segunda-feira, 9 de julho de 2018

A ENCRENCA EM SETE PARÁGRAFOS – MISOGINIA


Certa feita estava eu numa delicatessen tomando cerveja sofisticada demais para o meu mirrado orçamento (eu só estava lá a convite do meu chefe, aliás, creio ter sido esta a primeira vez em que entrei nesta loja), quando surgiu no meio dos lustrosos clientes da classe média, uma cena que me chamou a atenção.

Havia surgido um assunto em que um dos clientes defendia a tese de que para ser um bom vendedor de cerveja é preciso antes que se goste de cerveja. Veja que o assunto havia começado porque o atendente que procurava nos oferecer as distintas marcas importadas era uma mulher que alegou inocentemente não gostar de beber.

Tentei timidamente argumentar que discordava; que um comerciante de quadros não carece de ser um Botticelli para se tornar um exímio vendedor. Logicamente, o sujeito não gostou nem um pouco da minha réplica dizendo que meu exemplo não era válido. Então, o cara elevou sua empáfia e salientou que era um ótimo vendedor de carros porque é também um apreciador dos possantes que vende. Em seguida veio o ápice de sua prepotência: ele andou até o balcão onde se encontrava a pobre atendente, segurou em seu queixo e soltou a seguinte pérola: “é claro que um rosto bonito como este ajuda muito no atendimento. Mas se quiser vender cerveja, primeiro você precisa gostar”.

Perceba que essa história vem permeada de alguns detalhes que talvez aconteça diariamente sem que notemos: o cliente se mostrou desconfortável por receber sugestões de cerveja de uma mulher e tal situação lhe pareceu inaceitável quando ela confessou que não bebia. Em seguida, o malquisto foi até ela e fez o comentário sobre sua aparência estética, coisa que não teria acontecido se o vendedor da loja fosse um homem que não bebe... Mas eis que ali naquela loja que vende coisas de homens, se encontrava uma atendente mulher, e o cliente machista olhou-a de cima pra baixo com o característico patriarcalismo típico dos homens.

A misoginia é talvez o preconceito mais antigo de que se têm notícias. Podemos constatar essa ideia se analisarmos as escrituras de religiões milenares, principalmente as monoteístas. E mesmo se buscarmos aforismos de pensadores brilhantes da humanidade, não é difícil encontrar a repulsa excessiva contra as mulheres. Poderia citar alguns como Nietzsche, Schopenhauer, Erasmo de Roterdã e toda a filosofia grega...

O episódio que mencionei na loja de cervejas talvez não tivesse ocorrido caso o arrogante cliente tivesse discernimento de seu ato; Talvez até já existam homens se envergonhando ao identificar em suas ações a misoginia... Talvez. Mas a verdade é que este tipo de preconceito continua tão forte culturalmente que ele acontece o tempo todo e de forma quase natural.

Mas basta irmos buscar dados estatísticos ou cognitivos para que a falácia machista caia por terra. As corretoras de Seguros de automóveis já aprenderam esta lição. E propositalmente uso esta referência para cutucar um pouco mais o cliente da delicatessen. Sim, pois as agências de seguros há muito já oferecem consideráveis descontos para clientes mulheres porque estatisticamente elas praticamente não se metem em acidente, numa proporção de dez ocorrências com homens para uma com mulheres. Ué, e aquele papo de que “mulher no volante é igual a perigo constante”? Tenhamos cautela, principalmente porque para um preconceituoso existir, é preciso que algo na vítima concorde com ela.

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