segunda-feira, 23 de julho de 2018

RESENHA DE LIVRO – UMA MULHER EM BERLIM


As guerras não são apenas o resultado fatal da ganância de um povo. Conflitos bélicos significam a hecatombe máxima orquestrada por tiranos idealistas que de algum modo chegaram ao poder deste mesmo povo. E como resultado quase que inescapável testemunha-se a miséria total de nações devastadas por ideais sempre, mesquinhos, ilógicos e desumanos.

Esta definição propositalmente totalitária tem por intuito demonstrar o quanto penso ser injustificável a violência entre nações. E embora possam ter existido exceções ao longo da história da humanidade (não consigo pensar em nenhum caso no momento), talvez a natureza caótica dos homens pudesse ser consideravelmente amainada se antes de levantar armas, eles pudessem ler os relatos de pessoas comuns que vivenciaram a desgraça de perto.

UMA MULHER EM BERLIM possui exatamente esse poder: o de fragilizar o leitor a ponto de fazer com que a noção de ganância e vaidade humana paire constante na superfície de sua mente; faz-nos sentir o asco perante a maledicência desnudada dos homens.

Trata-se do diário catastrófico de uma berlinense que relatou seus dias de trevas, entre as datas de 20 de abril até 22 de junho de 1945, a indescritível miséria de se viver numa cidade devastada pela guerra. As precárias condições em que pessoas (principalmente mulheres e crianças) precisam lidar diariamente causa vergonha porque estamos vendo de muito perto o resultado da ganância humana, a falta de compaixão e o despotismo impiedoso de invasores sobre invadidos.

É fácil compreender porque a autora optou por se manter anônima: ao longo de todo o diário se repete ininterruptamente realidades como: estupros coletivos, fome constante, prostituição como meio de sobrevivência. É uma narrativa fria, minuciosa, porém, triste e pesada; que conta os dias difíceis enfrentados pelas mulheres que estiveram em Berlin no final da guerra quando o exército soviético tomou conta da capital alemã.

Embora o teor seja pessoal como geralmente acontece nos diários, creio que este livro sustente um viés documental de fundamental importância, pois relata de maneira despudorada o sofrimento de mulheres alemãs que se viram encurraladas numa cidade ausente de seus homens que foram mandados para morrer no front de batalha, à mercê da crueldade do exército inimigo. E como ainda existem poucas vozes femininas testemunhando guerras, UMA MULHER EM BERLIM deve ser preservado por ser um relato muito forte da perda na dignidade feminina em nome da sobrevivência.

A autora se mostra dotada de elevada erudição; chega até a fazer citações filosóficas, reflete sobre a complexidade humana e sabe conduzir uma narrativa que, embora triste e crua, flui coesa e bem escrita. Mas admirável mesmo é sua coragem e sanidade em documentar, mesmo perante tempos cruéis que levam o ser humano a vivenciar seus próprios limites.

Se esta é uma obra de difícil digestão, certamente que sim. Mas testemunhos peculiares da guerra como este precisam ser difundidos e conhecidos pela posteridade. Para que ao menos a barbárie humana seja confrontada em pé de igualdade com algo quase utópico quanto o altruísmo.

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