sábado, 18 de maio de 2019

RESENHA DE LIVRO – A MORTE DE IVAN ILITCH


Pensar sobre a morte nos aproxima de nossa humanidade porque se trata de tema a exigir que olhemos para nós mesmos; a noção de sua proximidade nos afasta daquilo que nos constituía como indivíduos sociais: bens materiais, profissão respeitável, requinte e vaidade. Então, resta apenas o retorno ao que nos é verdadeiro, o frágil e palpável insignificante ser humano; mesmo que isso nos ocorra de modo caótico.

A MORTE DE IVAN ILITCH, primeiro leitura que fiz do aclamado escritor russo Lev Tolstói, causou-me certo desconforto existencial, mais ou menos como tentei expressar na frase que inicia esta resenha. A ideia de inexistência da finitude parece soar como condição para que consigamos viver em paz. No entanto, como somos a única espécie da natureza que sabe que a ampulheta da alma escorre sua areia de modo ininterrupto, procuramos formas de nublar essa certeza, quase que de modo obstinado.

A trama nos coloca perto de um homem (O Ivan do título) que está em busca daquilo que considera essencial: os signos sociais permissivos à dignidade de sua existência. Então nosso herói é acometido de implacável doença e, de repente, se vê a beira da morte. Veja bem: aqui a resenha não está cometendo nenhum spoiler; não apenas o protagonista, como também o leitor sabe, desde o princípio, que Ivan irá morrer. E tal percepção não é o fio condutor do enredo, mas a desconstrução de um homem que, assim como todos os outros mortais, pensa que pode se esconder da finitude.

Sempre que pego um autor clássico o qual ainda não conheço, respiro fundo e busco invocar a máxima concentração possível, já prevendo que estou adentrando em território dificílimo de percorrer. Contudo, em se tratando de Tolstoi isso não aconteceu. O cara escrevia de modo simples e permissivo, como se a verdadeira genialidade da escrita se desenvolva por meio de relatos descomplicados e que nem por isso perdem o viés daquilo que se quer expressar. Fez-me pensar que a linguagem erudita muitas vezes é apenas sinônimo de pedantismo e a intenção vaidosa de tornar ideias pouco claras.

O livro é curtinho; da para chegar ao final antes que a segunda xícara de chá termine. Porém, isso provavelmente não acontecerá porque A MORTE DE IVAN ILITCH é um convite à reflexão; simplesmente não é possível percorrer estas páginas sem fazermos algumas pausas para olharmos com um pouco mais de sensibilidade para a nossa própria existência e o que estamos fazendo com ela.

É um raro livro que trata de amargo assunto em que estamos todos nós determinados. E embora a morte paire arrogante em toda sua inevitabilidade, talvez seja exatamente sua presença aquilo que mais nos aproxima do nosso lado mais orgânico; a percepção de que nada importa, somos apenas células insignificantes e irrisórias em busca de significado justamente onde não se pode haver: no desprezível acúmulo substancial de coisas.

NOTA: 8

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