O escritor Roa Bastos dizia que “um livro só existe na cabeça do leitor”. Ou seja, toda essa aglomeração de palavras somente toma forma quanto se insere na imaginação daquele que a lê. Mas e quando a mente se encontra prejudicada por enfados da vida cotidiana, que a impossibilita do mergulho necessário que a literatura carece? Pois bem, estou em tempos de ausência de interesse nas coisas, principalmente por conta desse tédio constante e crescente que vem me acometendo nos últimos meses, o que anda prejudicando as leituras que fiz neste período...
Desse modo, a não absorção
da leitura está prejudicando as analises que faço e, portanto, estou pensando
em parar com as resenhas por um tempo.
Senti a pertinência desse
desabafo pela imensa dificuldade que tive em analisar este livro, cuja autoria
é de um dos meus escritores favoritos. E quando se está diante de algo
sabidamente aprazível e, mesmo assim, o esforço para seguir com a leitura é
titânico, deve ser porque talvez seja o momento de fazer uma pausa.
Se você leu até aqui, peço que
desconfie de todas as impressões que se seguirão. Aliás, é bastante saudável que
se mantenha certo olhar desconfiado para qualquer desocupado, que por falta do
que fazer, resolve gastar seu tempo metendo o bedelho no trabalho dos outros,
como é o caso deste transgressor que vos escreve.
A literatura é uma
plataforma multifacetada cujo olhar oblíquo pode até não dar conta do mundo,
mas é o meio de produção cultural que mais alcança os lugares escuros e
desabitados da sociedade. Neste INFORMAÇÃO
AO CRUCIFICADO, o mestre Carlos
Heitor Cony nos convida a conhecer um seminarista que escolhe o caminho do
sacerdócio por pura estética, por considerar “bonito ser padre”, nas palavras
do próprio protagonista.
João Falcão decide por
vontade própria deixar a casa dos pais aos onze anos de idade e seguir para o
seminário, alheio a qualquer predileção eclesiástica ou inclinação celibatária,
mas apenas como um jovem inteiramente convicto de sua noção, digamos, ausente
do instinto da servidão. João usa um diário de capa verde como confessionário,
e é precisamente esse diário da personagem o relato de jornada de consagração a
Deus que iremos acompanhar.
O tema central deste livro é
a apostasia. A personagem João Falcão se encontra imerso no universo complexo
da religião e as incertezas de suas escolhas entrarão em choque com os conceitos,
sejam estes palatáveis ou não, estabelecidos dentro desses espaços
institucionalizados.
O livro é bem escrito, como
não poderia ser diferente em se tratando de Cony. João Falcão é um sujeito
esclarecido, detentor de uma mente questionadora que coloca as coisas em
perspectiva, analisa os fatos de um modo amplo, para além da obviedade
conceitual. Há relatos imersivos, outros engraçados, há aqui uma sensibilidade tão
eloquente inserida na narrativa que não vejo alternativa senão fazer uma
inevitável releitura, talvez quando minha mente estiver de volta aos eixos
normais.
INFORMAÇÃO AO CRUCIFICADO é um livro singular cuja temática, puramente, já é elemento instigante o bastante. Tem uma personagem carismática que causa empatia imediata, um olhar crônico agradável e os aspectos narrativos tão apreciados de um dos maiores escritores da nossa língua.
NOTA: 8,1
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