Por ser uma pessoa que lê
demais, eu tenho o pretensioso hábito de achar que vou adivinhar o rumo de uma
trama, já no seu comecinho. Foi essa a impressão que fiquei ao iniciar a
leitura desse fabuloso CORPOS ELÉTRICOS:
homem é atraído pela beleza exótica e aparência sôfrega de uma mulher
dominicana a qual ele se depara dentro do metrô. Este acaso aproxima as duas
existências discrepantes; de um lado o executivo bem sucedido, e do outro a
imigrante pobre e cheia de problemas. Portanto, quando me deparei com esta
temática tão desgastada eu achei ter pescado com precisão o que este livro
queria contar.
Enganei-me completamente. O
autor Colin Harrison (o cara é o
marido de uma autora que gosto demais, a extraordinária Kathleen Harrison) logo
nos tira do senso comum, para nos mergulhar numa narrativa que, de modo
tangível, nos remete às duras incertezas contidas no ato de se inserir numa
vida completamente desconhecida.
A diversidade de mundos
sociais é mostrada aqui de forma bem construída e sem a intenção de tomar algum
partido. CORPOS ELÉTRICOS é um livro
que inicialmente parece dar a impressão de que estamos mergulhando numa espécie
de 50 Tons de Cinza. No entanto, o
autor sabe fugir desse caminho tolo e previsível. Colin Harrison prefere focar na problemática de um homem bem
sucedido, porém, solitário, querendo recuperar perdas passadas e que ainda precisa
encarar a turbulência desgastante de grandes fusões que estão para acontecer
dentro da milionária companhia em que trabalha. Tudo o que ele menos precisa
neste momento é se envolver com uma mulher cuja existência soa perigosamente
incerta... E num habitual trajeto de metro, eles se esbarram.
A trama é permeada de
reviravoltas, que acontecem de modo lento porque o autor é um pouco prolixo,
algo que incomodaria caso a habilidade narrativa lhe escapasse. Seu personagem
principal, Jack Whitman é um homem desacreditado e totalmente entediado com sua
vida, e ele faz de seu trabalho uma espécie de válvula de escape existencial,
canalizando todos os seus esforços na profissão como se isso pudesse afastá-lo
do passado trágico.
A moça do metrô, Dolores
Salcines é uma hecatombe humana; mulher cujo caos está descrito em seus
próprios gestos, ela é uma existência sem perspectiva e parece lutar para fugir
de algo. A construção psicológica entre os dois personagens é brilhantemente
evolutiva, começa de modo arisco, pouco à vontade, e vai se transformando em
algo íntimo, sem bases, mas cheio de expectativas, principalmente por parte
dele, situação que inevitavelmente o faz entrar em choque com o passado
misterioso da mulher.
A narrativa é intimista,
porém não procura tomar partido ou induzir o leitor. Ela simplesmente vai
desenrolando a história. Vomita situações na cara do leitor e apenas segue com
sua linha ágil e intensa. Colin Harrison
nos coloca de tal maneira na pele de Jack Whitman, que vez ou outra um nó de
angústia se formou em minha garganta, assim como segurei para não chorar em
duas situações. E o final, embora nada previsível, é de uma crueza que quase
incômoda, como se o livro estivesse apenas terminando mais um capítulo.
NOTA: 8,9
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