sábado, 5 de outubro de 2024

RESENHA DE LIVRO – O DIA EM QUE MATEI MEU PAI

Deram-me a indicação desta obra no curso de psicanálise que faço. Disseram se tratar de um abrangente relato de parricídio e complexo de édipo. De fato, os elementos sugeridos estão no arco central da trama..., mas alguns probleminhas colocaram uma interrogação nos adjetivos dados ao conteúdo.

Vamos falar sobre eles.

Com um título autoexplicativo, este O DIA EM QUE MATEI MEU PAI, narra em primeira pessoa os motivos pelos quais o protagonista deu cabo de seu genitor. Isso ocorre logo nas primeiras páginas, depois teremos uma trajetória de relatos que servirão para validar ou não o parricídio. Como se dividido em três atos, a trama primeiro foca no assassinato e algumas possíveis motivações, em seguida somos apresentados a um livro inacabado escrito pela personagem principal, e chegamos a terceira parte que nos traz mais alguns elementos para compreensão das motivações do narrador.

Os méritos narrativos podem ser notados logo no início da trama. O autor Mario Sabino, que ainda não conhecia, nos entrega sua personagem como confessor, a voz que irá nos conduzir ao longo da leitura. Percebe-se de imediato o estilo atraente, a linguagem textual é fluída e a personagem não é autoindulgente; ele não parece interessado em justificar seus atos, mas apenas relatar o que houve. A pessoalidade também comunga o tempo inteiro com aspectos que deixam claro que seu ponto de vista obviamente seria colocado em perspectiva, caso lêssemos do ponto de vista da vítima.

Outro aspecto que me pareceu interessante na maior parte da leitura, é que o narrador parece falar diretamente para alguém que o escuta; ora parece conversar com o leitor, outras vezes ficamos com a sensação de que alguém o está entrevistando. E apesar de ser uma distinção passiva da opinião pessoal de quem lê, achei que este recurso, ao mesmo tempo em que agrada, também foi um problema em vários momentos; o protagonista insinua por meio de diálogos, comentários e questões que supõe estarmos a fazer – ou que estivesse sendo feito por um entrevistador, o qual não possui voz – portanto, quando o narrador errava o que eu estava pensando a respeito do relato, pareceu-me pretensioso.

Outro problema que me incomodou bastante foi o mencionado livro inacabado escrito pela personagem. E o impasse não esbarra propriamente no que é mais comum nesse tipo de recurso linguístico: uma história dentro da história dificilmente funciona, à menos que o autor seja extremamente eficiente na arte de entreter e te fazer esquecer o arco principal, ou caso esse subtexto seja algo de extrema importância para a compreensão da trama. Pois bem, aqui o livro da personagem até começa com algum vigor, causa-nos interesse, mas foge completamente do arco central e particularmente não encontrei nenhuma informação que fosse indispensável para os argumentos do parricida.

Falando nele, o protagonista é um sujeito com algumas camadas, algumas interessantes, outras nem tanto. Há momentos em que ele descreve sua história de forma lúcida e articulada; em outros instantes parece enviesado, tenta conduzir o interlocutor a crer no que relata – chega a nos apresentar informações num breve capitulo, para no capítulo seguinte desmentir tudo – essa dissimulação as vezes me deixou um pouco cansado da leitura.

O DIA EM QUE MATEI MEU PAI é uma obra cujo título antecipa que o suspense não é o elemento chave aqui. Afinal, a confissão da personagem já está incutida em sua proposta. Os motivos que levaram ao crime é o que servem de combustível para despertar o interesse do leitor. Com um narrador interessante e as vezes afetado, terminei a leitura na dúvida de sua verdadeira natureza; se foi o caso de um complexo de édipo levado ao extremo, ou um parricídio inevitável, orquestrado por um psicopata que resolveu sair do armário.

NOTA: 6,3

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