Certa feita estava eu numa delicatessen
tomando cerveja sofisticada demais para o meu mirrado orçamento (eu só estava
lá a convite do meu chefe, aliás, creio ter sido esta a primeira vez em que
entrei nesta loja), quando surgiu no meio dos lustrosos clientes da classe
média, uma cena que me chamou a atenção.
Havia surgido um assunto em
que um dos clientes defendia a tese de que para ser um bom vendedor de cerveja é
preciso antes que se goste de cerveja. Veja que o assunto havia começado porque
o atendente que procurava nos oferecer as distintas marcas importadas era uma mulher
que alegou inocentemente não gostar de beber.
Tentei timidamente argumentar
que discordava; que um comerciante de quadros não carece de ser um Botticelli
para se tornar um exímio vendedor. Logicamente, o sujeito não gostou nem um
pouco da minha réplica dizendo que meu exemplo não era válido. Então, o cara
elevou sua empáfia e salientou que era um ótimo vendedor de carros porque é
também um apreciador dos possantes que vende. Em seguida veio o ápice de sua
prepotência: ele andou até o balcão onde se encontrava a pobre atendente,
segurou em seu queixo e soltou a seguinte pérola: “é claro que um rosto bonito
como este ajuda muito no atendimento. Mas se quiser vender cerveja, primeiro
você precisa gostar”.
Perceba que essa história
vem permeada de alguns detalhes que talvez aconteça diariamente sem que
notemos: o cliente se mostrou desconfortável por receber sugestões de cerveja
de uma mulher e tal situação lhe pareceu inaceitável quando ela confessou que
não bebia. Em seguida, o malquisto foi até ela e fez o comentário sobre sua
aparência estética, coisa que não teria acontecido se o vendedor da loja fosse
um homem que não bebe... Mas eis que ali naquela loja que vende coisas de
homens, se encontrava uma atendente mulher, e o cliente machista olhou-a de
cima pra baixo com o característico patriarcalismo típico dos homens.
A misoginia é talvez o preconceito
mais antigo de que se têm notícias. Podemos constatar essa ideia se analisarmos
as escrituras de religiões milenares, principalmente as monoteístas. E mesmo se
buscarmos aforismos de pensadores brilhantes da humanidade, não é difícil
encontrar a repulsa excessiva contra as mulheres. Poderia citar alguns como
Nietzsche, Schopenhauer, Erasmo de Roterdã e toda a filosofia grega...
O episódio que mencionei na
loja de cervejas talvez não tivesse ocorrido caso o arrogante cliente tivesse
discernimento de seu ato; Talvez até já existam homens se envergonhando ao
identificar em suas ações a misoginia... Talvez. Mas a verdade é que este tipo
de preconceito continua tão forte culturalmente que ele acontece o tempo todo e
de forma quase natural.
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