segunda-feira, 18 de junho de 2018

RESENHA DE LIVRO: ÓDIO, AMIZADE, NAMORO, AMOR E CASAMENTO


Preciso reconhecer que minha incursão inicial com Alice Munro causou-me diferentes sensações em diferentes instantes da leitura deste distinto ÓDIO, AMIZADE, NAMORO, AMOR E CASAMENTO; coletânea de contos desta ilustre desconhecida escritora canadense.

As disparidades começam já no princípio, quando senti certo desconforto naquilo que pareciam ser contos que de tão simplórios, beiravam o banal. Depois achei que o problema não era no método literário da autora, mas na diagramação que não deixava o texto respirar. Daí eu me irritei com o excesso de explanação dos personagens e informações desnecessárias que só faziam aumentar ainda mais os enormes contos, a ponto de quase desistir da leitura. Foi então que, ao reduzir a velocidade, comecei a me acostumar com a doçura dos excessos. E finalmente me encantei com a condução despretensiosa de Alice Munro, que sabe narrar a existência humana de maneira a nos dar uma ótica perfeita das eventualidades da vida.

Aprendi que Alice é autora que funciona devagar; que precisa ser lido com muita calma para que não se percam os detalhes, pois é na apreciação deles que conseguimos encontrar a alma do texto. É como observar uma tela abstrata em que se carece de perseverança para se descobrir a beleza.

A forma dos contos escapa um pouco o habitual e aqui o excesso analítico que a autora usa em seus personagens se fixa quase sempre em instantes triviais. Muitas vezes os contos parecem retalhos de algo maior; fragmentos que foram extraídos de um romance, como algo sem começo nem fim. Não há a preocupação em dar um término lógico, um sentido ou a premissa de se transmitir algo. Não. Os contos dessa autora parecem narrar o desimportante; o abandono, o lado que ninguém nota.

Somente quando aceitei este fato é que comecei a gostar da leitura.

Os contos quase sempre manipulam o entremeio para propositalmente não encontrar nenhum tipo de extremo. Nada de vilões ou heróis, apenas seres cheios de inconstâncias defrontando o ineditismo de suas existências. E desse modo, a narrativa segue por uma trilha que precisa ser absorvida com calma, ou do contrário deixa a incômoda impressão de insignificância.

O último conto intitulado “O Urso Atravessou a Montanha” foi a confirmação definitiva de que eu tinha em mãos um grande livro. Achei emocionante adentrar, sem nenhum pudor ou apresentações, na vida de um casal já na terceira idade que começa a enfrentar as durezas ocasionadas pelo Alzheimer que acometeu a esposa. Ela é internada num centro de tratamento e lá começa uma afetiva relação com um dos internos. É fabuloso a narrativa que mantém a proximidade do ponto de vista do marido, que apesar de ver sua esposa absorta numa nova relação e ter sua mente confusa, exalando os mais difusos sentimentos, ainda mantém o zelo e dedicação a ela, como se seu universo estivesse tão enraizado no casamento que já não fosse mais possível escapar dele.

ÓDIO, AMIZADE, NAMORO, AMOR E CASAMENTO não é um livro de fácil digestão. Não por trazer temas espinhosos ou uma linguagem complexa. O que talvez seja o grande desafio ao encarar esta surpreendente obra, é o exercício da paciência na leitura; de deixar o texto fluir calmamente. Até que possa revelar-se em plena venustidade as experiências mais simples da vida.

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