocionante do que os personagens criados na telona, eu pude ter uma
noção da inevitável evolução... Falo de um futuro não muito distante, que foi
belamente retratado num filme de 2013, o qual eu assisti recentemente,
intitulado “Ela” (Her – de Spike Jonze).
A trama desta fabulosa comédia
dramática gira em torno de Theodore,
que inusitadamente se apaixona por seu novo sistema operacional de alta
tecnologia – talvez uma espécie de versão definitiva de Eugene – um sistema capaz de compreender o universo à sua volta e
se comunicar com seu dono, usando todo um arsenal de anseios, desejos, cacoetes
e até mesmo a fragilidade sentimental de um verdadeiro humano.
Confesso que conforme o filme
avançava, eu também me via igualmente apaixonado pela doce voz que rouba o
coração do personagem vivido pelo ator Joaquin
Phoenix. Um trabalho que traz à tona, mesmo que de maneira um pouco
contraditória, a complexidade na relação entre homem e inteligência artificial.
Certamente as mentes por trás
da indústria desenvolvedora de tecnologia inteligente já notaram o quanto irão
encher ainda mais os seus cofres, caso coloquem as mãos em tamanho avanço
tecnocientífico, como mostrado neste no citado filme. Porém, tal futuro,
temivelmente não muito distante, talvez precise ser analisado com um pouco mais
de cautela.
Se as consequências dessa
realidade vindoura já podem ser sentidas nos dias atuais, o que diremos em algumas
décadas, quando de fato tivermos as nossas malas gentilmente carregadas por um
simpático androide, que nos recepcionará com um cumprimento metálico e
cordialidade fluente?
Se os nossos atuais celulares
e smartphones já são sedutores o suficiente para fazer com que os andantes das
grandes cidades percam total atenção à urbanização existente ao redor;
aparelhinhos que fazem com que nos comportemos feito altistas tecnológicos, que
caminham com suas cabeças baixas, fixadas numa tela que cabe na palma da mão, o
que dizer do tempo em que poderemos ter diálogos complexos e profundos, com
objetos artificiais que imitam o real no seu comportamento, capazes de nos
aproximar do tato com um humanismo jamais alcançado em anos de entrosamento com
outros seres humanos... Exatamente como nos provoca o filme citado.
O pobre Theodore teve sua carência e solidão amainada por uma placa de
circuitos. E além de não o condenar, reitero que também poderia me ver vitimado
pelo mesmo mal, frente a tamanha sedução de uma voz que, mesmo oriunda de um
sistema operacional, causa encanto que nos leva à cegueira da sanidade... Ou
será que o filme nos faz o retrato de um futuro improvável?
A meu ver, tem sido cada vez
mais difícil duvidar da evolução tecnológica.
Imaginem os consultórios
terapêuticos do futuro, lotados de gente em busca de ajuda para superar aquele
relacionamento terminado de forma trágica com um sistema operacional. “Leve-o na loja de informática do Zé, e mande
trocar a placa mãe por outra que seja mais próxima do seu temperamento apegado”,
dirá o terapeuta que, aliás, será um circunspecto robô, de feições imparciais e
usando jaleco branco.
Tomemos outro exemplo
cinematográfico que gosto muito de trazer à tona para pensarmos sobre o que
estamos fazendo de nós mesmo, ou melhor, o que a tecnologia está fazendo
conosco: o filme de 2008 Wall-e (Wall-e – de Andrew Stanton) nos mostra
uma sociedade que passou a viver em colônias espaciais por conta da elevada
destruição da Terra. Mas o ponto que quero atentar é quanto ao padrão desta
sociedade; pessoas obesas que se locomovem por meio de cadeiras flutuantes,
onde uma grande tela fixada bem próxima à face humana atrai 100% da atenção do
cadeirante. Neste mundo imaginário da ficção – ou seria visionário? – O ser
humano se tornou definitivamente um escravo tecnológico, incapaz de se
relacionar com coisas triviais, como vislumbrar os detalhes do lugar em que
vive (isso nos é mostrado numa rápida cena em que um humano cai de sua cadeira
voadora e, pela primeira vez, se vê encantado com a grandeza ao redor, a qual
ele jamais havia reparado).
Notou certa familiaridade com
nosso mundo atual, caro leitor? Se sua resposta for não, basta olhar com mais
atenção para os ambientes sociais: transporte coletivo, bares noturnos,
escolas, e certamente você irá se deparar com uma sociedade literalmente adormecida
por uma telinha que cabe na palma da mão. No entanto, se você é incapaz de perceber
mesmo isso, talvez seja tarde e você já esteja devidamente inserido nesta
sociedade adoecida, que bestialmente fora dominada pela tecnologia.
Outro dia, perguntei a uma
moça que subia as escadas do prédio onde trabalho, como ela conseguia subir
degraus e digitar no celular ao mesmo tempo. Por breves dois segundos ela
desviou a atenção da tela para me dizer que já estava acostumada.
Pois é... Estamos nos
acostumando à domesticação tecnológica; a vivermos feito escravos pós-modernos.
E o que é pior: a obviedade deste nosso umbroso presente parece ter desabado
sobre nossas cabeças.
Talvez o grande problema não
seja a chegada dessa tecnologia assustadoramente sedutora, mas sim, a nossa
própria alienação. Porque não sei ao certo se sou antiquado demais para este
mundo moderno, ou se tem sido cada vez mais comum me deparar com mesas de bares
lotadas de pessoas interagindo umas com as outras pelo celular; seres reais que
estão perdendo o interesse no mundo físico que lhes rodeiam, para continuar
vivendo dentro de uma rede social editável, onde podemos nos vestir de deuses
majestosos, felizes e belos, camuflando assim a nossa realidade ordinária e
menos atraente.
Estamos enfim, diante de uma
assustadora evolução? Pode ser que sim, mas talvez, ela não seja tão desastrosa
como nos mostra o imaginário cinematográfico. Contudo, o grande aprendizado que
infelizmente ainda nos escapa, é a eficiência de dominarmos as nossas
admiráveis máquinas, antes que sejamos dominados por elas..., mas será que
ainda há tempo?