Culinária e filosofia são duas instâncias distintas demais para serem objeto de interesse de uma mesma empreitada. É o que eu pensava até colocar meus olhos no trabalho deste espanhol chamado Josep Muñoz Redón, intitulado A COZINHA DO PENSAMENTO, onde já na introdução podemos ter um vislumbre de sua premissa, quando diz que “a gastronomia é a arte de condimentar os alimentos para produzir felicidade, enquanto a filosofia é o engenho de cozinhar ideias para obter perguntas”.
Faz sentido, senhor Redón,
afinal, só se pode produzir o alimento da alma, mentes saciadas do alimento do
corpo. Portanto, temos aqui uma produção rara de literatura filosófica,
mesclada a informações e curiosidades gastronômicas, o que os mais notórios
pensadores comiam, de que maneira a sociedade fazia suas refeições, quais eram
os alimentos mais comuns. E os dois assuntos, que antes da leitura pareciam
imiscíveis, tornaram-se uma divertida e estruturada obra, ganhadora do
importante prêmio Sent Sóvi, no ano de 2004.
Cada capítulo nos introduz um
filósofo, faz-se um breve resumo sobre sua vida e obra, juntamente com
informações a respeito do costume alimentar que levava. Partindo dessas
definições, Josep Muñoz Redón procura esquadrinhar o intelecto de um bem
alimentado grupo de filósofos, imaginando seus hábitos à mesa e seus desejos
por inovar no paladar.
Ao término de cada um dos
capítulos, temos uma receita de pratos sofisticados, com ingredientes oriundos
dos principais itens citados no texto. Em seguida, segue-se um enigma de
sobremesa; um breve probleminha para o leitor instigar e abrir o apetite da
mente.
Imagino que o livro pretenda,
acima de tudo, atrair leitores de diferentes nichos por meio de uma escrita
divertida, mas sem parecer leviano, a ideia é exibir a relevância que o
alimento possui como ferramenta que fortalece o pensamento, popularizar a
filosofia através da associação com a gastronomia.
Outro aspecto que me parece
central é que o livro tenta desmitificar a gastronomia. Sim, pois se a
filosofia parece ter total pertinência na esfera literária, acho que com a
gastronomia isso se torne, digamos, algo restritivo; a literatura gastronômica
parece limitada a livros de receita, inclusive há quem considere uma estética
sem linguagem, ou uma estética que não pode ser definida como arte.
O autor buscar com sua obra nos mostrar a necessidade de um comer reflexivo como procedimento à mesa, desafiando a alienação que a gastronomia ocidental traz como marca de nascença.
A COZINHA DO PENSAMENTO é um compilado de pensamentos filosóficos, que não são estranhos aos processos do apetite e da digestão. As ideias, assim como os pratos, também são preparadas, desejadas, cozinhadas, digeridas e oferecem, mais do que analogias, conexões complexas e imprevisíveis.
NOTA: 9,3
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