Em minha humilde e leiga
opinião, Clarice Lispector é
simplesmente a melhor autora da língua portuguesa que conheço. Seu teor
existencialista submerge o leitor em profundidades reflexivas de forma quase
que inalterável; Clarice é trajeto que deve ser percorrido novamente, pois o
reencontro é sempre uma nova aprendizagem. Pelo menos é o que acontece comigo
em quase todas as obras que li e reli.
Clarice é leitura que não envelhece;
que não segue direção específica, que escapa do mero vislumbre narrativo
tradicional para mergulhar nas agruras introspectivas do ser humano... Sem
jamais fazer julgamentos ou tomar partidos. Gesto sem fórmulas. Apenas o ato de
fazer refletir, ela é autora que dedicou-se a transitar através do intricado e
misterioso íntimo humano.
Sua escrita não possui a pretensão de objetividade. De fato, a parte mais sublime de Clarice Lispector é seu próprio poder de submeter-nos à introspecção.
Nunca antes eu havia
resenhado algum romance da mestra e posso dar duas razões pelas quais jamais me atrevi a
explanar uma de suas obras: primeiro porque Clarice é um fenômeno de nossa literatura.
E como tal, seus livros já foram incansavelmente resenhados por gente muito
mais habilidosa do que eu. Em segundo lugar, sempre que eu termino de ler um de
seus trabalhos, vejo-me com a sensação de que ainda ficaram pedaços esquecidos
ao longo da leitura. Como se o livro ainda tivesse algo para me dizer... E
quase sempre a releitura só comprova esta suspeita: Clarice é mesmo uma incursão
inesgotável.
Isso leva a uma questão
pertinente: por que então resolvi resenhar este nada menos que magnífico UM SOPRO DE VIDA?
Talvez pelo instante em que
me encontro e o fluxo intenso de consciência despertado em meu ser, fez-me
querer, de algum modo, ver ao menos este livro por mim resenhado. No entanto,
acho que a principal razão seja o fato de que UM SOPRO DE VIDA foi a última obra escrita por Clarice e publicado
apenas postumamente. E hoje, dia dez de dezembro, é o aniversário da autora. Então
quis falar um pouco desta obra que, de fato, deixou-me com a sensação de que
era Clarice, ela própria, externando-se a cada página que eu virava.
A trama é um embate
introspectivo entre criador e criatura. O autor-narrador constrói uma
personagem, Ângela Pralini, e com ela discorre, ao longo de toda a obra,
diálogos apreensivos de auto reconhecimento, com sofisticadas notas de poesia
em prosa. Os dois sustentam colóquios densos, profundos e irrequietos. Ora soam
como aforismos, fragmentos isolados. Noutras situações parecem entraves tomados
por uma filosofia existencial quase religiosa.
A interação diz muito em
poucas palavras. O intuito de Clarice Lispector
não é seguir linearidades, mas traçar um diálogo de consciências individuais
que insere matéria e alma em plena sintonia... Provocando um incômodo profundo.
UM
SOPRO DE VIDA é obra genial que responde à necessidade de
se colocar tudo em questão sem repouso admissível; resgatar o leitor de seu
horizonte conhecido para então inseri-lo num espaço imediato de desconforto e
desafio de si mesmo... Através de sua literatura, Clarice coloca em risco o
lugar comum do pensar. E talvez por isso tanta gente desconheça ou não se
interesse por lê-la.
E se você ainda não é um
caminhante do universo clariciano, vai aqui o meu único conselho: permita-se,
humilde e despudoradamente. Exatamente como ela fez ao deixar seu legado
literário:
“Tudo
o que aqui escrevo é forjado no meu silêncio e na penumbra. Vejo pouco, ouço
quase nada. Mergulho enfim em mim até o nascedouro do espírito que me habita. Minha
nascente é obscura. Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim. Quer dizer:
não sei o que fazer com meu espírito. O corpo informa muito”.
(Um Sopro de Vida – pag. 17).
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