Preciso reconhecer que minha
incursão inicial com Alice Munro
causou-me diferentes sensações em diferentes instantes da leitura deste
distinto ÓDIO, AMIZADE, NAMORO, AMOR E
CASAMENTO; coletânea de contos desta ilustre desconhecida escritora canadense.
As disparidades começam já
no princípio, quando senti certo desconforto naquilo que pareciam ser contos
que de tão simplórios, beiravam o banal. Depois achei que o problema não era no
método literário da autora, mas na diagramação que não deixava o texto
respirar. Daí eu me irritei com o excesso de explanação dos personagens e
informações desnecessárias que só faziam aumentar ainda mais os enormes contos,
a ponto de quase desistir da leitura. Foi então que, ao reduzir a velocidade,
comecei a me acostumar com a doçura dos excessos. E finalmente me encantei com
a condução despretensiosa de Alice Munro,
que sabe narrar a existência humana de maneira a nos dar uma ótica perfeita das
eventualidades da vida.
Aprendi que Alice é autora
que funciona devagar; que precisa ser lido com muita calma para que não se
percam os detalhes, pois é na apreciação deles que conseguimos encontrar a alma
do texto. É como observar uma tela abstrata em que se carece de perseverança
para se descobrir a beleza.
A forma dos contos escapa um
pouco o habitual e aqui o excesso analítico que a autora usa em seus
personagens se fixa quase sempre em instantes triviais. Muitas vezes os contos
parecem retalhos de algo maior; fragmentos que foram extraídos de um romance,
como algo sem começo nem fim. Não há a preocupação em dar um término lógico, um
sentido ou a premissa de se transmitir algo. Não. Os contos dessa autora
parecem narrar o desimportante; o abandono, o lado que ninguém nota.
Somente quando aceitei este
fato é que comecei a gostar da leitura.
Os contos quase sempre
manipulam o entremeio para propositalmente não encontrar nenhum tipo de
extremo. Nada de vilões ou heróis, apenas seres cheios de inconstâncias
defrontando o ineditismo de suas existências. E desse modo, a narrativa segue
por uma trilha que precisa ser absorvida com calma, ou do contrário deixa a
incômoda impressão de insignificância.
O último conto intitulado “O Urso Atravessou a Montanha” foi a
confirmação definitiva de que eu tinha em mãos um grande livro. Achei
emocionante adentrar, sem nenhum pudor ou apresentações, na vida de um casal já
na terceira idade que começa a enfrentar as durezas ocasionadas pelo Alzheimer
que acometeu a esposa. Ela é internada num centro de tratamento e lá começa uma
afetiva relação com um dos internos. É fabuloso a narrativa que mantém a
proximidade do ponto de vista do marido, que apesar de ver sua esposa absorta
numa nova relação e ter sua mente confusa, exalando os mais difusos
sentimentos, ainda mantém o zelo e dedicação a ela, como se seu universo
estivesse tão enraizado no casamento que já não fosse mais possível escapar
dele.
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