quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

A ENCRENCA EM SETE PARÁGRAFOS – VELHICE


Finitude, decrepitude, vetustez, ancianidade, longevidade... Talvez o título dessa reflexão tornar-se-ia um tanto politicamente correto, caso eu fizesse uso de um destes termos higienizados. Mas creio que nenhum deles consegue alcançar com a mesma precisão aquilo que o substantivo “velhice” suscita em nossas mente, após o ouvirmos ou lermos.

De maneira quase que inevitável nós repudiamos a velhice como se fosse um mal inescapável; uma punição dada a todo ser que achou que seria esquecido em algum canto pelo tempo. No entanto, eu nunca ouvi falar de alguém que ansiasse pela morte antes de ficar velho. Ninguém quer desembarcar desse mundo sem antes passar pela terceira idade, como se a longevidade fosse uma espécie de atestado de excelência; status de merecimento alcançado apenas por aqueles que superaram as muitas mazelas existenciais.

Velhice implica perda de capacidade motora, debilidade física e, principalmente, queda elevada daquilo que antes eram atributos estéticos. Mas a velhice também é lugar de discernimento, a idade onde há elevação da humildade, a perda considerável da ingenuidade e muitas vezes um ganho enorme na capacidade de fazer melhores escolhas... Portanto, tornar-se velho não é melhor ou pior do que as demais fases da vida. Ser velho é apenas mais uma fase da existência, que igualmente a outros estágios, possui suas vantagens e desvantagens.

Acho ótima a metáfora usada pelo historiador Leandro Karnal em um de seus excelentes Café Filosóficos, quando ele diz que estar num corpo envelhecido é como se tornar um excelente motorista de posse de um carro ultrapassado; agora que a mente adquiriu discernimento para saber o que fazer, não temos mais um corpo vigoroso que corresponda com a noção de ideal. O motorista (a mente) deixou de ser jovem e inconsequente, mas o carro (o corpo) agora é frágil e cheio de limitações. Simplesmente porque a verdade inegável é que não dá para se aprender a viver, para depois viver. Experiência se adquire em conformidade com o movimento... Mas se a velhice não é nada mais do que o último estágio banal de uma vida, porque há tantas pessoas que a temem como se fosse um agouro inevitável?

Talvez porque ao pensarmos na velhice sob a égide da vaidade, cresce dentro de nós o medo de perdermos tudo o que na juventude nos era considerado virtude: beleza física, desempenho sexual, disponibilidade e vigor natural. E embora possa ser facilmente identificado diversos atributos alcançáveis em seu ápice somente na finitude, nenhum deles parece tão atraentes quanto às características da preciosa mocidade.

Ou ainda pior do que o ego pela eterna jovialidade, talvez a velhice corresponda a fase em que o ser humano mais tema por conta de uma fatalidade: a morte. É por termos tanto medo de morrer que talvez a terceira idade nos pareça tão ameaçadora; sabermos que temos menos tempo pela frente do que tempo vivido pode ser uma constatação extremamente macabra.

Na antiguidade os velhos eram postos na condição de sábios e conselheiros da comunidade, sendo as observações destes velhos portadores de vasta experiência, a possibilidade de aumentar os acertos na hora de se tomar alguma decisão. Contudo, a juventude de nosso tempo, de posse da atual e notável tecnologia, é detentora de qualquer informação ao alcance de um clique... Mas como dizia o sábio filósofo Kant: “Informações servem apenas para ser refutadas”. Ou seja, sabedoria é saber o que se faz com as informações que adquirimos. E pode ser que somente nesta tão temerosa condição da velhice é que alcançaremos tal preciosidade; a sensibilidade intelectiva para discernir e transformar dados em qualidade de vida.

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