sábado, 19 de setembro de 2020

CRÔNICA - O NÃO LUGAR DA ALEGRIA

Certa vez tive minha inveja atiçada ao assistir o depoimento de uma escritora renomada que relatava, com excessivo entusiasmo, sobre a melhor sensação do mundo que foi segurar seu primeiro livro em mãos. Disse que não importava se este havia sido publicado ou não, se era inovador ou repetitivo, se havia custado caro ou gerado despesas... Os meios não justificam os fins! De acordo com o testemunho daquela autora, segurar o primeiro livro era como receber um filho nos braços.

Aquele efusivo relato jamais deixou meus pensamentos. E com o orgulho atrofiado, imaginava-me segurando minha cria nos braços, com olhos rasos e a certeza de uma concepção finalmente concretizada, anos após anos de extenuante trabalho (quem escreve longos textos sabe do que estou falando). Ter meu livro finalmente entre meus dedos seria o ápice da alegria!

Pois eis que este futuro tão ansiado finalmente chegou em 2019.

Na capa da obra uma mão buscando alcançar a maçaneta. Mal sabia eu que seria a reprodução idêntica de minha própria mão quando avançou dedos embevecidos de encontro à obra recém-chegada, retirada da embalagem ordinária dos serviços postais. Era o primeiro encontro entre obreiro e sua obra, criador e criatura, pai e o aguardado filho...

Confesso que ainda não delirei desvairadamente ou derramei lágrimas. Reproduziu-se, pelo menos até o instante em que escrevo esta inofensiva confissão, apenas um enternecimento acanhado, típico da timidez, a costumeira impressão de que a “ficha ainda não caiu”. Mas na certeza de que, seja o que me espera o futuro sempre irrevelável, não importa... Meu filhote de celulose está ao alcance das mãos, descansando na estante que é seu berço. E eu estou imensamente satisfeito!

Psicólogos costumam dizer que o estado evolutivo de perda da ansiedade nos remete a uma condição de serenidade da mente, mas que é inevitável a perda da euforia em níveis iguais. Ou seja, quando se alcança um equilíbrio mental, tanto o desânimo quanto o entusiasmo deixam de existir. É como se o pêndulo emocional houvesse travado no centro do painel.

Vez ou outra minha esposa surge cheia de alegria para me contar uma boa notícia. E quase sempre percebo a queda de seu entusiasmo quando ela nota que não reproduzo a mesma empolgação. Mas é claro que me sinto bem com a boa nova, principalmente nos atuais tempos de trevas em que nossa sociedade brasileira vive. No entanto, sei que ela esperava um pouco mais de retorno, pelo mesmo motivo: se são trevas o que compõe o nosso meio, boas notícias deveriam ser amplamente saudadas para que vida se torne suportável.

Às vezes penso que de tanto trabalhar meu psicológico por medo de sofrer, acabei encontrando sofrimento no encontro com a coisa parada, morna. Efeito colateral da perda da aflição foi a inevitável queda da satisfação... Como se meu mundo houvesse se tornado nulo.

Sim, tudo isso soa como uma análise tola, afinal, existe tanta gente no mundo desesperada por encontrar uma cura para a ansiedade aparentemente indestrutível. Ou o oposto, que é gente que se emociona até em inauguração de supermercado. Meu ser parece ter conseguido encontrar o equilíbrio ideal que muita gente anseia e o faz por meio de medicação ou entorpecentes.

Pois este deveria ser conteúdo de regozijo por eu ter encontrado o núcleo do ciclone, enquanto a grande maioria continua descabelada e rodopiando ao meu redor... mas e quem disse que equilíbrio é o lugar onde está a alegria?

Felicidade é a maior quimera dos homens.

O prazer não deve estar nas coisas, nem em lugares, menos ainda em posições. Essa coisa inominável que nos faz querer que determinado instante, por ser tão gostoso, dure um pouco mais, talvez seja simplesmente um estado de espírito atento, que permanece vigilante à espera desses instantes escapadiços os quais achamos que a vida vale à pena ser vivida.

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